14/21 - AS DEZ COLINAS (1864)
Pareceu-lhe encontrar-se em um
extensíssimo vale ocupado por milhares e milhares de jovenzinhos; tantos eram,
que o Servo de Deus não acreditou que houvesse tantos meninos no mundo. Entre
aqueles jovens viu aos que estiveram e os que estão em casa e aos que um dia
estarão nela. Juntos com eles estavam os sacerdotes e os clérigos da mesma.
Uma montanha altíssima cercava aquele
vale por um lado. Enquanto Dom Bosco pensava no que havia com aqueles meninos,
uma voz lhe disse:
- Vês aquela montanha? Pois bem, é
necessário que tu e os teus cheguem até lá em cima.
Então ele deu ordem a toda aquela
multidão de encaminhar-se a um lugar indicado. Os jovens de puseram em marcha e
começaram a escalar a montanha a toda pressa. Os sacerdotes da casa corriam na
frente animando os meninos à subida, levantavam os caídos e carregavam sobre
suas costas os que não podiam prosseguir a causa do cansaço. Dom Miguel Rua,
com as mangas da camisa arregaçadas, trabalhava mais que ninguém e, tomando os
meninos de dois em dois, os lançavam pelos ares em direção à montanha, sobre a
qual caíam de pé, e corriam depois alegremente por uma e outra parte.
Dom João Cagliero e Dom João Batista
Francesia recorriam às fileiras gritando:
- Ânimo. Avante! Avante, ânimo!
Em pouco mais de uma hora aqueles
numerosos grupos de jovens haviam alcançados o cume; Dom Bosco também havia
ganhado a meta.
E agora que fazemos?, disse.
E a voz acrescentou:
deves recorrer com teus jovens essas dez
colinas que contemplas diante de tua vista, dispostas uma detrás da outra.
Porém, como poderemos suportar uma
viajem tão longa, com tantos meninos tão pequenos e tão delicados?
Os que não podem caminhar com seus pés
serão transportados, respondeu-lhe.
E eis que, em efeito, apareceu por um
extremo da colina uma magnífica carruagem. Tão bonita era, que seria impossível
descrevê-la, mas algo se pode dizer. Tinha forma triangular e estava dotada de
três rodas que se moviam em todas as direções. Dos três ângulos partiam três
hastes que se uniam em um ponto sobre a mesma carruagem formando como a
cobertura de um alpendre. Sobre o ponto de união, levantava-se um magnífico
estandarte em que estava escrito, com caracteres cubitais, esta palavra: Inocência. Uma franja bordava ao
redor de toda a carruagem formando orla na qual aparecia a seguinte inscrição:
Adjutorium Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti (Ajuda do Altíssimo
Deus, Pai, Filho e Espírito Santo).
O
veículo, que resplandecia como o ouro e que estava repleto de pedras preciosas,
avançou até se colocar no meio dos
jovens. Depois de recebida a ordem, muitos meninos subiram nele. Eram
quinhentos. Apenas quinhentos, entre tantos milhares de jovens, eram, todavia
inocentes!
Uma
vez ocupado o carro, Dom Bosco pensava por que caminho havia de se dirigir,
quando viu abrir-se ante seus olhos um caminho largo e cômodo, mas todo coberto
de espinhos. De repente apareceram seis
jovens que haviam mortos no Oratório, vestidos de branco e levantando uma
belíssima bandeira em que se lia: Penitência. Estes foram colocar-se à cabeça
de todos aqueles grupos de meninos que haviam de continuar a viagem a pé.
Seguidamente deu-se do sinal de partida. Muitos sacerdotes
lançaram-se aos varais da carruagem, que começou à se mover, tirada por eles.
Os seis jovens vestidos de branco lhes seguiram. Detrás ia toda a multidão de
garotos. Acompanhados de uma música belíssima, indescritível; os que iam na
carruagem entoaram o Laudare, pueri,
Dominum (Louvai, meninos, ao Senhor). Dom Bosco prosseguiu seu cominho
como que extasiado por aquela melodia do céu, quando lhe acorreu olhar para
trás à comprovar se todos os jovens lhe seguiam. Porém, o doloroso espetáculo!
Muitas haviam caídos no vale e muitos outros haviam voltado atrás. Com
indizível dor , decidiu refazer o caminho para persuadir àqueles imprudentes
que continuassem na ação e para ajudar-lhes à lhes seguir. Mas os proibiu
irrevogavelmente.
— Se não lhes ajudo, estes pobrezinhos
se perder-se-ão, exclamou ele.
— Pior para eles, lhe foi respondido;
foram chamados como os demais e não quiseram seguir-te. Hão visto o caminho que
deve recortar e isso basta.
Dom Bosco queria replicar, vagou,
insistiu porém tudo foi inútil.
— Também tu tens que obedecer,
disseram-lhe.
E teve que prosseguir o caminho.
A
um não havia refeita de este dor, quando
sucedeu outro lamentável acidente.
