21 de maio de 2012

SEXTO DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA

A Redenção e a Igreja 

O Evangelho de hoje refere-se inteiramente à missão do Espírito Santo, que Jesus promete enviar aos Apóstolos, para conservar e vivificar a obra por Ele começada na Encarnação e concluída na Redenção.

A ação do Espírito Santo, de fato, é a continuação lógica, necessária, da obra da Salvação empreendida pelo Salvador.

Para compreender bem a lógica necessária, essencial, dessa sucessão, é preciso considerar um instante:

1o. O que é a Redenção.
2o. O que é a Igreja.

São as duas fases de uma obra única, sendo a Redenção a realização do grande ministério de salvação e a Igreja a depositária dos frutos deste mistério.

I. O que é a Redenção.

A grande obra de Jesus Cristo estava terminada.

Ele veio a este mundo para reabilitar, completar, estender e esclarecer as verdades ensinadas por Deus, desde a origem do mundo.

Não vim destruir, mas aperfeiçoar a lei (Math. V. 17).
Não vim perder, mas vim salvar as almas (Luc. IX. 56).

Tudo isto estava feito e do alto de seu patíbulo, onde o filho de Deus estava expirando, ele podia exclamar: Tudo está consumado! A salvação dos homens era uma obra concluída entre a misericórdia e a justiça de Deus.

Esta grande obra da Redenção, entretanto, era ainda um segredo, conhecido só pelas três Pessoas da Santíssima Trindade; a terra ignorava a sua salvação.

Esta salvação, para ser eficaz e real, exigiria, entretanto, a participação da terra ao mistério da Redenção.

O Tesouro infinito da Redenção era uma realidade; existia em Jesus Cristo, porém, precisava ser conhecido, promulgado e aplicado. O primeiro passo da Redenção estava dado; faltava o segundo, que é a sua aplicação, e sem este segundo passo, o primeiro ficaria em utilizado.

É uma outra obra divina, tão imensa quanto a primeira.

A verdadeira doutrina, a doutrina da cruz, deve penetrar em todos os espíritos, em todas as almas, em todos os países, em todos os séculos.

Como Jesus Cristo fará isto?
Como poderá Ele conservar a verdadeira doutrina no meio deste mar imenso das contradições humanas?
Quem conservará este depósito?
Como os homens poderão conhecê-Lo com evidência e certeza, na flutuação universal das idéias?

E não é somente aos contemporâneos da sua vida que Jesus Cristo deve transmitir a sua doutrina, mas através dos séculos, ela deve chegar aos homens do século dezenove como chegou aos homens dos primeiros séculos.

O mundo muda, os homens se sucedem, as idéias se suplantam, os conhecimentos se estendem e a doutrina de Jesus Cristo deve permanecer sempre a mesma.

Que dificuldade humanamente insuperável!

Se era preciso ser Deus para criar um mundo, ser Deus para resgatá-lo, é preciso ainda ser Deus para santificá-lo.

Cada uma das três Pessoas têm que realizar a sua obra; obra comum sem dúvida, pois é o único e mesmo Deus, porém, três obras distintas, em seu modo, em sua essência, embora uma única em seu objeto.

O Pai eterno manifestou o seu poder na criação;
O Filho manifestou a sua misericórdia na Redenção;
O Espírito Santo deve manifestar a salvação pela Igreja.

A Igreja é a medianeira entre nós e Jesus Cristo, como Jesus Cristo é medianeiro entre a Igreja e Deus.

Deste modo, a Igreja termina a nossa santificação em Deus, conforme a bela palavra de São Paulo: Tudo é de vós - vós sois de Jesus Cristo - e Jesus Cristo é de Deus.

Estas três fases da presença de Deus terão seus inimigos, devem tê-los, para que seja manifestada mais claramente a obra divina.

Os ateus não querem ver Deus na natureza;
Os deístas não querem ver Deus em Jesus Cristo;
Os hereges não querem ver Deus na igreja.

