I N T R O D U Ç Ã O
No princípio do ano de 1859, numa cidade do Oeste, onde ensinávamos teologia, soubemos que um pregador dissera, da cadeira da verdade, que os membros da mesma família não se reconheceriam no Céu. Entre os seus ouvintes encontrava-se um ancião que ao ouvir isto se afligiu muito, porque tinha perdido a sua virtuosa esposa, que sempre esperara tornar a ver junto de Deus. Foi confiar sua aflição ao seu confessor, que era o Superior da mesma casa que habitávamos. Este, sabendo que andávamos procurando nas obras dos Padres da Igreja os materiais necessários para a composição duma obra, que esperávamos publicar um dia, sobre o dogma da comunicação dos santos, convidou-nos especialmente a recolher todos os testemunhos que assegurassem que os parentes e os amigos se reconhecem na eterna bem-aventurança. Disse-nos que estas autoridades nos serviriam para consolar as almas, e disse a verdade; tivemos a prova disto três anos depois, em seu próprio país. Corria o ano de 1862, e pregávamos a Quaresma na catedral duma cidade do Leste. No fim duma instrução mostramos a família recomposta no Céu. Este quadro pareceu próprio a regozijar santamente uma viúva e uma mãe angustiada, bem conhecida em toda a cidade por sua virtude, mas a quem uma indisposição tinha impedido de ir ouvir-nos. Uma de suas parentes que ela amava ternamente contou-lhe, em resumo, o que tínhamos desenvolvido, e veio da sua parte suplicar-nos que lho déssemos por escrito. Pouco tempo depois, a piedosa senhora reiterava-nos pessoalmente esta súplica e contava-nos que, muitos anos antes, tendo perdido uma de suas filhas ainda jovem, quisera consolar-se com a esperança de tornar a vê-la no Paraíso, mas que um eclesiástico a repreendera severamente, porque esta esperança, segundo a sua opinião, não tinha fundamento algum, e que nutrir-se dela era uma grande imperfeição, pois que só Deus nos deve bastar. Uma resposta tão dura não satisfazia nem o seu espírito nem o seu coração. Como um dos seus filhos era então aluno da Companhia de Jesus, no célebre colégio de Friburgo, na Suíça, suplicou ao padre Reitor que o fizesse acompanhar até a casa no tempo das férias mais próximas, por um religioso que a instruísse sobre este ponto, a fim de assegurá-la e tranqüilizá-la, sendo possível.
As exagerações duma certa escola tinham, pois, formado como que uma nuvem que ocultava aos olhos dum grande número de pessoas aflitas, o vivo resplendor desta verdade tão consoladora: No Céu nos Reconheceremos. Se lhe não negavam absolutamente a existência, via-se pouco, e mostrava-se ainda menos todo o bálsamo que encerra para adoçar as mais cruéis dores. Foi o que determinou a pessoa de que temos falado, digna de todos os nossos respeitos e atenções, a pedir-nos instantemente estas Cartas de Consolação, nas quais nos esforçamos em apresentar a verdade com toda a sua clareza, para que o coração aflito a veja, sinta e se regozije. Pelo mesmo motivo, muitos de nossos leitores desejariam encontrar aqui as altas aprovações que recebemos. Fomos graciosamente autorizados a satisfazer um desejo que tende unicamente a tornar este opúsculo ainda mais consolador. Estes testemunhos são efetivamente um novo alívio para as almas provadas por uma cruel separação; servem de lição para todos, e são uma censura para os contraditores, antes que um elogio para um escrito sem importância e sem merecimento. Longe de assemelhar-se a essas obras doutrinais que têm um grande alcance, não é mais do que um tecido de citações onde o coração dos santos e dos doutores está aberto para que a alma atribulada tire daqui as consolações de que tem necessidade. Contudo, seria necessário atrair a atenção dos homens para uma coisa em si tão simples e tão evidente? Eis o que a este respeito nos dizem pessoas de autoridade indiscutível: – Monsenhor Dupanloup, Bispo de Orleans: “Desde há muito tempo que fazia votos para que uma tal obra saísse a público”. – Monsenhor Filion, Bispo de Mans: “Li com vivo interesse o opúsculo – No Céu nos Reconheceremos. As verdades que com tanta felicidade exprimistes, servindo-vos da linguagem da Escritura e dos Santos Padres, são mui necessárias a todos durante o exílio da vida presente; e é isso o que poderosamente concorrerá para que o seu livro tenha uma grande extração. Faço sinceros votos para que assim aconteça”. Um veterano do Sacerdócio, um dos padres mais experimentados que possuía a Alsácia, M. F. Muhe, dizia-nos: “0 seu livro é um bálsamo para a alma aflita pela perda de seus parentes. Ai! e quantas vezes no nosso santo ministério não temos nós ocasião de difundir este bálsamo! Fez, pois, um grande serviço, com a edição deste excelente pequeno tratado, não só aos fieis, mas ainda a todos os padres encarregados da direção das almas. Além disso, esta matéria é mui raras vezes tratada nas mesmas obras teológicas. Portanto, exerceu por este motivo uma boa obra de misericórdia – consolar os aflitos”.
