12/21 - A VIDEIRA MISTERIOSA
Pareceu-me ver entrar no meu quarto um
monstro muito grande que foi avançando até colocar-se aos pés da minha cama.
Tinha a aparência horripilante de um sapo do tamanho de um boi.
Contendo a respiração, eu olhava firme
para ele. O monstro ia crescendo aos poucos: cresciam as pernas e crescia o
corpo, crescia a cabeça e, quanto mais aumentava o volume, mais pavoroso se
tornava. Era de cor verde, com risco vermelho em torno da boca e no pescoço, o
que lhe aumentava o pavoroso aspecto. Seus olhos de fogo; as orelhas
extremamente pequenas. Dizia comigo mesma enquanto o observava: "Mas sapo
não tem orelhas!" Na altura do nariz levantavam-se dois chifres e
brotavam-lhe dos flancos duas asas enormes, esverdeadas. Suas patas eram como a
do leão; a cauda terminava em duas pontas.
Pareceu-me que não sentia nenhum medo
até aquele momento; mas o monstro começou a aproximar-se cada vez mais de mim,
alargando a bocarra munida de dentes aguçados. Então um pavor enorme me
assaltou. Pensei que era um demônio, pois tinha dele todos os sinais. Fiz o
sinal da cruz mas nada adiantou. Toquei a campainha mas ninguém apareceu,
ninguém ouviu. Gritei mas em vão: o monstro não fugia.
- Que quer de mim - disse então -
demônio horrível?
Mas ele ia cada vez mais se aproximando;
levantava e alargava as orelhas. Depois pousou as patas dianteiras sobre a
grade dos pés da minha cama e foi se erguendo, agarrando-se ao ferro também com
as patas traseiras; ficou um momento imóvel, olhando fixo para mim. Depois
estirou para a frente o focinho, de maneira a ficar face a face comigo. Senti
tamanha náusea que me ergui num movimento rápido e fiz menção de pular da cama;
mas o monstro escancarou a boca. Queria defender-me, empurrá-lo, mas era tão
nojento que não ousei tocá-lo. Pus-me a gritar, procurava com as mãos, atrás de
mim, a pia de água benta, mas só encontrava a parede. Apostrofei-o então:
- Em nome de Deus! Por que faz isso
comigo?
A estas palavras o sapo recuou um
pouquinho. Fiz novamente o sinal da cruz e, tendo conseguido meter os dedos
dentro da pia de água benta, joguei algumas gotas sobre o monstro. Então aquele
demônio, dando um urro tremendo, atirou-se para trás e desapareceu. Ao mesmo
tempo pareceu-me ouvir uma voz que vinha do alto e que pronunciou distintamente
estas palavras:
- Por que não fala?
Compreendi que era vontade de Deus que
contasse a vocês o que tinha visto; por isso resolvi narrar-lhes todo o sonho
que tive, e no qual pude conhecer o estado de consciência de cada um de vocês.
Uma videira misteriosa
Na noite de Quinta-feira santa, apenas
adormeci, pareceu-me estar sob nossos pórticos, circundado pelos nossos padres,
clérigos, assistentes e jovens. De repente o Oratório atual mudou de aspecto,
tomando o que tinha nos seus inícios. É preciso lembrar que o pátio confinava
com vastos prados incultos, desabitados, que se estendiam até os campos da
Cidadela, onde os primeiros jovens muitas vezes corriam brincando.
Sentado, estava eu conversando a
respeito de negócios da casa e sobre o aproveitamento dos jovens, quando, junto
à pilastra que sustenta a bomba e junto da qual ficava a porta da casa Pinardi,
vimos brotar da terra uma virente parreira, igual à que havia outrora no mesmo
lugar. Ficamos admirados de vendo-a aparecer depois de tantos anos. Crescia a
olhos vistos até atingir a altura de um homem. Começou então a estender seus
sarmentos em grande número, daqui, dali, de todos os lados, a lançar os
raminhos tenros em todas as direções. Em breve ocupava nosso pátio inteiro e
ainda ganhava as imediações. O curioso é que os sarmentos não subiam para o
alto, mas iam se estendendo paralelamente ao solo, formando uma imensa pérgula,
sem que vissem esteios que a sustentassem. As folhas que brotavam eram belas e
verdes; os sarmentos, de um vigor e abundância surpreendentes. Logo começaram a
surgir os cachos, cresceram os bagos e a uva tomou seu colorido próprio.
