7 de dezembro de 2014

Sonhos de Dom Bosco

12/21 - A VIDEIRA MISTERIOSA

Pareceu-me ver entrar no meu quarto um monstro muito grande que foi avançando até colocar-se aos pés da minha cama. Tinha a aparência horripilante de um sapo do tamanho de um boi.
Contendo a respiração, eu olhava firme para ele. O monstro ia crescendo aos poucos: cresciam as pernas e crescia o corpo, crescia a cabeça e, quanto mais aumentava o volume, mais pavoroso se tornava. Era de cor verde, com risco vermelho em torno da boca e no pescoço, o que lhe aumentava o pavoroso aspecto. Seus olhos de fogo; as orelhas extremamente pequenas. Dizia comigo mesma enquanto o observava: "Mas sapo não tem orelhas!" Na altura do nariz levantavam-se dois chifres e brotavam-lhe dos flancos duas asas enormes, esverdeadas. Suas patas eram como a do leão; a cauda terminava em duas pontas.
Pareceu-me que não sentia nenhum medo até aquele momento; mas o monstro começou a aproximar-se cada vez mais de mim, alargando a bocarra munida de dentes aguçados. Então um pavor enorme me assaltou. Pensei que era um demônio, pois tinha dele todos os sinais. Fiz o sinal da cruz mas nada adiantou. Toquei a campainha mas ninguém apareceu, ninguém ouviu. Gritei mas em vão: o monstro não fugia.
- Que quer de mim - disse então - demônio horrível?
Mas ele ia cada vez mais se aproximando; levantava e alargava as orelhas. Depois pousou as patas dianteiras sobre a grade dos pés da minha cama e foi se erguendo, agarrando-se ao ferro também com as patas traseiras; ficou um momento imóvel, olhando fixo para mim. Depois estirou para a frente o focinho, de maneira a ficar face a face comigo. Senti tamanha náusea que me ergui num movimento rápido e fiz menção de pular da cama; mas o monstro escancarou a boca. Queria defender-me, empurrá-lo, mas era tão nojento que não ousei tocá-lo. Pus-me a gritar, procurava com as mãos, atrás de mim, a pia de água benta, mas só encontrava a parede. Apostrofei-o então:
- Em nome de Deus! Por que faz isso comigo?
A estas palavras o sapo recuou um pouquinho. Fiz novamente o sinal da cruz e, tendo conseguido meter os dedos dentro da pia de água benta, joguei algumas gotas sobre o monstro. Então aquele demônio, dando um urro tremendo, atirou-se para trás e desapareceu. Ao mesmo tempo pareceu-me ouvir uma voz que vinha do alto e que pronunciou distintamente estas palavras:
- Por que não fala?
Compreendi que era vontade de Deus que contasse a vocês o que tinha visto; por isso resolvi narrar-lhes todo o sonho que tive, e no qual pude conhecer o estado de consciência de cada um de vocês.
Uma videira misteriosa
Na noite de Quinta-feira santa, apenas adormeci, pareceu-me estar sob nossos pórticos, circundado pelos nossos padres, clérigos, assistentes e jovens. De repente o Oratório atual mudou de aspecto, tomando o que tinha nos seus inícios. É preciso lembrar que o pátio confinava com vastos prados incultos, desabitados, que se estendiam até os campos da Cidadela, onde os primeiros jovens muitas vezes corriam brincando.
Sentado, estava eu conversando a respeito de negócios da casa e sobre o aproveitamento dos jovens, quando, junto à pilastra que sustenta a bomba e junto da qual ficava a porta da casa Pinardi, vimos brotar da terra uma virente parreira, igual à que havia outrora no mesmo lugar. Ficamos admirados de vendo-a aparecer depois de tantos anos. Crescia a olhos vistos até atingir a altura de um homem. Começou então a estender seus sarmentos em grande número, daqui, dali, de todos os lados, a lançar os raminhos tenros em todas as direções. Em breve ocupava nosso pátio inteiro e ainda ganhava as imediações. O curioso é que os sarmentos não subiam para o alto, mas iam se estendendo paralelamente ao solo, formando uma imensa pérgula, sem que vissem esteios que a sustentassem. As folhas que brotavam eram belas e verdes; os sarmentos, de um vigor e abundância surpreendentes. Logo começaram a surgir os cachos, cresceram os bagos e a uva tomou seu colorido próprio.
