17 de junho de 2015

Sermão para o 3º domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Passar pelos bens temporais e não perder os eternos

 Antes do Sermão, o Padre deu um aviso sobre tatuagem e modéstia. Para mais detalhes ver os textos indicados aqui:
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Protector in te sperantium, Deus, sine quo nihil est validum, nihil est sanctum: multiplica super nos misericordiam tuam; ut te rectore, te duce, sic transeamus per bona temporalia, ut non amittamus aeterna. Per Dominum…
Ó Deus, que sois o protetor dos que esperam em vós, e sem o qual nada se sustenta, sem o qual nada é santo, multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que governados e conduzidos por vós, passemos pelos bens temporais sem que percamos os bens eternos.
Essa é a belíssima Coleta da Missa do 3º Domingo depois de Pentecostes, que devemos considerar com atenção hoje. Já em outras ocasiões tivemos a oportunidade de falar de modo geral dessa oração chamada Coleta.
As Coletas são um lugar teológico, quer dizer, nelas podemos encontrar claramente a doutrina católica. Elas exprimem a fé católica e são uma fonte segura para conhecer a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo.
As Coletas, junto com o Cânon Romano – Cânon Romano que é a única oração eucarística no rito romano tradicional – são o melhor exemplo e o modelo mais perfeito do latim eclesiástico. As Coletas são, em geral, composições dos séculos IV, V, VI, em prosa, com ritmo, vocabulário e estilo sóbrios e solenes, com várias figuras de linguagem. É um latim acessível, mas bem trabalhado. Os reformadores da liturgia diziam que era um latim decadente. Era um pretexto para se abandonar o latim e adotar cada vez mais a língua vernácula. Não é verdade que o latim eclesiástico seja um latim decadente. As orações em latim eclesiástico são uma poesia em prosa. Melhor e mais claro exemplo disso é o venerável Cânon Romano e as Coletas mais antigas. A origem desse estilo do Cânon Romano e das Coletas é o panegírico, isto é, o elogio que se fazia ao príncipe, agora dirigido a Deus. As Coletas têm, via de regra, quatro elementos: 1º) elevação da alma a Deus; 2º) ação de graças, ou uma glorificação, ou um elogio; 3º) o pedido e 4º) conclusão. É a mesma ordem do Pai Nosso. Elevação da alma a Deus: Pai Nosso. Glorificação de Deus: que estais nos céus. Pedidos, que no Pai Nosso são sete, e a conclusão. Portanto, as Coletas se baseiam profundamente na estrutura do Pai Nosso também e não só no panegírico latino profano. As Coletas não acrescentam nada ao Pai Nosso, apenas tornam mais explícitos os pedidos feitos ali. Essas orações são de uma riqueza espiritual e de uma precisão teológica imensas.
Temos, na Coleta de hoje, essa mesma estrutura. Primeiramente, a elevação da alma a Deus: “Ó Deus”. A elevação da alma que é, evidentemente, indispensável para toda oração, a tal ponto que muitas vezes a oração se define simplesmente como a elevação da alma a Deus. O vocativo, “Ó Deus”, nos coloca, então, plenamente no plano sobrenatural. Ele joga os nossos pensamentos em Deus, nos fazendo cumprir assim a ordem do salmo que está hoje no Gradual: “jacta cogitatum tuum in Domino”, joga, coloca no Senhor o teu pensamento. E colocando o pensamento no Senhor, Ele te nutrirá, ele te sustentará. Cumprimos também o que nos ordena São Pedro em sua epístola: colocar em Deus todas as nossas solicitudes, todos os nossos desejos porque Ele cuida de nós. E colocando os nossos desejos em Deus, abandonaremos os desejos que não são conformes à vontade dEle. Jacta cogitatum tuum in Domino. Joga, coloca o teu pensamento em Deus.
