2 de dezembro de 2014

Sonhos de Dom Bosco.

7/21- VINTE E DUAS LUAS

Naquela tarde de domingo, março de 1854, Dom Bosco reuniu todos os seus meninos do Oratório para narrar-lhes um sonho muito importante.
"Parecia-me estar com vocês no pátio - começou a dizer em meio a profundo silêncio - e gozava no meu coração por ver que todos estavam alegres e contentes. Quem saltava, quem gritava, quem corria. De repente vi um de vocês sair por uma porta e se pôr a passear no meio dos companheiros com uma espécie de turbante na cabeça. Era um turbante esquisito, todo iluminado por dentro, com uma grande lua desenhada, bem no meio da qual estava escrito o número 22. Admirado, aproximei-me dele para convidá-lo a tirar aquele enfeite carnavalesco. Na mesma hora, porém, escurece e, como se o sino tivesse tocado, o pátio se esvazia e vejo todos os meninos em fila, sob os pórticos. Pareciam amedrontados; dez ou doze tinham o resto estranhamente pálido. Entre estes, mais pálido ainda, avisto aquele do turbante. Enquanto olhava admirado para ele, percebi que alguma coisa lhe pendia os ombros: um véu fúnebre. Ia ao seu encontro para indagar o que significava tudo aquilo, quando uma mão me reteve. Vi em desconhecido de feições nobres e graves , que me disse: "Ouça-me, antes de aproximá-lo; ele tem ainda 22 luas de tempo e, antes que tenham passado, morrerá. Não o perca de vista e prepare-o!". Queria pedir-lhe ainda alguma explicação, mas não mais pude vê-lo. Queridos filhos, aquele jovem está no meio de vocês e eu o conheço…".
Um silencioso arrepio perpassou pela assembléia: era a primeira vez que Dom Bosco anunciava em público - e com estranha solenidade - a morte de algum deles. Dom Bosco percebe-o e quis diminuir a violenta impressão: " Sim eu o conheço - prosseguiu - está entre vocês aquele da lua. Mas não se assustem! É um sonho, com já disse, e nem sempre se deve acreditar em sonhos… em todo o caso, foi Nosso Senhor que disse: 'Fiquem sempre preparados porque a morte vem de surpresa , como um ladrão', não acham?'
Muitos meninos, abalados mudaram de vida. Muitas vezes a interrogação se levantava diante deles: "E se fosse eu?", deixando-os ansiosos. Os meninos tinham, entendido que cada lua significava um mês e iam contando, com um misto de curiosidade e apreensão: - Faltam quinze… treze… onze…
O ano de 1854 passou; veio o de 1855 e chegou o mês de outubro: os meninos contavam: - É a vigésima lua… - Faltavam só dois meses para o encontro marcado para a morte. Um jovem clérigo, Cagliero, no qual Dom Bosco depositava toda confiança, estava encarregado de assistir três dormitórios onde dormiam alguns dos seus companheiros, na antiga Casa Pinardi. Entre eles havia certo Secondo Gurgo, natural de Biella, de 17 anos, um rapagão. Tocava piano e órgão muito bem, estudava música afinco e ganhava um bom dinheiro dando lições de piano e órgão na cidade.
Foi justamente em outubro que Dom Bosco mandou chamar Cagliero:
- Onde está dormindo?
- No último quarto; de lá assisto os outros dois.
- Não seria melhor que levasse sua cama para o do meio?
- Como o senhor quiser. Apenas lhe faço notar que do lugar onde estou agora posso muito bem assistir todos os meninos dos três dormitórios.
- Sei - replicou Dom Bosco - mas prefiro que passe para este quarto.
Cagliero pegou o seu colchão e trocou de lugar. Mas não gostou do novo ambiente e voltou à carga, pedindo a Dom Bosco para voltar ao quarto antigo. Dom Bosco ouviu-o mas não deixou e ainda lhe disse:
- Fique quietinho onde está agora.
Passaram-se alguns dias e Cagliero foi novamente chamado por Dom Bosco:
- Quantos são no novo quarto?
- Somos três: eu, Gurgo e Gavoraglia. Contando como piano, somos quatro…
- Muito bem , os três são apaixonados por música e Gurgo poderá dar-lhes lições de piano. Quanto a você, veja de assisti-lo bem.
Olhou-o intensamente , fixando-o nos olhos, e nada mais acrescentou. Cagliero ficou cismado e fez a Dom Bosco algumas perguntas sobre a 20ª lua. Mas Dom Bosco corou logo a conversa, dizendo-lhe:
- O porquê, você saberá no momento oportuno.
Nos primeiros dias de dezembro não havia ninguém doente no Oratório. Uma noite, depois das orações, Dom Bosco anunciou que um dos  presentes morreria  antes da festa do Natal. Aproximava-se o fim das 22 luas e a nova predição vinha apenas confirmar e precedente, feita a cerca de dois anos antes.
Dom Bosco chamou novamente Cagliero. Perguntou-lhe se Gurgo se comportava bem, se voltava logo para a casa quando terminava  suas lições na cidade Cagliero assegurou-lhe que tudo ia otimamente.
- Muito bem - disse Dom Bosco - continue a vigiar e, se acontecer algo, avise-me logo. - Não acrescentou mais nada.
Chegou-se assim ao dia 15 de dezembro, quando Gurgo foi acometido por violentas cólicas. A crise foi tão forte que o médico considerou-o em perigo de vida. Foram administrados os últimos sacramentos e foi chamado com urgência o pai. Os cuidados do médico, entretanto, depois de oito dias de real perigo, conseguiram arrancar o jovem à morte. Gurgo melhorou, pôde até levantar-se; entrou em convalescença. O mal fora conjurado e o médico dizia o jovem que tinha escapado de uma boa. Todavia o pai pediu a Dom Bosco para levar o filho para casa, a fim de se restabelecer mais depressa. Era Domingo, 23 de dezembro, e no dia seguinte Gurgo deveria partir do Oratório.
Entre os meninos a expectativa era enorme: dentro de dois dias era Natal… E a profecia de Dom Bosco?
Na tarde daquele Domingo Gurgo quis comer carne. O pai, querendo satisfazer o filho, foi logo comprá-la. A que encontrou estava mal assada, mas o menino comeu-a assim mesmo.
Chegou a noite. O pai havia se retirado. No quarto do convalescente estavam o enfermeiro e Cagliero.
Improvisamente o jovem despertou com fortíssimas dores no ventre. O mal tinha voltado com extrema violência. Gurgo chamou seu assistente:
- Cagliero, Cagliero! Acabou-se… Não vou mais poder dar lições de piano a você…
- Coragem, Gurgo - retrucou Cagliero - isso também vai passar.
- Não, desta vez, acabou-se… Já não vou mais para casa… Reze por mim… Se soubesse que dores… reze a Nossa Senhora…
Entretanto o enfermeiro tinha ido chamar Dom Bosco que dormia num quarto vizinho. Este apressou-se em ir junto do jovem, presa de violentos espasmos. Poucos instantes depois, Gurgo morreria.
Uma profunda tristeza desceu sobre a casa naquela vigília de Natal. As duas predições de Dom Bosco ocupavam todas as conversas dos meninos.
Poucas horas antes que tivesse início a missa do galo, Dom Bosco subiu os degraus da cátedra e passeou os olhos entristecidos pelo ambiente, como se quisesse enfaixar com seu amor de pai a ferida aberta no coração dos filhos. Começou a falar baixo, acalorado:
- É o primeiro jovem - disse - que morre no Oratório. Fez bem o que tinha de fazer e esperamos que esteja no céu… Mas recomendo a todos vocês, queridos filhos, que estejam sempre preparados…
Um soluço cortou-lhe a palavra nos lábios. Nada mais pôde dizer. Desceu da cátedra no meio do silêncio que sobre todos pesava.
De longe chegavam, rompendo a neblina, os sons festivos da noite de Natal.



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