Monsenhor Pie, Bispo de Poitiers, escrevia-nos: “O seu pequeno livro – No Céu nos Reconheceremos – é uma verdadeira pérola engastada em textos seletos dos Padres da Igreja. Li-o com fruto e consolação, e regozijo-me com a esperança do grande alívio que levará a certas almas faltas de doutrina sobre este ponto, ou que facilmente se têm deixado impressionar pelos ditos dalguns pseudo-teólogos que se crêem sempre mais próximos da verdade, quando se mostram mais severos. Obriga-do, pois, meu querido Padre, por todo o bem que há de fazer este pequeno volume”. Sua Exa. não se contentou só com esta aprovação. O “Courrier”, jornal de Viena, de 6 de Novembro de 1862, terminava assim um longo artigo sobre o nosso livro: “Acrescentarei como o mais belo elogio, que, em sua eloqüente homilia da festa de Todos os Santos, Sua Exa. aconselhou a todos a leitura e a meditação destas páginas consoladoras, ditadas pela fé e pelo coração. A obra do R. P. Blot, efetivamente, tem um lugar distinto em todas as bibliotecas cristãs e sobre a mesa de todas as famílias piedosas que conservam fielmente o culto e a memória de seus membros falecidos”. 0 padre Gratry escrevia-nos rapidamente as seguintes linhas: “Li o seu livro. Propaguei-o por dezenas, e tenho-o feito propagar. Li-o com avidez, tão ligeiramente que talvez mesmo omitisse algumas páginas, mas tornei-o a ler. A idéia que teve não podia ser mais feliz. Fez absoluta justiça, uma vez para sempre, duma verdadeira perversão jansenista acerca da idéia da vida futura. Edificou-me e instruiu-me plenamente sobre este ponto. Ignorava, confesso-o, quanto a sua tese é teológica e incontestável em presença de tantas autoridades. Tinha a firme convicção, mas não a ciência teológica desta verdade. Agradeço-lhe vivamente, meu bom Padre, por ma haverdes dado. Agradeço-lhe o bem que tendes feito e fareis a milhares de almas, a quem muitas vezes o próprio diretor espiritual, como dizeis, hesita em consolar sob este ponto de vista. Não se hesitará mais”. Poderiam ainda outras causas tornar oportuno o nosso trabalho? Monsenhor Darboy, Arcebispo de Paris, dignou-se escrever-nos depois de ter lido os opúsculos – No Céu nos Reconheceremos e as Auxiliadoras do Purgatório: “Quero unir o meu voto às felicitações, que lhe atrairão de todas as partes estes livros cheios de doutrina e de piedade. Há muitos motivos de abrir diante de nossos contemporâneos os horizontes da outra vida, e de premuni-los contra as ilusões e atrativos desta. Olho, pois, como oportunas e mui úteis estas curtas, mas substanciosas páginas, onde excitais a piedosa compaixão dos vivos a favor dos mortos, e reanimais nos corações o desejo do Céu. É para mim um dever, assim como uma satisfação, aplaudir o merecimento do seu trabalho e animar os seus estudos. Suplico a Deus que lhe aplique as suas melhores graças e o gênero de triunfo que lhe é mais caro, quero dizer, à edificação das almas”.