Dom Bosco e os que o acompanhavam diziam admirados:
- Como é que esta videira cresceu tão depressa? Que será isto?
Disse Dom Bosco aos demais:
- Bom, vamos ver o que acontece.
Eu observava tudo como os olhos arregalados, sem pestanejar. De repente todos aqueles bagos caíram no chão e se transformaram em outros tantos jovens, vivos e alegres, que encheram o pátio do Oratório e todo o espaço ocupado pela parreira. Era uma alegria vê-los. Eram os jovens que já estiveram, que estão e estarão ainda no Oratório e nos outros colégios, porque eu não conhecia  muitos deles.
Então um personagem, que a princípio eu não sabia quem era, surgiu a meu lado e ficou observando também os jovens. Mas de repente  um véu misterioso estendeu-se na nossa frente, furtando-nos a vista ao alegre espetáculo.
Aquele longo véu, não mais alto do que a videira, parecia estar pregado nos sarmentos em toda a extensão e descia como uma espécie de pano de boca. Não se via mais do que  a parte superior da parreira, semelhante a um imenso tapete de verdura. Cessara, como por encanto toda a alegria dos jovens, sucedendo-se um melancólico silêncio.
- Olhe! - disse-me o guia e apontou-me a videira.
Apenas folhas
Aproximei-me e pude ver que aquela linda videira, que parecia carregada de cachos de uva, tinha apenas folhas, sobre as quais estavam escritas as palavras do Evangelho: Nihil invenit in ea! Nada encontrou nela! Não chegava a compreender tudo isso e perguntei ao personagem:
- Quem é você? Que significa esta videira?
Ele levantou o véu que escondia a parreira; pude ver apenas um limitado número dos numerosíssimos jovens visto antes; a maioria era-me desconhecida.
- Estes - explicou - são aqueles que apenas fingem praticar o bem, para não desmerecer diante dos companheiros. São os que cumprem pontualmente o regulamento da casa, mas apenas por cálculo, para evitar repreensões e para não perder os estimas dos superiores; mostram-se reverentes para com eles mas não tiram proveito das instruções, das exortações, dos cuidados que receberam - ou receberão - nesta casa. Seu ideal é conquistar um posição de destaque e lucrativa no mundo. Pouco se lhe dá estudar a própria vocação; desdenham o convite o Nosso Senhor lhes faz. Em resumo, são aqueles que fazem as coisas forçados e, por conseguinte, sem proveito para  eternidade.
Que desgosto para mim descobrir naquele número alguns jovens que supunham muito bons, afeiçoados e sinceros!
O amigo acrescentou:
- O mal não é só esse - e deixou cair o véu, reaparecendo a parte superior da extensa vinha.
- Olhe agora novamente.
Cachos estragados
Olhei para os sarmentos. Viam-se entre as folhas muitos cachos de uva que a princípio me apareceram como a promessa de uma rica colheita. Já estava antecipadamente alegre. Aproximando-me, porém, pude ver que aqueles cachos eram defeituosos, estavam estragados; uns estavam mofados; outros cheios de vermes e de insetos que o devoravam; outros ainda picados pelos passarinhos e pelas vespas; outros, finalmente, murchos e amassados. Olhando bem, persuadi-me de que nada de bom poderia tirar daqueles cachos; ao contrário, eles estavam empestando o ambiente com o mau cheiro que exalavam.
O personagem levantou novamente o véu. Pude ver, não o número incalculável de jovens do início do sonho, mas muitos e muitos deles. Seus rostos, antes tão belos, tinham-se tornado feios, escuros, cobertos de feridas. Passavam encurvados e tristonhos. Nenhum falava. Entre eles alguns havia que estão presentemente nesta casa, outros que já estiveram; muitíssimos eu não conhecia ainda. Todos estavam envergonhados e não ousavam  levantar os olhos.