É a triste escala dos erros a respeito da criação, de Cristo e da Igreja - mas estes erros são permitidos por Deus para que com mais fulgor se manifeste a verdade.

Deus se manifesta em suas obras, em Jesus Cristo e na Igreja; em outros termos: é Deus na criação, na Redenção, na Igreja, a santificadora das almas.

Já vimos a obra da criação e da Redenção, vejamos agora a obra da santificação pela Igreja.

II. O que é a Igreja

A Igreja é a sociedade de todos os cristãos que professam a mesma fé e recebem os mesmos sacramentos sob a obediência dos legítimos pastores Unidos ao Santo Padre, o Papa.

O Papa é o legítimo sucessor de São Pedro.

É a Pedro que Jesus Cristo confiou a sua doutrina, o depósito sagrado, dando-lhe o tríplice poder de ensinar, de governar e de santificar.

Onde estava pois a Igreja?

Ela está na pessoa do sucessor de Pedro.
Ubi Petrus, ibi Ecclesia.

Em religião não é o número, nem a ciência que valem: é a instituição divina.

Pedro é o chefe, o mestre supremo, o Doutor infalível, encarregado de confirmar os seus irmãos.

Simão, Simão, lhe disse o divino Mestre, e só disse isto a Pedro, eis que Satanás vos reclamou com instância para vos joeirar como trigo; mas eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça e uma vez convertido confirma os teus  irmãos (Luc. XXII. 31 - 32).

Eis, pois, a Igreja instituída por Jesus Cristo; esta Igreja, hoje visivelmente espalhada no mundo inteiro, remonta sem interrupção, desde Pio XII, gloriosamente reinante, até Pedro e os onze Apóstolos dos quais era o chefe.

Essa primazia de Pedro e de seus sucessores até nossos dias é um fato histórico, o mais bem provado e o mais universalmente reconhecido.

No Gênesis lemos que, quando Deus quis criar um homem, tomou um pouco de limo e formou um corpo, e soprou nele a vida.

Na criação da Igreja, Jesus Cristo seguiu a mesma ordem: tomou a matéria, deu-lhe a forma adequada, sobrou nela a vida divina.

A matéria desta nova criação - a Igreja - foram os doze Apóstolos, isto é, o que havia de mais fraco, de mais ignorante, de mais pobre, de mais desprezível entre os homens.

Deus não têm precisão dos homens. Ele de nada precisa para fazer os maiores prodígios; porém, querendo servir-se dos homens, deve-se reconhecer que não podia esconder-se num véu mais transparente do que uma associação composta de elementos tão impotentes.

A fraqueza destes pobres pescadores feitos Apóstolos escondia a divindade e a manifestava ao mesmo tempo.

O que havia de humano neles escondia o Cristo; mas o que operava neles de divino manifestava o seu poder.

Quanto à forma que Jesus Cristo dá à sua Igreja, ela é clara, precisa, simples.

Ele escolhe 12 Apóstolos: fecit ut essent duodecim.

Entre estes, escolhe um, cujo nome Simão mudou em Kephas, Pedro ou pedra, ou rochedo (Kipho siríaco).

Sobre este rochedo, Jesus edifica a sua Igreja, e depois de ter dado a Pedro Rochedo as chaves do reino do céu e o poder de ligar e desligar na terra, Jesus Cristo o nomeou o chefe supremo da sua Igreja.

Apascenta as minhas ovelhas e os meus cordeiros. (Joan. XXI. 15)

E para que Pedro possa apascentar o rebanho, Jesus Cristo o faz infalível no ensino da doutrina: Pedro, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça, e uma vez convertido, confirma os teus irmãos.

Não desfalecer e confirmar, tal é a dupla prerrogativa de Pedro.

Tal é a forma própria da Igreja: Ela é constituída sobre Pedro - Pedro é infalível na doutrina, Ele é o pastor Universal para confirmar a todos na verdade.

Em terceiro lugar, o Cristo deve comunicar a vida divina à sua Igreja, pois ele a fundou como depositária da vida eterna.