Mas conviria tratar um objeto tão mavioso em presença duma geração a quem o trovão da divina vingança e os estilhaços do raio dificilmente despertam do seu letargo? Monsenhor Malou, Bispo de Burges, respondendo a um amigo, escrevia-lhe: “Acabo de ler o opúsculo No Céu nos Reconheceremos. Pergunta-me o que penso a seu respeito. Todas as obras que tratam do Céu, da sua felicidade, da sua eternidade, etc., causam-me muito prazer, porque são estas que em nossos dias pro-duzem nas almas o maior bem. Outrora recolhiam-se maiores frutos, ao que parece, falando da Morte, do Juízo e do Inferno. O temor tinha então mais poder do que o amor. Hoje o amor é mais poderoso para converter os corações. É, pois, o amor que convém inspirar, não só para firmar os justos, mas também para converter os pecadores. O objeto de que trata este livro é cheio de interesse. Responde a uma pergunta que as pessoas piedosas nos dirigem repetidas vezes: ‘Reconhecer-nos-emos no Céu?’ Sim, certamente, reconhecer-se-ão reciprocamente as almas e se amarão, e este amor fará parte da felicidade acidental do Céu. Segundo a minha opinião, o autor é exato e nada exagera. Se tem algum defeito, é, talvez, o de não ter esgotado o assunto de que se propôs tratar.” O autor diz que o sábio prelado entra, depois disto, em considerações que lhe teriam sido dum grande auxílio se quisesse tratar este assunto debaixo doutro ponto de vista e com mais extensão; mas que, por uma parte, pessoas muito autorizadas o aconselharam a conservar neste opúsculo a sua primitiva filosofia; e que, por outra, a nobre senhora, a quem foram dirigidas estas cartas de consolação, tinha rendido naquela ocasião a sua bela alma a Deus, e que por isso lhe não era permitido acrescentar novas cartas às antigas, mas que unicamente lhe parecera conveniente completar estas, porque junto às orações que vão no fim deste opúsculo, lhe aumentarão muito interesse. Em seguida, discorre sobre as considerações de Monsenhor Malou, e diz por conclusão, que quase todas estas provas se acham melhor desenhadas, mais claramente enunciadas, e têm ao mesmo tempo mais desenvolvimento e precisão nas seguintes páginas do mesmo ilustre prelado: “A sociedade dos santos, me dizia eu, constitui a Jerusalém Celeste, a Santa Sião, a cidade de Deus. Mas uma cidade tem os seus magistrados e seus príncipes, assim como os seus cidadãos. Supõem, entre as pessoas que a compõem, relações de superioridade e de subordinação na ordem moral, relações que não podem existir sem mútuo conhecimento”.
“A sociedade dos santos é a família de Deus; família espiritual, transportada da Terra ao Céu, família de que Maria é ainda Mãe e distingue seus filhos muito amados. Ora, pode conceber-se uma família cujos membros não se conheçam entre si?
