2 de janeiro de 2016

Sermão para o 4º Domingo do Advento – Pe Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A Encarnação na plenitude dos tempos


Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.
Ave Maria…
O Evangelho de hoje começa nos informando de alguns dados históricos relativos ao Império Romano, à situação política na Judéia, na Galiléia e na região da Terra Santa. Informa-nos também a respeito de quem eram os pontífices dos judeus. Está evidente que São Lucas – em bom historiador que investigou diligentemente tudo desde o princípio, como ele mesmo fala no início de seu Evangelho – quer nos dizer com precisão o momento em que o Precursor começa a sua pregação pública. Ele quer nos deixar claro também que tudo o que se passa no Evangelho é verdadeiramente histórico, algo realmente ocorrido naquela região e na época em que viviam essas pessoas. Cita, então, personagens com funções importantes, de quem a história guarda registros precisos da época e do local em que atuaram.
Convém, então, considerar um pouco melhor a situação em que se encontravam o mundo pagão e o mundo judaico no período em que Nosso Senhor vem viver entre nós para operar a nossa redenção. Antes de tudo, devemos compreender que Deus é o Mestre da história, que Ele governa tudo com a sua Providência perfeita. Deus cria os homens e não os abandona. Deus não abandona os homens nem as sociedades, mas os governa e dirige todas as coisas para que as suas perfeições se manifestem ao longo da história. E, como sempre, permite os males em vista de bens muito superiores. Devemos ter uma concepção cristã da história. Devemos perceber o dedo da Providência no emaranhado dos fatos históricos e ver como Deus dirige também as nações sem prejuízo para a liberdade dos homens que a compõem. Foi Santo Agostinho que aprofundou, com muita propriedade, a visão cristã que devemos ter da história.
Com essa visão cristã da história, podemos considerar o momento histórico do nascimento de Cristo. Evidentemente, a Providência escolheu o momento mais conveniente para o nascimento do Menino Deus, a plenitude dos tempos como diz São Paulo (Gal. 4,4), quando o mundo havia chegado na plenitude de sua preparação para recebê-lo. Consideremos o tempo do nascimento de Jesus nos seus dois principais componentes – o Império Romano e o Povo Judeu – e vejamos como preparam a vinda do Salvador. A preparação para a vinda do Messias se fez por aspectos negativos, quer dizer, pelas graves deficiências que exigiam uma solução, e por aspectos positivos, quer dizer, por aspectos que favoreciam a vinda de Cristo.
Comecemos pelo Império Romano, pelo mundo pagão e pelo aspecto negativo, pelas suas deficiências. Religiosamente, o mundo pagão estava em grande decadência. A mistura de inúmeras religiões, com as mais diversas origens, levava muitos ao ateísmo e muitos outros à superficialidade e ao culto de supostos deuses com paixões desenfreadas. O culto envolvia muitas vezes impurezas e grandes crueldades. O estado religioso do mundo pagão era uma calamidade. Também o pensamento no mundo romano havia declinado muito. As duas filosofias dominantes eram o epicurismo e o estoicismo. O epicurismo professava a satisfação das paixões e a fuga da dor, o aproveitamento mundano da vida. O estoicismo era panteísta e professava o erro de que qualquer sentimento era necessariamente ruim. Acreditavam também no destino, destruindo a liberdade humana, e negavam a existência da alma. Portanto, também no campo do pensamento, o mundo romano-pagão estava em considerável decadência. Navida social, a família estava muito longe de sua perfeição. O pai era muitas vezes como um tirano, podendo, por exemplo, reconhecer ou rechaçar seu filho recém-nascido. A mulher, conforme a lei romana, podia também divorciar-se frequentemente, ao ponto que Sêneca dizia que as matronas romanas contavam seus anos de vida pelos maridos que haviam tido. A família, base da sociedade, estava destroçada. A vida moral, diante de tudo isso, era lamentável. São Paulo e mesmo alguns autores pagãos descrevem muito bem a situação, que culmina nas práticas contra a natureza (homossexuais). Dois fatores que muito contribuíam para a dissolução moral eram o luxo e as diversões excessivas, nos dizem os historiadores. A situação da humanidade pagã era dramática. Era necessária a vinda do Salvador.