Dom Bosco e os que o acompanhavam diziam
admirados:
- Como é que esta videira cresceu tão
depressa? Que será isto?
Disse Dom Bosco aos demais:
- Bom, vamos ver o que acontece.
Eu observava tudo como os olhos
arregalados, sem pestanejar. De repente todos aqueles bagos caíram no chão e se
transformaram em outros tantos jovens, vivos e alegres, que encheram o pátio do
Oratório e todo o espaço ocupado pela parreira. Era uma alegria vê-los. Eram os
jovens que já estiveram, que estão e estarão ainda no Oratório e nos outros
colégios, porque eu não conhecia muitos
deles.
Então um personagem, que a princípio eu
não sabia quem era, surgiu a meu lado e ficou observando também os jovens. Mas
de repente um véu misterioso estendeu-se
na nossa frente, furtando-nos a vista ao alegre espetáculo.
Aquele longo véu, não mais alto do que a
videira, parecia estar pregado nos sarmentos em toda a extensão e descia como
uma espécie de pano de boca. Não se via mais do que a parte superior da parreira, semelhante a um
imenso tapete de verdura. Cessara, como por encanto toda a alegria dos jovens,
sucedendo-se um melancólico silêncio.
- Olhe! - disse-me o guia e apontou-me a
videira.
Apenas folhas
Aproximei-me e pude ver que aquela linda
videira, que parecia carregada de cachos de uva, tinha apenas folhas, sobre as
quais estavam escritas as palavras do Evangelho: Nihil invenit in ea! Nada
encontrou nela! Não chegava a compreender tudo isso e perguntei ao personagem:
- Quem é você? Que significa esta
videira?
Ele levantou o véu que escondia a
parreira; pude ver apenas um limitado número dos numerosíssimos jovens visto
antes; a maioria era-me desconhecida.
- Estes - explicou - são aqueles que
apenas fingem praticar o bem, para não desmerecer diante dos companheiros. São
os que cumprem pontualmente o regulamento da casa, mas apenas por cálculo, para
evitar repreensões e para não perder os estimas dos superiores; mostram-se
reverentes para com eles mas não tiram proveito das instruções, das exortações,
dos cuidados que receberam - ou receberão - nesta casa. Seu ideal é conquistar
um posição de destaque e lucrativa no mundo. Pouco se lhe dá estudar a própria
vocação; desdenham o convite o Nosso Senhor lhes faz. Em resumo, são aqueles
que fazem as coisas forçados e, por conseguinte, sem proveito para eternidade.
Que desgosto para mim descobrir naquele
número alguns jovens que supunham muito bons, afeiçoados e sinceros!
O amigo acrescentou:
- O mal não é só esse - e deixou cair o
véu, reaparecendo a parte superior da extensa vinha.
- Olhe agora novamente.
Cachos estragados
Olhei para os sarmentos. Viam-se entre
as folhas muitos cachos de uva que a princípio me apareceram como a promessa de
uma rica colheita. Já estava antecipadamente alegre. Aproximando-me, porém,
pude ver que aqueles cachos eram defeituosos, estavam estragados; uns estavam
mofados; outros cheios de vermes e de insetos que o devoravam; outros ainda
picados pelos passarinhos e pelas vespas; outros, finalmente, murchos e
amassados. Olhando bem, persuadi-me de que nada de bom poderia tirar daqueles
cachos; ao contrário, eles estavam empestando o ambiente com o mau cheiro que
exalavam.
O personagem levantou novamente o véu.
Pude ver, não o número incalculável de jovens do início do sonho, mas muitos e
muitos deles. Seus rostos, antes tão belos, tinham-se tornado feios, escuros,
cobertos de feridas. Passavam encurvados e tristonhos. Nenhum falava. Entre
eles alguns havia que estão presentemente nesta casa, outros que já estiveram;
muitíssimos eu não conhecia ainda. Todos estavam envergonhados e não
ousavam levantar os olhos.