Muitos
dos meninos que se encontravam na carruagem, pouco a pouco, foram caído por
terra. Dos quinhentos, apenas se
chegaram cento e cinqüenta baixo estandarte da inocência.
A Dom Bosco lhe parecia que o coração ia partir no peito pela
insuportável angústia. Abrigava, com tudo, a esperança de que aquilo fosse
somente um sonho; fazia todo tipo de esforço para despertar-se porém cada vez
se convencia mais de que se tratava de
uma terrível realidade. Dava palmadas e ouvia
o ruído produzido por suas mãos, gemia e percebia seu gemidos ressonando
na habitação, queria dissipar aquele terrível pesadelo, porém nada podia.
—
Ah, meus queridos jovens!, exclamou ao chegar a este ponto da narração do
sonho, eu havia visto e reconhecido os que quedaram no vale, os que se votaram
atrás e os que caíram da carruagem. Os reconheci todos porém não duvideis: fiz
toda sorte de esforços possível ao meu alcance para salvar-vos. Muitos de vocês
convidados por mim a confessar-se, não respondestes a meu chamado. Por caridade
salvai vossas alma.
Muitos
dos meninos que caíram do carro foram a colocar-se pouco a pouco entre as
fileiras dos que caminhavam detrás da
segunda bandeira.
Entretanto,
a música do carro continuava sendo tão doce, que a dor de Dom Bosco foi
desaparecendo.
Havia
passado já sete colinas e, ao chegar na
oitava, a multidão de jovens chegou a um belíssimo povoado em que se tomou um
pouco de descanso. As casas era de uma riqueza e de uma beleza
indescritível.
Ao falar aos jovens sobre aquele lugar,
exclamou Dom Bosco:
—
Os direi com Santa Teresa o que ela
afirmou do paraíso: são coisas que, se falar delas, perdem o valor, porque são
tão belas que inútil esforçar-se em descrever. Portanto só acrescentarei que as
colunas daquelas casas pareciam de ouro, de cristal e de diamante ao mesmo
tempo, de forma que produziam uma grata impressão, saciavam a vista e infundiam
um gozo extraordinário. Os campos estavam repletos de árvores em cujas ramas
apareciam, ao mesmo tempo, flores, gemas, frutos maduros e frutos verdes. Era
um espetáculo encantador:.
Os
jovenzinhos se esparramaram por todas as partes: atraídos por uma coisa, outros
por outra, e desejosos, ao mesmo tempo, de provar aquelas frutas.
Foi neste povoado onde aquele jovem de
Casale se encontrou com Dom Bosco e teve com ele um longo diálogo. Ambos
recordavam depois as perguntas e respostas da conversação que haviam mantido.
Singular combinação de dois sonhos!
Dom Bosco experimentou aqui outra
estranha surpresa. Viu de repente os seus jovens como se houvessem tornados
velhos; sem dentes, com o rosto cheio de
rugas, o cabelo branco, encurvados, caminhando com dificuldades apoiados num
bastão. O Servo de Deus estava
maravilhado com aquela metamorfose, mas a voz lhe disse:
— Tu te maravilhas, porém, hás de saber
que não faz horas que saíste do vale, senão anos e anos. Tem sido a música
que tem feito que o caminho te parecera curto. Em prova do
que te digo, observa rua fisionomia e te convencerás de que estou dizendo a
verdade.
Então lhe foi apresentado um espelho a
Dom Bosco. Nele se olhou e comprovou que seu aspecto era de um homem ancião, de
rosto coberto de rugas e boca desdentada.
A comitiva, entretanto, voltou a
colocar-se em marcha e os jovens manifestavam desejos, de quando em quando,
à se deter para contemplar aquelas
coisas novas. Dom Bosco lhes dizia:
— Adiante, adiante, não necessitamos de
nada, não temos fome, não temos sede ; portanto, prossigamos adiante.
Ao fundo, na parte distante, sobre a
décima colina despontava uma luz que ia sempre um aumente, como se saísse de
uma maravilhosa porta. Voltou a olhar novamente o canto, tão harmonioso; que
somente no Paraíso se pode ver e gostar de uma coisa igual. Não era uma música
instrumental, nem parecia de vozes humanas. Era algo impossível de descrever e
foi tanto o júbilo que inundou a alma de Dom
Bosco que se despertou encontrando-se no leito.
Observações:
Dom Bosco teve este sonho à 21 de
novembro e o narrou à noite de 22. Esta mesma noite a transcreve Dom Lemoyne.
Dom Bosco o interpretou assim: o vale é o mundo; as montanhas, os obstáculos
para desapegar-nos delas; as dez colinas, os dez mandamentos de Deus; o carro,
a graça de Deus; os jovens que começam a pé são os que, perdida a inocência,
arrependeram-se de seus pecados. Acrescentou que estava disposto a dizer
confidencialmente o papel que desempenhava no sonho.
Dom Lemoyne interpreta as dez colinas
como decênios: a oitava colina, sobre a qual Dom Bosco faz uma parada, representa
o término da vida de Dom Bosco, que terá lugar mais além de seus sessenta anos.
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