II
Aliás, neste particular, o grande Apóstolo, instruido como foi pelo próprio Cristo durante três anos,
não é mais que o eco fiel do seu Divino Mestre.
Naquela inefável oração depois da Ceia, em que o nosso bendito Salvador deixa transbordar, diante
dos discípulos arrebatados, os sentimentos íntimos da Sua alma, no momento supremo da Sua existência terrestre, ouvimos estas palavras: « Pai, a vida eterna consiste em reconhecer-te a Ti como único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo como Teu enviado»: Haec est autem vita aeterna : ut cognoscant te solum Deum verum, et quem misisti Jesum Christum.
Aprendemos assim, da própria boca de Jesus, verdade infalível, que toda a vida cristã - de que a vida eterna é apenas o normal desabrochar e o termo natural - se resume no conhecimento prático de Deus e do seu Filho.
Dir-me-eis que não vemos a Deus: Deum nemo vidit unqua. É verdade. Só conheceremos a Deus perfeitamente, quando O virmos face a face na eterna bem-aventurança.
Mas, neste mundo, Deus manifesta-se à nossa fé pelo seu Filho. Jesus Cristo, "Verbo Incarnado. é a grande revelação de Deus ao mundo : lpse illuxit in cordibus nostris... in facie Christi Jesu.
Cristo é Deus aparecido no meio dos homens, a conviver com eles sob o céu da Judeia, a mostrar-lhes, pela Sua vida humana, como um Deus vive entre os homens, para que os homens saibam como devem viver para serem agradáveis a Deus.
É, portanto, em Jesus Cristo que se devem concentrar todos os nossos olhares. Abri o Evangelho : vereis que a voz: do Pai Eterno apenas se fez ouvir no mundo por três vezes . E que nos diz: esta voz divina? De cada uma dessas três vezes, o Pai celeste manda-nos
contemplar e escutar o Seu Filho para que Ele seja glorificado : «Eis o meu Filho muito amado em quem pus todas as minhas complacências : ouvi-o » ; Hic est Filius meus dilectus ... ipsum audite.- Tudo quanto nos pede o Pai Eterno se resume nisto : contemplar a Jesus, Seu Filho, ouvi-Lo, para O amar e imitar, porque Jesus, sendo como é Seu Filho, é igualmente Deus.
E havemos de O contemplar na Sua pessoa, em todos os atos da Sua vida e da Sua morte, nos estados da Sua glória. Por isso que Nosso Senhor é Deus, as mais insignificantes circunstâncias da Sua vida, os mais pequeninos traços dos Seus mistérios, tudo é digno de atenção. Nada é pequeno na vida de Jesus. O Pai Eterno contempla a mais pequena ação de Cristo com muito maior complacência do que contempla o universo inteiro. Antes da vinda de Cristo, Deus tudo faz convergir para Ele : depois da Sua Ascensão tudo reconduz para Ele. A respeito de Cristo, tudo foi previsto e predito: todas as particularidades importantes da Sua existência, todas as circunstâncias da Sua morte, foram assinaladas pela Sabedoria eterna e anunciadas pelos profetas muito tempo antes de se realizarem.
Para quê este cuidado de Deus em preparar com tanta antecedência a vinda do Seu Filho? Para que nos deixou Cristo tantos ensinamentos divinos? Para que inspirou o Espírito Santo os escritores sagrados a que notassem tantos pormenores, por vezes aparentemente insignificantes? Para que escreveram os Apóstolos às suas cristandades epístolas tão extensas e instantes?
Para que todos estes ensinamentos ficassem enterrados, como letra morta, no fundo dos livros sagrados? De forma alguma; mas sim para que perscrutássemos, como deseja S. Paulo, o mistério de Cristo; para que contemplássemos a Sua pessoa, para que estudássemos os Seus atos - pois os Seus atos revelam-nos as Suas virtudes e a Sua vontade. Devemos contemplá-Lo, não num estudo puramente intelectual, as mais das vezes árido e estéril, mas in omni sapientia et intellectu
spirituali, « com um espírito cheio de sabedoria celeste » que nos faça buscar no dom divino a verdade que ilumina a nossa vida. Devemos contemplá-Lo para conformarmos a nossa existência com este modelot que nos torna Deus acessível, haurirmos assim nele a vida divina
e ficarmos plenamente saciados : Haec est autem vita aeterna.
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