Eu, o padre e outras pessoas que me acompanhavam estávamos assustados, não sabendo o que dizer. Finalmente perguntei ao meu guia:
- Que significa isto? Por que aqueles jovens, antes tão alegres e vivos, estão agora tão tristes e desfigurados?
O guia respondeu:
- São as consequências do pecado.
Entretanto, os jovens passavam diante de mim, e o guia me disse:
- Observa-os bem.
Olhei com atenção e pude ver que todos tinham escrito na mão e na fronte o próprio pecado. Entre estes reconheci alguns, ficando admirado. Tinha sempre pensado que fossem ótimos jovens e descobria agora que tinham gravíssimos defeitos.
Enquanto desfilavam lia em suas frontes: imodéstia, escândalo, malignidade, soberba, ócio, gula, inveja, ira, espírito de vingança, blasfêmia, irreligiosidade, desobediência, sacrilégio, furto.
Meu guia fez-me observar:
- Nem todos já são agora como que estás vendo, mas assim se tornarão, se não mudarem de rumo. Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá nas grandes. A gula gera egoísmo e impureza; o desprezo dos superiores leva ao desprezo dos sacerdotes e da Igreja; e assim por diante.
Desolado por ouvir estas palavras, tirei a caderneta e o lápis para tomar nota dos nomes dos jovens que conhecia, para poder adverti-los e corrigi-los. Mas o guia segurou o meu braço e perguntou:
- Que está fazendo?
- Estou escrevendo seus nomes, para poder adverti-los; desta forma, poderão corrigir-se.
- Isso não lhe é permitido - respondeu o amigo.
- Por quê?
- Os meios não faltam para libertar-se dessas doenças. Têm superiores; que lhes obedeçam. Têm os sacramentos; os freqüentem. Têm a confissão; não a descuidem. Têm a comunhão; não a recebam por hábito. Ponham um freio nos olhos, fujam dos maus companheiros, abstenham-se das más leituras e das más conversas. Sejam prontos a obedecer. Não procurem subterfúgios para enganar os professores e ficarem ociosos. Não procurem sacudir o jugo dos superiores, considerando-os como vigilantes importunos, conselheiros interesseiros, inimigos; não cantem vitória quando conseguem impedir que suas faltas fiquem sem punição. Rezem de boa vontade na Igreja e em outro tempo destinado a oração. Estudo, trabalho, oração: eis o que pode conservá-los bons.
Não obstante a resposta negativa, continuei a pedir insistentemente ao meu guia que me deixasse escrever aqueles nomes. Ele, então, tirou-me resolutamente das mãos o caderno de notas e jogou-o  ao chão, dizendo:
- Já lhe disse que não é necessário que você escrevesse esses nomes. Com a graça de Deus e a voz da consciência seus jovens podem saber o que devem fazer e evitar.
- Então não vou poder manifestar nada aos meus queridos jovens? Diga ao menos o que poderei dizer-lhes, que aviso devo dar-lhes.
- Poderá, a seu gosto, dizer aquilo de que se lembrar.
Cachos maduros e belos
Deixou cair o véu; apareceu de novo, diante de nossos olhos, a videira, cujos sarmentos, quase sem folhas, carregavam belos cachos de uva corada e madura. Aproximei-me e observei atentamente os cachos: eram realmente o que pareciam à distância. Era um prazer contemplá-los. Espalhavam ao redor um suavíssimo perfume.
O amigo levantou-me o véu. Sob a pérgula, extensa como era, estavam os nossos jovens, os de agora, os que já estiveram e os que ainda estarão conosco. Eram belíssimo e estavam radiosos de alegria.
- Estes - disse-me o guia - são os que, segundo os seus ensinamentos, produzirão bons frutos. São aqueles que praticam a virtude e que lhe darão muitas consolações.
Fiquei contente e ao mesmo tempo aflito, porque estes últimos não correspondiam ao número muito grande que eu esperava.
Foi quando Dom Bosco acordou.


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