19 de dezembro de 2016

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.


Os Padres da Igreja viram no chamamento dos Magos ao berço de Jesus Cristo a vocação das nações pagãs à fé. Esta constitui a própria essência do mistério, como explicitamente o indica a Igreja na oração em que resume os votos de seus filhos nesta solenidade: Deus qui hodierna die Unigenitum tuum GENTIBUS stella duce revelasti.
 O Verbo Incarnado manifestou-se primeiramente aos judeus na pessoa dos pastores. Porquê? Porque o povo judeu era o povo eleito. Era dele que devia sair o Messias, filho de David; a ele haviam sido feitas as magníficas promessas, cuja realização constituía o reino do Messias; a ele confiara Deus as escrituras e dera a Lei; Lei, na qual todos os elementos eram a figura da graça que Jesus Cristo devia trazer. Convinha, pois que o Verbo Incarnado se manifestasse aos judeus em primeiro lugar.
Os pastores, gente simples, de coração reto, representaram no presépio o povo eleito: Evangelizo vobis gaudium magnum ... quia natus est vobis hodie Salvator. 
Mais tarde, na Sua vida pública, Nosso Senhor manifestar-se-á aos judeus pela sabedoria da Sua doutrina e pelo esplendor dos Seus milagres.
 Verificamos até que Ele reserva a Sua pregação unicamente para os judeus. Vede, por exemplo, quando a mulher Cananeia, das regiões infiéis de Tiro e de Sidonia, lhe pede que a socorra, que responde Jesus Cristo aos discípulos que intercedem a favor dela? Vim apenas para as ovelhas perdidas de Israel. Será necessária a fé viva e profunda humildade da pobre pagã para arrancar, para assim dizer, a Jesus a graça que implora. Durante a vida pública, quando Nosso Senhor enviava os discípulos a pregar, como Ele, a boa nova, dizia-lhes igualmente: «Não vades aos gentios; não vos demoreis entre os samaritanos, procurai antes as ovelhas perdidas de Israel». Por que motivo fez Jesus tão estranha recomendação? Estariam os pagãos excluídos da graça da salvação e da redenção trazida por Jesus Cristo? Não; mas entrava na economia divina reservar aos Apóstolos a evangelização das nações pagãs depois de os judeus terem crucificado o Messias e desprezado definitivamente o Filho de Deus. Quando Nosso Senhor morre na cruz, rasga-se em dois o véu do templo para significar que tinha acabado a antiga aliança feita só com o povo hebreu.
Com efeito, muitos judeus, não quiseram receber Jesus Cristo: o orgulho duns e a sensualidade doutros cegaram-lhes as almas, e .eles não quiseram aceitá-Lo como Filho de Deus. É deles que fala S. João, quando diz: «A luz brilhou nas trevas e as trevas não A compreenderam: veio ao que era Seu, e os Seus não O receberam». Por isso, Nosso Senhor dizia aos judeus incrédulos: «O reino de Deus ser-vos-á tirado e transferido para os gentios ».
 As nações pagãs são chamadas a tornarem-se a herança prometida pelo Pai Eterno a Seu Filho Jesus: Postula a me, et dabo tibi gentes haereditatem tuam. O próprio Jesus Cristo dizia-se «o bom pastor que dá a vida pelas suas ovelhas», acrescentando logo: «Não tenho ovelhas somente no meu povo; tenho outras ainda que presentemente não pertencem ao meu redil»: Alias oves habeo quae non sunt ex hoc ovili: «é preciso também que eu as chame a mim; escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor».
 Eis por que, antes de subir ao céu, Jesus envia os Apóstolos para continuarem a sua missão de salvação, não já entre as ovelhas perdidas de Israel, mas entre todos os povos. «Ide, diz Ele, pregai a todas as criaturas, ensinai a todas as nações ... Estou convosco até à consumação dos séculos».
 No entanto, o Verbo Incarnado não esperou pela Sua Ascensão para espalhar a graça da boa-nova entre os gentios. Ao aparecer na terra, convida-os a comparecer no presépio, na pessoa dos Magos. Sabedoria eterna, queria assim mostrar-nos que trazia a paz: Pax hominibus bonae voluntatis; «não só aos que estavam perto d 'Ele» - os judeus fiéis, representados pelos pastores, - «mas também aos que se achavam longe» - os pagãos, representados pelos Magos. Assim, dos dois povos, como diz S. Paulo, fazia um só - Qui fecit utraque unum - porque é Ele, pela união da Humanidade com a Divindade, o único Mediador perfeito e é «só por Ele que temos acesso, uns e outros, junto do Pai, num só e mesmo Espírito
 O chamamento e a santificação dos Magos significam a vocação dos gentios à fé e à salvação. Deus envia um Anjo aos pastores, porque o povo eleito estava habituado às aparições dos espíritos celestes; para os Magos, que prescrutavam os astros, faz surgir uma estrela maravilhosa, símbolo da iluminação interior que esclarece as almas para as chamar a Deus. 