Poderá acontecer que os filhos conheçam seu pai e sua mãe, sem que os irmãos e as irmãs tenham relações fraternais?” “A sociedade dos santos forma uma hierarquia celeste, à imitação da dos anjos, se todavia se não confunde”. Ora, nós sabemos que os anjos se conhecem entre si, visto que as ordens superiores iluminam as inferiores, e que todos se auxiliam mutuamente em louvar, bendizer e adorar o Deus três vezes santo. Os bem-aventurados obrarão da mesma forma, e visto que os santos anjos os conhecerão como substitutos dos anjos caídos, eles também conhecerão os anjos, e se conhecerão reciprocamente. “Além disto, não é a Igreja Militante uma, ainda que imperfeita, imagem da Igreja Triunfante? Sendo assim, como é na realidade, a Igreja Triunfante conservará, pois, em seu seio o selo – permita-se-nos a expressão – da Igreja Militante. Quero dizer que a ordem e harmonia que reinam cá na terra entre os filhos de Deus, a fim de se prepararem para a felicidade do Céu, passarão com eles à habitação dos escolhidos. Assim, os pastores se encontrarão no Céu à frente dos seus rebanhos; os bispos à frente dos fieis das suas dioceses; os Soberanos Pontífices à frente de toda a Igreja Católica; os Patriarcas das Ordens Religiosas à frente de suas famílias espirituais e de todos aqueles que seguiram a sua regra, trouxeram o seu hábito e imitaram o seu exemplo. Mas esta ordem e esta harmonia repousam sobre o conhecimento recíproco das pessoas, e sobre as relações da ordem moral que, sem conhecimento recíproco, são impossíveis. A mesma natureza da bem-aventurança celeste fornece, a este respeito, provas irrefutáveis. Esta bem-aventurança repousa completamente sobre a visão beatífica, isto é, sobre a vista intelectual da Divindade. E que é a vista intelectual senão o conhecimento e a ação do espírito? O desenvolvimento e a ação da inteligência será, pois, de alguma sorte, a medida da felicidade do Céu. A felicidade resulta, é verdade, do amor; mas este é necessariamente proporcionado ao conhecimento que se tiver do objeto da sua felicidade. Não se ama o que se ignora, e ama-se infinitamente o que se conhece como infinitamente amável. A inteligência é, pois, a faculdade pela qual os bem-aventurados apreendem e se apossam da felicidade; e poderia supor-se nos escolhidos uma completa ignorância de tudo o que os rodeia e interessa no mais alto grau?
Poder-se-á crer que gozem do conhecimento da essência de Deus, e que nesta essência não contemplem os gozos que dela tiram os outros bem-aventurados? Isto é inteiramente impossível. O poder que adquiriu o seu espírito para contemplar a Divindade, origem de toda a felicidade, auxilia-os poderosamente a conhecer aqueles a quem a essência divina beatifica e enche de felicidade. Não gozam somente do raio de luz que os põe em contato com a Divindade, mas também do oceano de claridade que os inunda e põe em relação com todas as felicidades do Céu. “Ainda que a felicidade essencial dos escolhidos consista na visão e posse da essência divina, todavia sua bem-aventurança completa-se e acaba-se, se assim posso falar, pelo conhecimento que adquirem da felicidade dos amigos de Deus”. No Céu, como na Terra, Deus recebe não somente homenagens isoladas, mas também coletivos louvores de todos os seus filhos reunidos. Demais, por que no Céu estas auréolas ou sinais particulares de virtude e de glória? Por que trarão os mártires, as virgens, os confessores, os doutores, etc., um sinal distintivo no meio da luz comum, senão para serem mais facilmente reconhecidos e glorificados por seus irmãos? Certamente não é para atrair a vista da Divindade ou dos anjos, que estes selos particulares de merecimento e de glória são necessários, mas sim para atrair a vista dos outros escolhidos. Os bem-aventurados reconhecerão, pois, e distinguirão os mártires dos confessores e das virgens; e, reconhecendo inteiramente seus merecimentos, reconhecerão também suas pessoas. Há, pois, entre os bem-aventurados uma série de mútuas relações de admiração, de felicitações, de aplausos e de reconhecimento, que supõe um conhecimento pessoal, claro e direto. Ainda mais: cremos na ressurreição dos corpos. Isto não é rigorosamente necessário para que os escolhidos se reconheçam entre si. As almas despojadas de seus corpos revestem formas intelectuais que as inteligências desembaraçadas da carne podem perceber, distinguir e conhecer. Todavia, é certo que a reunião do corpo à alma, que reconstitui a individualidade terrestre quebrada pela morte, é um meio poderoso de distinguir os escolhidos uns dos outros. E ainda que a ressurreição da carne tenha outros fins sublimes, que é inútil enumerar aqui, é permitido crer que ela contribuirá também, por sua parte, para facilitar aos bem-aventurados o conhecimento que possuírem de seus parentes, de seus amigos e benfeitores. Sob este ponto de vista, o dogma da invocação dos santos também nos fornece luzes.O apóstolo S. Pedro, escreveu aos fiéis que tinha convertido, que depois da sua morte se lembraria deles. Estes fiéis tinham, pois, um direito mui particular de invocá-lo depois da sua morte. Este direito temo-lo nós também, de certo modo, a respeito de todos os santos, mas especialmente a respeito daqueles cujo nome temos, ou que, por um título qualquer, se tornaram nossos protetores particulares. Chegados ao Céu, os santos que conhecemos na Terra conhecem-nos ainda. Mas que digo eu? Os santos que reinam no Céu desde há séculos, os santos mártires que verteram o seu sangue na primeira idade da Igreja, muito tempo antes do nosso nascimento, conhecem-nos e amam-nos em Jesus Cristo. Nós os invocamos com bastante confiança e bom sucesso.
