[Sermão] A caridade: o que amar, em que ordem amar
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu espírito. Este é o máximo e primeiro mandamento. Mas o segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Evangelho do 17º Domingo depois de Pentecostes).
Nosso Senhor Jesus Cristo, perguntado por um fariseu no Evangelho de hoje, nos dá o preceito da caridade, do amor a Deus e ao próximo. Ele nos diz, então, que o primeiro mandamento é amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o espírito. Nossa vontade é feita para amar o bem. Nada melhor e mais justo, então, do que amar o Sumo Bem, o Bem infinitamente perfeito, que é Deus. E, sendo Ele o Sumo Bem, devemos amá-lo de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso espírito. Devemos amá-lo inteiramente, sem reservas, sem condições. Devemos amá-lo com generosidade e grande intensidade. Não devemos amar a Deus com tibieza ou mediocridade, dividindo o nosso coração entre Deus e o que não nos leva a Ele. Não pode haver acordo entre Cristo e o mundo, entre Cristo e Belial, entre Cristo e a mediocridade. Deus não nos pede que o amemos o mínimo para nos salvar, mas Ele pede que o amemos de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso espírito, caros católicos. Não devemos, então, nas nossas ações permanecer simplesmente no limite do que é bom, na tibieza, na mornidão, no mínimo. É arriscado viver sempre no mínimo, no limite. E aquele que ama o perigo perecerá pelo perigo. É preciso realmente amar a Deus inteiramente. Fazer a vontade dEle com grande generosidade e alegria profunda da alma, mesmo quando a vontade dEle manifestar-se por meio de cruzes. O Sumo Bem, a Bondade Infinita, a Beleza incriada, a Vida, o Criador – que nos fez e criou todas as coisas para que possamos servi-lo – e nosso Salvador deve ser amado inteiramente.
Todavia, caros católicos, a caridade não se refere unicamente a Deus. Ela se refere também a outras coisas, pois o amor a Deus nos faz amar tudo o que pertence a Deus e nos faz amar tudo aquilo onde se reflete a sua bondade. Assim, por amor a Deus, devemos amar a nós mesmos, o nosso próximo, os anjos e santos no céu, o nosso corpo, e mesmo as criaturas irracionais. Justamente, devemos amar essas coisas com amor de caridade, isto é, com um amor que se dirige a Deus. Devemos amar a Deus que é o Sumo Bem e devemos amar em Deus tudo aquilo que pode participar da bondade perfeita de Deus no céu ou que pode nos ajudar a alcançar o céu.
Em primeiro lugar, devo amar a mim mesmo com amor de caridade. Inclusive, Nosso Senhor diz que devo amar ao próximo como a mim mesmo, o que supõe que amo a mim mesmo com amor de caridade. Pertenço a Deus, fui criado por Ele, devo tudo a Ele. Fui criado para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo e para participar de sua felicidade eterna e perfeita no céu. Devo, então, amar-me com caridade, isto é, de modo que possa alcançar a felicidade eterna. Em todas as minhas ações, devo fazer aquilo que me dirija a Deus, e assim terei um amor ordenado por mim mesmo. Amar a mim mesmo não é fazer o que mais me agrada, nem me fazer pequenas concessões que vão contra Deus. Amar-me a mim mesmo é buscar e agir para o meu verdadeiro bem, que é Deus, o céu. O pecador, longe de amar a si mesmo ao seguir a sua vontade contra a vontade de Deus, é o pior inimigo de si mesmo. Na verdade, o pecador, sem se dar conta disso, evidentemente, odeia a si mesmo, pois age para a sua própria ruína. O pecador deseja e faz o mal para si mesmo, afastando-se de Deus. Devemos, caros católicos, buscando a virtude e fazendo a vontade de Deus em todas as coisas, amar-nos a nós mesmos e não tornarmo-nos inimigos de nós mesmos pelo pecado.
Em seguida, devemos amar o nosso próximo com amor de caridade. Devemos amá-lo porque também o nosso próximo pertence a Deus, foi criado por Ele para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo. Devemos amar o nosso próximo porque Ele é capaz de participar da vida divina no céu, de salvar-se. Devemos amar o nosso próximo enquanto ele pode dirigir-se a Deus. E o nosso amor consiste precisamente em desejar e em ajudar o nosso próximo a alcançar o céu, pela fé e pelas boas obras. Amar o próximo por qualquer outro motivo distinto de Deus não será amor de caridade, mas amor simplesmente natural. E a caridade para com o próximo tem também uma ordem. Devemos, claro, amar todos os nossos semelhantes ainda capazes da salvação, mas devemos amar mais aqueles que nos são mais próximos, nossos pais, filhos, pessoas com quem convivemos mais frequentemente. É importante ressaltar que o primeiro próximo do marido é sua esposa e que o primeiro próximo da esposa é seu marido.