Tendo colocado o pensamento em Deus na primeira parte da Coleta, passa-se para a glorificação de Deus: “protetor dos que esperam em vós, sem o qual nada se sustenta, sem o qual nada é santo”. Quantas vezes se repete, na Sagrada Escritura, e de forma ainda mais constante nos Salmos, essa grande verdade: Deus, protetor dos que esperam em vós. Aquele que espera no Senhor, buscando o verdadeiro arrependimento, buscando fazer a sua vontade não será confundido e será protegido do adversário, do demônio, que, como diz São Pedro na epístola de hoje, anda ao redor como um leão que ruge, buscando a quem devorar. Se não rezamos, se não vigilamos, se não temos o pensamento em Deus, se não temos Deus como nosso protetor, seremos facilmente devorados pelo demônio, pelo mundo, enfim, pelo pecado. Deus é o protetor dos que esperam nEle. E sem Ele nada tem força ou nada se sustenta e nada é santo. Sine Deus nihil est validum. Sem Deus nada tem força, nada se sustenta, ou, ainda mais claramente, nada existe. É Deus a causa primeira de tudo o que existe, a causa primeira de todo ser, de todo bem, de toda ordem. Não é ele, porém, a causa do mal, que é justamente a ausência de ser, a ausência de bem e de ordem. Ou vendo sob outro aspecto: Deus é onipotente, o criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. É Deus quem nos aperfeiçoa, nos fortifica e nos consolida, como diz São Pedro na Epístola. E, sem Deus, nada é santo. Ninguém pode estar isento do pecado, a não ser pela graça de Deus, que é a própria santidade, que está separado de toda corrupção. E sendo Ele a própria santidade, sabemos que Ele quer também a nossa santidade: “sede santos como vosso Pai celeste é santo”, nos diz Nosso Senhor. Sabendo que Deus é o protetor dos que esperam nEle, sabendo que Ele é onipotente e que Ele quer a nossa santidade, podemos recorrer a Ele com grande confiança.
Na Coleta de hoje, recorremos a Ele com um pedido inicial: que multiplique sobre nós a sua misericórdia. Pobres pecadores que somos, precisamos da abundância da misericórdia de Deus. Não para abusar dela, adiando a nossa conversão. Não para abusar dela, esquecendo também da justiça de Deus. Precisamos da abundância dela porque somos fracos tantas vezes.  Reconhecendo as perfeições divinas, não devemos ter medo de pedir a Deus que nos dê abundantemente as suas graças. Não simplesmente para isso ou para aquilo, mas para a nossa salvação.
Já jogamos o nosso pensamento em Deus: jacta cogitatum tuum in Domino, dizendo “Ó Deus”. Já reconhecemos as perfeições de Deus, que nos dão confiança para fazer o pedido: protetor dos que esperam nEle, e sem o qual nada existe, sem o qual nada é santo. Pedimos que multiplique sobre nós a sua misericórdia, para que nos tire de nossas misérias. E assim chegamos ao pedido principal da Coleta de hoje, expresso em uma bela oposição entre os bens temporais passageiros e os bens eternos: “que governados e conduzidos por Ele, passemos pelos bens temporais sem que percamos os eternos”. São bastante precisos os termos do pedido. Pelo bens temporais, caros católicos, nós devemos realmente passar, pois são bens passageiros, bens transitórios. Não podemos nos demorar neles, não podemos nos fixar neles, mas sempre usá-los como instrumentos, como meios para que não percamos os bens eternos. Nós devemos passar por essa vida transitória, passageira, sempre com os olhos nos bens eternos. Se quisermos permanecer nessa vida transitória dos bens temporais, se quisermos nos fixar nessa vida transitória com seus bens passageiros, entraremos em grande contradição e perderemos os bens eternos. Pelo que é transitório, devemos passar, simplesmente. Não podemos nos demorar nisso, não podemos permanecer nisso. Quanto aos bens eternos, ao contrário, não devemos perdê-los. Não podemos fazer dos bens eternos bens transitórios e passageiros. Não devemos, pelos nossos pecados, fazer que a graça, o amor a Deus, as virtudes, sejam bens que vão e voltam da nossa alma. Não, eles devem ser bens nos quais permanecemos. Devemos buscar ser estáveis, constantes, perseverantes na graça, no amor a Deus.
Eis, então, caros católicos, essa bela oração da Coleta do 3º Domingo depois de Pentecostes, que deve nortear os nossos desejos na Santa Missa de hoje e que nos mostra o valor inestimável que tem cada parte, cada oração da liturgia católica formada ao longo dos séculos de Tradição, e como cada parte dessa liturgia é um alimento salutar para a nossa alma.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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