Ora, se os escolhidos nos não conhecem no Céu, é forçoso que estes bem-aventurados protetores que nos seguiram na terra, nos percam de vista quando lá subirmos, e deixem de se interessar pela nossa felicidade. Mas, isto é impossível. Longe de se quebrarem, quando subimos ao Céu, as cadeias de amor que nos unem aos santos; fortificam-se, pelo contrário, e estreitam-se ainda mais. A fé e a esperança deixam então de existir; mas a caridade permanece sempre. Os santos que nos conheciam na terra conhecem-nos quando chegamos ao Céu; e como esta prerrogativa é essencialmente comum a todos os escolhidos, todos estes se conhecem mutuamente por toda a eternidade. Enfim, se os bem-aventurados se não reconhecessem uns aos outros, que idéia se poderia fazer da felicidade do Céu? Seria necessário imaginar-se uma multidão de seres separados uns dos outros, sem ação nem relações recíprocas, imóveis, absorvidos numa contemplação imutável, e de alguma sorte materializada. O espírito e o coração dos escolhidos seriam absorvidos, concedo-o, no conhecimento e no amor da natureza divina, mas o seu todo não formaria nem uma sociedade de amigos, nem a família espiritual, nem a Cidade de Deus. O Céu não seria a habitação de delícias onde todas as faculdades da alma ra-cional têm uma ação própria, concorrendo para a felicidade desta alma e dos outros escolhidos; tornar-se-ia, permita-se-me a expressão, uma espécie de prisão celular, onde as almas, cativadas pela felicidade essencial da visão beatífica, não saberiam o que se passa em volta delas, e viveriam numa espécie de isolamento sem motivos. “Atenhamo-nos, pois, à imagem da sociedade dos santos, onde a caridade reina como soberana; à da família de Jesus e de Maria, cujos membros todos se conhecem e amam; à do Reino de Deus, onde tudo se passa com ordem e harmonia para maior felicidade de todos. Estas idéias, e algumas outras ainda, apresentaram-se ao meu espírito enquanto lia o opúsculo do R. P. Blot, donde concluo que é a ele que as devo. Agradeço-lhe mui sinceramente por mas ter sugerido, e reenvio-lhas como uma dívida de reconhecimento. Possa o seu excelente livro derramar o bálsamo da esperança cristã em muitas almas aflitas e, fazendo inteiramente sentir os laços espirituais que nos unem entre nós, unir-nos cada vez mais no Senhor! Depois do que acabo de dizer é inútil declarar que aprovo o livrinho e que desejo vê-lo espalhado pela minha diocese”. Nunca o nosso reconhecimento será demasiado para com a memória do venerando prelado que, apesar das dores duma cruel enfermidade a que devia em breve tempo sucumbir, se dignou escrever-nos de seu próprio punho uma tão longa e benévola carta. Ela permite-nos esperar que este humilde trabalho fará algum bem às almas, sobretudo àquelas que, não tendo uma fé assaz viva, murmuram contra a Providência por ocasião da perda dum ente querido, e são tentadas a abandonar as práticas da piedade cristã.