O Império Romano, por outro lado, também preparou positivamente a vinda de Cristo. A unidade dada pelo Império Romano ao mundo conhecido e a unidade da língua, um grego mais popular chamado coiné, colocou nas mãos dos apóstolos de Cristo um meio incomparável para poder propagar o Evangelho em territórios imensos. Havia, até mesmo pelo cansaço com as inúmeras religiões, certa aspiração pelo monoteísmo. Essa aspiração foi favorecida também pelo contato dos pagãos com os judeus, que estavam presentes nas principais cidades do Império Romano. Esses gentios que simpatizavam com os judeus foram, no mais das vezes, aqueles que formaram os primeiros núcleos cristãos com a pregação dos apóstolos. Apesar da já mencionada decadência na filosofia, muitos elementos verdadeiros permaneceram e ajudaram na aceitação e na disseminação da Verdade, com V maiúsculo, que é Cristo.
Povo judeu, constituído por Deus para preparar o mundo para a vinda de Cristo, fez isso positivamente guardando as verdades reveladas por Deus, professando a existência de um só Deus e seus principais atributos: santidade, bondade, misericórdia, justiça, eternidade, onipresença, sem mescla de imperfeições. Preparou o mundo para a vinda do Salvador também praticando o culto prescrito por Deus, sem impurezas e sem sacrifícios humanos. Um culto que prefigurava o sacrifício do Salvador. Na época da vinda de Cristo, embora já houvesse considerável decadência entre os judeus, o ensinamento oficial continuava correto. A família, apesar de certas imperfeições, era muito mais sólida do que entre os pagãos. Havia pessoas muito santas entre os judeus e que esperavam a vinda do Messias: Nossa Senhora, São José, São Zacarias, Santa Isabel, Simeão e Ana, para dar alguns exemplos. O povo judeu preparou também positivamente a vinda de Cristo pela influência exercida pelos judeus da diáspora sobre os pagãos. Os judeus da diáspora eram aqueles que não estavam na terra prometida, mas em outras partes do mundo. Esses judeus prepararam muitos para o monoteísmo, para uma vida moral mais elevada, para a vinda do Salvador. Não por acaso, vários autores pagãos atestam a existência da expectativa pela vinda do Messias prometido aos judeus no primeiro século de nossa era ou no século precedente, como Virgílio, Suetônio e Tácito. Assim, na época de Cristo, o povo judeu prepara positivamente o mundo para a vinda de Cristo.
Todavia, o povo judeu preparou a vinda de Cristo também pelo aspecto negativo. Na época de seu nascimento, as autoridades judaicas encontravam-se já muito corrompidas. Os dois grupos principais, saduceus e fariseus, não favoreciam o florescimento religioso. O grupo dos saduceus, formado principalmente por sacerdotes, era materialista, negando também a imortalidade da alma. Os fariseus inventavam suas próprias tradições, colocando sobre os homens um sem número de práticas arbitrárias e faziam algumas coisas para aparecer diante dos homens enquanto deixavam de fazer as mais importantes. Eram hipócritas. Também essa decadência entre os judeus clamava pela vinda do Messias, do Salvador.
São Paulo, no início de sua Epístola aos Romanos mostra bem como nessa época o mundo estava mergulhado nas trevas. Era possível ver claramente como a vinda do Salvador era necessária para remediar isso. Na sombra das trevas, era preciso que viesse a Luz das Nações, Cristo. Nosso Senhor nasce no meio da noite, da escuridão, para dissipá-la. Por outro lado, vários elementos favoreciam essa vinda porque facilitavam a difusão da doutrina de Cristo de modo ordenado.
Nosso Senhor vem ao mundo na plenitude dos tempos. Não convinha, de fato, que o Verbo se Encarnasse logo depois do pecado original. Se Ele tivesse feito assim, a humanidade daria pouquíssimo valor ao Redentor, sem perceber a gravidade do pecado e sem perceber a necessidade que tem do Salvador. Não convinha, por outro lado, que o Verbo se encarnasse próximo ao fim do mundo, pois os homens poderiam cair em desespero.
O Verbo encarnou-se, então, na plenitude dos tempos, no momento conveniente, para mais favorecer a nossa salvação. É Deus o Senhor da história, que dispõem todas as coisas de maneira suave e forte de acordo com a sua Sabedoria infinita, que dispõe mesmo o emaranhado dos episódios históricos.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.

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