17 de dezembro de 2020

 THESOURO DE PACIÊNCIA

PRÓLOGO


Todo neste mundo é um vale de lagrimas e de misérias: nascemos chorando, e chorando morremos; e enquanto não acabamos a vida, sempre temos motivos que nos obrigam a chorar. Por uma parte, se servimos o mundo e as nossas próprias paixões, ­ordinariamente acontece que, desenganados com repetidos desgostos, entre mil lagrimas e queixas confessamos, que este mundo é um tirano insuportável: então conhecemos por experiência que as nossas paixões são como víboras venenosas, as quais, quanto mais alimentamos no próprio seio, tanto mais ferozes se fazem para nos morderem e para nos introduzirem no coração um insuportável fel de amargura. Por outra parte, se servimos a Deus, achamos toda a terra como um campo de batalha, e andamos cercados por toda a parte de inimigos, que nos mortificam e perseguem: se queremos fugir-lhes, basta o susto, a fadiga, a aflição para nos fazerem derramar muitas e bem amargosas lagrimas; e se lhes não fugimos, as nossas lastimosas feridas nos dão motivo para derramar lagrimas de sangue. Por onde, os que vivem aflitos são quase tantos como os que povoam a terra. Sendo logo preciso dar algum remédio a um mal, que é comum, não achei outro mais suave, mais eficaz e mais pronto do que a meditação dos tormentos e aflições de Jesus Cristo; porque as Chagas do Senhor Jesus verdadeiramente são um tesouro de paciência. Portanto, a alma que se vê falta desta virtude, e desejosa de a conseguir, não tem que andar mendigando por outras partes: entre por meio da consideração neste grande e inexaurível Tesouro, e dele tirará riquezas imensas. Entre com vagar meditando uma ou duas vezes no dia os tormentos e paciência do Senhor; e entre também de passagem, mas com grande frequência, pelo decurso do dia, ao menos com a lembrança do seu sofrimento, e conhecerá maravilhosa mudança no seu coração. O Rea1 Profeta dizia: No dia da minha tribulação busquei a Deus: pus-me de noite com as mãos levantadas defronte do senhor, e não me enganei: a minha alma recusava toda a consolação, mas lembrei-me de Deus, e fiquei consolado. E se este efeito faz o pôr-se uma alma orando simplesmente defronte de Deus, que será defronte de Deus crucificado, aflito, cheio de sangue e de opróbrios? De Deus, que morreu por nos consolar, e que, por poder enxugar na bem aventurança (como prometeu) as nossas lagrimas, quis derramar as suas. Portanto, valham- se todos os aflitos deste remédio, e para isso se lhes propõem especiais meditações, e, no fim de cada uma, sua conveniente jaculatória, para no decurso do dia avivar a lembrança da Paixão do Senhor e o fruto que se tirou na oração. Divide-se toda a Paixão em sete Passos principais, que na Quaresma podem servir para as sete semanas, e fora dela para os sete dias de cada semana. Cada passo tem sete meditações, que, juntas, chegam para toda a Quaresma; mas no outro tempo poderá a alma escolher de cada Passo só uma para o dia da semana correspondentes á ordem dos Passos do Senhor, começando pelo Horto, no domingo.



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