Esta esperança é nos dada ainda por Monsenhor Wicart, Bispo de Laval: “Li, diz ele, com muito prazer e fruto o seu livro – No Céu nos Reconheceremos. Continuai, meu bom Padre, a escrever obras tão piedosas e atraentes ao mesmo tempo; muitas pessoas vos deverão a felicidade de se resolverem a marchar com passo firme no caminho que conduz à pátria celeste, onde se tornarão a encontrar para viverem eternamente em Deus”. O sr. Hamon, pároco de S. Sulpício, escrevia-nos assim: “O seu agradável opúsculo é muito próprio para consolar tantas pobres almas aflitas, que, tendo gozado na terra a felicidade de amarem certas pessoas queridas, têm dificuldade em conceber que se possa ser feliz longe delas. Sem dúvida, Deus só, basta ao coração; mas a parte sensível da nossa alma tem repugnância de se elevar a esta verdade; e se o conhecimento que tivermos uns dos outros no Céu não aumentar a felicidade essencial no seio de Deus, a esperança deste conhecimento aumentará imensamente a nossa consolação nesta vida. É o fim que vos propusestes, e que haveis perfeitamente conseguido. O seu livro é, pois, uma boa obra, um verdadeiro ato de caridade que lhe agradeço pela minha parte”. O bem que produziu este opúsculo prova-se por cinqüenta mil exemplares em língua francesa, espalhados no espaço de quatro anos; pelas numerosas traduções feitas no estrangeiro; pelos novos opúsculos que suscita cada ano sobre o mesmo objeto, e por fatos que nos têm sido contados muitas vezes. Aqui é uma mulher do mundo, sem alguma piedade que, por ocasião da morte de seu único filho, recebe de uma de suas amigas estas cartas de consolação; percor-re-as e resolve-se a mudar de vida para estar segura de ir reunir-se no Céu ao pequeno anjo que a precedeu. Ali é um homem ainda jovem que, na morte imprevista de sua muito amada esposa, é tentado pelo desespero, mas encontra entre os livros da defunta o opúsculo – No Céu nos Reconheceremos. Lê-o com empenho, e sente-se inteiramente mudado. Vai confessar-se, comunga e marcha daí por diante sobre as pisadas de sua virtuosa esposa, na esperança de se lhe reunir para sempre junto de Deus. Acolá é uma filha cujo pai, à hora da morte, tinha dado todos os sinais exterio-res de impenitência. Ela olhava como inútil tudo quanto pudesse fazer em benefício de sua alma; mas lê o apêndice à terceira carta e toma a resolução de multiplicar as suas orações e sacrifícios por esta alma tão querida, até ao último instante da sua vida.
O bom resultado que tem obtido este modesto escrito foi uma doce consolação para a alma sensível que no-lo pediu, e que quis aliviar-se a si, aliviando os outros. Ela mesma nos escreveu: “Sou-lhe, por certo, devedora de muitas consolações e bons desejos. Tendes sempre a delicadeza de me dar parte dos bons resultados do livrinho - No Céu nos Reconheceremos. Agradeço-lhe de todo o meu coração. Quando penso que foram os meus suspiros e as minhas lágrimas que tiraram do seu coração esta excelente obra, não me canso de admirar a Providência que, dum grão de mostarda, formou uma árvore onde repousam as almas aflitas”. Ai! a morte levantou de novo a sua espada, por bastante tempo suspensa, e descarregou um terrível golpe, arrancando ainda a esta pobre mãe uma filha muito querida. Mas a graça deu-lhe alguma semelhança com Maria, por meio duma religiosa resignação: “Consagrei-me, diz ela, a esta boa Mãe no mais terrível momento da minha dor, e ela me auxiliou. Ainda que me não foi dado ficar de pé como ela junto da cruz, fiquei assentada, e não a tenho abandonado. Esta graça, foi ela que ma obteve”. Possam todas as mães, a quem a morte arrebata um filho, invocar e imitar assim aquela que viu crucificar seu Filho único! Possam todos aqueles que lerem este livro recorrer à Consoladora dos Aflitos, e ficar pelo menos assentados ao pé da Cruz, se junto dela não puderem permanecer de pé. A virtuosa viúva, cujas palavras há pouco citamos, assemelhava-se, desde há muitos anos, àquelas árvores fecundas