Cada alma de adulto é efetivamente iluminada, ao menos uma vez, tal como os Magos, pela estrela da vocação à salvação eterna. A todos é dada a luz. É um dogma da nossa fé que «Deus quer salvar todos os homens»: Qui OMNES homines vult salvos fieri, et ad agnitionem veritatis venire.
 No dia do juízo, todos sem exceção, com a convicção produzida pela evidência, proclamarão a justiça infinita de Deus e a perfeita retidão das Suas decisões: Justus es, Domine, et rectum judicium tuum. Aqueles que o Senhor houver para sempre afastado para longe de Si reconhecerão que são os autores da sua própria perda.
 Ora isto não seria verdade se os condenados não tivessem tido a possibilidade de aceitar e conhecer a luz divina da fé. É contrário, não só à infinita bondade de Deus, mas ainda à Sua justiça, condenar uma alma por causa da sua ignorância invencível.
 Sem dúvida, a estrela que chama os homens à fé cristã não é a mesma para todos; brilha de maneira diferente; mas a sua luz é suficientemente visível, para que os corações de boa vontade possam reconhecê-la ·como o sinal da vocação divina. Em Sua providência cheia de sabedoria, Deus varia incessantemente a Sua ação; e esta ação, incompreensível como o próprio Deus, varia-a segundo os desvelos sempre ativos do Seu amor e as exigências sempre santas da justiça divina. É nisto que devemos, como S. Paulo, adorar «a insondável profundidade dos caminhos de Deus e proclamar que eles ultrapassam infinitamente as nossas vistas criadas». Quem, «com efeito, conheceu o pensamento do Senhor e foi Seu conselheiro»? O altitudo divitiarum sapientiae et scientiae Dei! Quam incomprehensibilia sunt judicia ejus et investigabiles viae ejus.
 Temos a dita de ter «visto a estrela» e reconhecido como nosso Deus o Menino do presépio; temos a ventura de pertencer à Igreja, de quem os Magos eram as primícias.
 No Oficio da festa, a Liturgia denomina esta vocação de toda a humanidade à fé e à salvação, na pessoa dos Magos, as bodas da Igreja com o Esposo. Ouvi com que alegria e em que termos magnificamente simbólicos, tirados do profeta Isaías, ela proclama, na Epístola da Missa, o esplendor dessa Jerusalém espiritual, que deve receber no seu seio materno as nações que se tornaram a herança do seu divino Esposo: «Levanta-te e resplandece, porque chegou a tua luz e elevou-se sobre ti a glória do Senhor. Enquanto as trevas cobrirem a terra e a obscuridade envolver os povos, o Senhor levantar-se-á sobre ti e a Sua glória manifestar-se-á em ti. As nações caminharão para a tua luz e os reis para a claridade da tua aurora. Dirige os teus olhares em volta de ti e vê: todos se congregam e vêm a ti; de longe virão teus filhos, e a teu lado surgirão as tuas filhas. Verás então e ficarás radiante; estremecerá e dilatar-se-á o teu coração; porque verás as riquezas do mar e os tesouros das nações». Ofereçamos a Deus incessantes ações de graças por «nos haver tornado capazes de participar da herança dos santos na luz, libertando-nos do poder das trevas para nos transportar ao reino de Seu Filho, isto é, à Igreja.
 O chamamento à fé é um insigne benefício, porque encerra em germe a vocação à eterna bem aventurança da visão divina. Nunca nos esqueçamos de que este chamamento foi a aurora de todas as misericórdias de Deus para connosco e que para o homem tudo se resume na fidelidade a esta vocação; a fé deve conduzir-nos à visão beatífica.
 Devemos, não somente agradecer a Deus a graça da fé cristã, mas ainda tornar-nos cada dia mais dignos dela, salvaguardando-a contra todos os perigos a que se acha exposta no nosso século de naturalismo, de cepticismo, de indiferença, de respeito humano, mantendo-nos constantemente fiéis em viver a vida de fé.
 Além disso, peçamos a Deus que conceda este dom precioso da fé a todas as almas que se acham «ainda assentadas nas trevas e na sombra da morte»; imploremos o Senhor para que a estrela brilhe sobre elas; que Ele próprio seja «O sol que as visite do alto pela Sua terna misericórdia»: Per víscera misericordiae Dei nostri in quibus visitavit... Oriens ex alto.
 Esta oração é muito agradável ao Senhor; pois se Lhe pede que Ele seja conhecido e exaltado como Salvador de todos os homens e como Rei dos reis.
 É também muito agradável ao Pai Eterno que nada deseja tanto como a glorificação de Seu Filho. Repitamos, pois, a miúdo, nestes santos dias, a oração que o próprio Verbo Incarnado pôs em nossos lábios: ó Pai celeste, «Pai das luzes», venha a nós o Vosso reino, esse reino de que o Vosso Filho Jesus é o chefe: Adveniat regnum tuum! Seja o vosso Filho cada vez mais conhecido, glorificado e servido, para que, por sua vez, manifestando-Vos cada vez mais aos homens, Ele Vos glorifique na unidade do Vosso comum Espírito: Pater. clarifica Filium tuum ut Filius tuus clarificet te! 

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