Esta vida divina é o Espírito Santo, que Ele promete enviar após a sua morte.

Não vos deixarei órfãos: voltarei a vós - Eu roguei ao Pai e Ele vos dará um outro consolador, para que fique eternamente convosco: o Espírito da verdade... que habitará convosco e estará em vós. (Joan. XIV. 16, 17)

Uma última cena vai mostrar-nos o poder que este Espírito vivificador comunica aos Apóstolos.

Antes de subir ao céu, na hora mais solene da sua existência terrena, Jesus dirige-se a seus Apóstolos e, como despedida, dá-lhes esta ordem, que é a manifestação da vitalidade perpétua da Igreja:

Foi-me dado todo o poder no céu e na terra; ide pois ensinar todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei; e eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos. (Math. XXVII 18)

III. Conclusão

Eis como se completam, num prolongamento lógico, suave, a obra da redenção e da Igreja.

Jesus Cristo veio pessoalmente ensinar-nos a verdade, toda a verdade, mostrando-nos o caminho a seguir e os meios a empregar.

Foi a finalidade da sua existência terrena.

Porém, Ele devia voltar a seu Pai: a sua permanência física no meio dos homens era apenas de uns anos. Entretanto, Ele diz claramente que não nos deixará órfãos. É preciso, pois, que Ele mesmo, por assim dizer, se estenda, se prolongue através dos séculos, mudando apenas o modo da sua presença. É o que fez divinamente.

Sem falar da sua presença, sob as aparências eucarísticas, onde o modo físico é substituído pelo modo sacramental, Jesus Cristo prolongou a sua presença intelectual, doutrinal, na pessoa de Pedro e de seus sucessores, os Soberanos Pontífices.

O Santo Padre o Papa é a cabeça da Igreja.

Com esta cabeça Suprema, que é infalível como é infalível o Cristo que representa, que Jesus Cristo depositou o tesouro da sua doutrina, para que desta cabeça fosse se irradiando no corpo inteiro da Igreja.

A Igreja é, pois, a depositária, a tesoureira da doutrina de Salvação e por isso a sua existência é absolutamente necessária.

EXEMPLOS

1. O caminho da honra

Cinéas, ministro de Pyrrhus, tentou em vão corromper o Senador Fabrício,  e prestando contas de seus esforços a seu Mestre, disse: -  Príncipe, será mais fácil desviar o sol da sua carreira do que afastar Fabrício do caminho da honra!

É a imagem da Igreja, desde vinte séculos.

Ele segue o caminho da honra e não se afasta deste caminho, sob pretexto nenhum, porque é infalível.

2. O capitão de Assis

O comandante de Assis, em frente de um regimento de Auvergne, caiu numa emboscada preparada pelas tropas de Federico II.

Viu-se, de repente, cercado por vinte soldados, que apontavam o seu peito com a baioneta, dizendo: Se gritas, estás morto.

Por toda a resposta o Comandante lança um brado vigoroso: Soldados! Armas! Cai, trespassado de baionetas; porém o exército francês estava salvo.

A Igreja faz o mesmo; quando o inimigo das almas se aproxima, ela brada: Non licet, disposta a morrer antes que sacrificar a verdade. Ela não morre por que é imortal.

3. No meio da luta

Federico II, rei da Prússia, disse um dia aos que desejavam fazer guerra à Igreja.

- Vós não sabeis guerrear à Igreja; quereis persegui-la pelas armas, ou pelo sofisma. É o meio de preparar-lhe seus maiores triunfos.

Deixai-a no esquecimento e continuai a vossa marcha, como se não existisse.

Tinha razão; as páginas mais belas da história da Igreja são as que foram escritas pelas perseguições e o martírio.

4. Palavra de Lacordaire

Quando alguém não acredita firmemente na Igreja, ele acreditará no primeiro que se apresentar e que superar a este alguém em ciência ou talento!

(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 210 - 218)

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