Entre os nossos próximos devemos amar com amor de caridade mesmo os pecadores. Não podemos nem devemos amá-los enquanto pecadores, pois enquanto pecadores são inimigos de Deus e colocam voluntariamente obstáculo à própria salvação. Os pecadores enquanto pecadores são dignos da ira de Deus e não são, portanto, dignos de nosso amor. Todavia, devemos amá-los porque ainda são capazes de se arrepender de seus pecados, de reparar por eles e de se unirem a Deus. Portanto, o amor para com os pecadores deve ser justamente em vista do verdadeiro bem deles, que é a conversão a Deus e o abandono dos pecados. Amar os pecadores não é deixá-los acomodados em seus pecados ou compreender os pecados deles, mas ajudá-los da melhor maneira possível a se tornarem amigo de Deus. Por outro lado, não podemos amar com amor de caridade os demônios e condenados, justamente porque estão definitivamente separados de Deus e são inimigos dEle, incapazes de arrependimento. São obras de Deus e refletem a justiça divina na morte eterna pelos castigos que recebem, mas estão obstinados no mal. Amá-los seria equivalente a odiar a Deus e rechaçar a sua justiça perfeita.
Entre os nossos próximos, que devemos amar com amor de caridade, estão incluídos mesmo os nossos inimigos, quer dizer, aqueles que nos desejam, nos fizeram ou nos fazem algum mal. Não devemos amá-los enquanto nossos inimigos, pois seria amar a própria maldade deles. Mas devemos amá-los como capazes de participarem da vida divina. E devemos estar dispostos a ajudar nisso, se a nossa ajuda se revela estritamente necessária. Portanto, quando rezamos pela salvação de todos, pela conversão dos pecadores, etc., não podemos nunca excluir os nossos inimigos, mesmo se não estamos obrigados a citá-los particularmente. Seria pecado mortal excluir nossos inimigos das orações comuns ou não corresponder a uma saudação de bom dia, por exemplo. Somos obrigados a esses atos comuns de caridade, que se dão a todos os homens, mesmo com nossos inimigos. Não somos obrigados, porém, a atos particulares de caridade que não se fazem com todos a não ser que esse ato seja necessário quando nosso inimigo se encontra em perigo sério para a sua alma ou para o seu corpo. Devemos, então, amar com amor de caridade mesmo os nossos inimigos.
Devemos amar com amor de caridade os anjos e santos no céu, pois já participam da vida divina, já estão definitivamente unidos a Deus e são seus amigos íntimos. Nada mais natural que os amemos com grande caridade. Devemos também amar as almas do purgatório, pois já estão unidas a Deus e a bem-aventurança eterna para elas é apenas uma questão de tempo.
Devemos, caros católicos, amar com amor de caridade nosso corpo. Ele é obra de Deus e unido a nossa alma, forma o nosso ser. Não somos um mero animal, pois temos uma alma espiritual, capaz de conhecer a verdade e amar o bem, capaz de conhecer Deus e amar a Deus. Não somos anjos, pois temos um corpo unido a nossa alma, e que a ajuda em suas funções. Somos corpo e alma, somos animais racionais. Devemos amar nosso corpo na medida em que coopera para a nossa salvação. E amar o nosso corpo é exatamente saber usá-lo devidamente, para praticar o bem e evitar o mal. Assim, a mortificação cristã, necessária para subjugar algumas tendências desordenadas do nosso corpo, que existem em virtude do pecado original, não é um ato de ódio ao nosso corpo ou de desprezo a ele, mas de amor a ele, para que ele possa realmente servir a Deus.
Finalmente, devemos amar com amor de caridade as outras criaturas. Devemos amá-las enquanto são bens que podemos utilizar para a glória de Deus, para auxiliar na nossa salvação e na salvação de nosso próximo. Deus criou essas coisas para que o homem as utilizasse bem, isto é, com verdadeira caridade, ordenando-as a Deus, usando-as para servir melhor a Deus.
Assim, caros católicos, podemos compreender um pouco melhor o preceito da caridade. Em primeiro lugar, devemos amar a Deus, Sumo Bem e fonte de toda a bem-aventurança. Em seguida, devemos amar a nossa alma, capaz da bem-aventurança, e nosso próximo, também capaz da bem-aventurança. Devemos amar os anjos e santos no céu, bem como as almas do purgatório, mas não os já condenados. Entre os nossos próximos estão também os pecadores e nossos inimigos. Devemos amar nosso corpo e as outras criaturas. Mas devemos sempre nos lembrar: a caridade dirige todas essas coisas para Deus, para servir a Deus, para conhecê-lo, amá-lo e servi-lo.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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