Eu, o padre e outras pessoas que me
acompanhavam estávamos assustados, não sabendo o que dizer. Finalmente
perguntei ao meu guia:
- Que significa isto? Por que aqueles
jovens, antes tão alegres e vivos, estão agora tão tristes e desfigurados?
O guia respondeu:
- São as consequências do pecado.
Entretanto, os jovens passavam diante de
mim, e o guia me disse:
- Observa-os bem.
Olhei com atenção e pude ver que todos
tinham escrito na mão e na fronte o próprio pecado. Entre estes reconheci
alguns, ficando admirado. Tinha sempre pensado que fossem ótimos jovens e
descobria agora que tinham gravíssimos defeitos.
Enquanto desfilavam lia em suas frontes:
imodéstia, escândalo, malignidade, soberba, ócio, gula, inveja, ira, espírito
de vingança, blasfêmia, irreligiosidade, desobediência, sacrilégio, furto.
Meu guia fez-me observar:
- Nem todos já são agora como que estás
vendo, mas assim se tornarão, se não mudarem de rumo. Quem despreza as coisas
pequenas, pouco a pouco cairá nas grandes. A gula gera egoísmo e impureza; o
desprezo dos superiores leva ao desprezo dos sacerdotes e da Igreja; e assim
por diante.
Desolado por ouvir estas palavras, tirei
a caderneta e o lápis para tomar nota dos nomes dos jovens que conhecia, para
poder adverti-los e corrigi-los. Mas o guia segurou o meu braço e perguntou:
- Que está fazendo?
- Estou escrevendo seus nomes, para
poder adverti-los; desta forma, poderão corrigir-se.
- Isso não lhe é permitido - respondeu o
amigo.
- Por quê?
- Os meios não faltam para libertar-se
dessas doenças. Têm superiores; que lhes obedeçam. Têm os sacramentos; os
freqüentem. Têm a confissão; não a descuidem. Têm a comunhão; não a recebam por
hábito. Ponham um freio nos olhos, fujam dos maus companheiros, abstenham-se
das más leituras e das más conversas. Sejam prontos a obedecer. Não procurem
subterfúgios para enganar os professores e ficarem ociosos. Não procurem
sacudir o jugo dos superiores, considerando-os como vigilantes importunos,
conselheiros interesseiros, inimigos; não cantem vitória quando conseguem
impedir que suas faltas fiquem sem punição. Rezem de boa vontade na Igreja e em
outro tempo destinado a oração. Estudo, trabalho, oração: eis o que pode
conservá-los bons.
Não obstante a resposta negativa,
continuei a pedir insistentemente ao meu guia que me deixasse escrever aqueles
nomes. Ele, então, tirou-me resolutamente das mãos o caderno de notas e
jogou-o ao chão, dizendo:
- Já lhe disse que não é necessário que
você escrevesse esses nomes. Com a graça de Deus e a voz da consciência seus
jovens podem saber o que devem fazer e evitar.
- Então não vou poder manifestar nada
aos meus queridos jovens? Diga ao menos o que poderei dizer-lhes, que aviso
devo dar-lhes.
- Poderá, a seu gosto, dizer aquilo de
que se lembrar.
Cachos maduros e belos
Deixou cair o véu; apareceu de novo,
diante de nossos olhos, a videira, cujos sarmentos, quase sem folhas,
carregavam belos cachos de uva corada e madura. Aproximei-me e observei
atentamente os cachos: eram realmente o que pareciam à distância. Era um prazer
contemplá-los. Espalhavam ao redor um suavíssimo perfume.
O amigo levantou-me o véu. Sob a
pérgula, extensa como era, estavam os nossos jovens, os de agora, os que já
estiveram e os que ainda estarão conosco. Eram belíssimo e estavam radiosos de
alegria.
- Estes - disse-me o guia - são os que,
segundo os seus ensinamentos, produzirão bons frutos. São aqueles que praticam
a virtude e que lhe darão muitas consolações.
Fiquei contente e ao mesmo tempo aflito,
porque estes últimos não correspondiam ao número muito grande que eu esperava.
Foi quando Dom Bosco acordou.
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