e robustas que são abatidas, cortando-se uma após outra as suas raízes, e algumas vezes os seus principais ramos. Deus tirou-lhe, pouco a pouco, os ramos brotados da sua fecundidade; desprendeu-a da terra onde a retinham profundas raízes, preparando-a para cair sem muita dificuldade. Tempo antes, a sua queda, isto é, a sua morte teria mergulhado na dor a seu esposo e a seus numerosos filhos. Agora aqueles que a precederam no Céu vão regozijar-se, pois vêem que a morte só a inclina para a terra, a fim de apressar a sua reunião com eles na pátria celeste. Aqueles que ficam neste mundo, como estas tenras vergônteas que ela via crescer junto de si, vão adoçar, pelos testemunhos do seu amor, o momento da separação. Mas, antes de chamá-la a si, Deus reservava-lhe uma grande alegria. A 12 de Março de 1865, a Senhora *** assistiu, em Paris, à primeira missa do mais jovem de seus filhos, e recebia de suas mãos a Sagrada Comunhão. Deste modo tinha um ante-gosto da felicidade que gozarão os pais na glória, quando se virem com seus filhos assentados ao banquete do Senhor. Pela sua parte, o novo padre, por mais ocupado que estivesse de Deus e do Augusto Sacrifício, conservava em sua alma a viva lembrança de sua família, e não se esqueceu de sua mãe, orando pelos vivos, nem de seu pai, orando pelos mortos.
Quando desceu os degraus do altar para dar o Pão dos Anjos àquela que lhe havia dado o ser, distinguiu-a, sem dúvida, entre todas as outras pessoas queridas a quem ia administrar a Sagrada Eucaristia, e as pulsações de seu coração lhe fizeram sentir que, se é doce para um filho reconhecer sua mãe à mesa eucarística, será muito mais doce ainda reconhecê-la no eterno banquete dos Céus. Feliz, mil vezes feliz a mãe cristã que deixa depois da sua morte, para continuar o hino começado por ela à glória do Senhor, um filho sacerdote, ministro de Jesus Cristo, uma filha no claustro, esposa do mesmo Jesus Cristo, e um filho no século à frente de uma família onde se perpetua a fidelidade a Jesus Cristo, a dedicação à sua Igreja e a misericórdia para com os seus pobres! A Senhora *** teve esta rara felicidade, antes de adormecer no Senhor, a 4 de Março de 1866, tendo sessenta e nove anos de idade. Podem-se-lhe aplicar sem exageração nem lisonja, estas santas palavras: – Ela passou fazendo o bem (Act. X, 38); – A sua memória não se apagará jamais, e o seu nome passará de geração em geração (Eccles. XXXIX 1,3); – Os seus filhos se levantaram e a proclamaram bem-aventurada (Prov., XXXI, 28); – Regozijar-vos-eis em vossos filhos, porque eles serão abençoados e se reunirão todos junto do Senhor (Tob., XIII, 17); – Desprezei todas as vaidades do século por amor de Jesus Cristo que contemplei, que amei, em quem cri firmemente e a quem dei todo o meu coração (Brev. Rom. Commune non Virg., R. VIII).
Os restos mortais da Senhora *** foram depostos no mesmo túmulo em que seu marido e três de suas filhas a haviam precedido, e pareciam esperá-la, a fim de que seus ossos, aproximando-se sob a terra, fossem como que uma prova de que suas almas se tinham reunido no Céu; porque o desejo de ser sepultado junto de um parente ou de um amigo foi muitas vezes olhado como expressão de um outro desejo, de uma piedosa esperança: a de se reunirem um dia na pátria celeste, junto de Deus. Agora, quando o seu filho se prepara a fim de celebrar a Santa Missa e volta as folhas do missal, encontra muitas vezes diante dos olhos um título que faz estremecer o seu coração: Pro pater et mater – por meu pai e minha mãe. E que diz o padre nestas orações? Três vezes pede que reconheça seus pais na eterna bem-aventurança: “Ó Deus, que nos mandastes honrar nosso pai e nossa mãe, tende piedade das almas de meu pai e de minha mãe; perdoai-lhes os seus pecados; fazei que eu os veja no gozo da eterna claridade; reuni-me com eles na felicidade dos santos; e permiti que a vossa eterna graça aí me coroe com eles!”.
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