CAPÍTULO X 
Três amplos caminhos que conduzem ao inferno: a desonestidade, o sacrilégio e a blasfêmia.
Todos os pecados mortais são caminhos que vão dar no abismo eterno; há, 
porém, alguns que fazem mais estragos e causa a morte a um maior número 
de almas. O pecado de desonestidade é talvez o que mais povoa o inferno,
 porque é um pecado muito grave, fácil de cometer, pela corrupção de 
nossa natureza, e depois difícil de abandonar.
Santo Agostinho diz que a soberba povoou o inferno de anjos e a 
desonestidade o enche de homens. E Santo Afonso não receia afirmar que 
todos os cristãos que se condenam, se condenam pela impureza, ou, pelo 
menos, não sem ela. Ai do jovem que chega os seus lábio a este cálice 
que ele os pedira a Deus para fazer com merecimento o purgatório nesta 
vida. No auge da dor, todo encolhido pela contração dos nervos, dizia; –
 “Dói muito, mas não é fogo, não é fogo”. Crescia a tortura e aumentava a
 dor, “mas não era fogo”; à contração dos nervos juntava-se a gota, “mas
 ainda não era fogo”. Por estar de cama dez anos seguidos, dolorosas 
chagas cobriam-lhe o corpo aumentando o seu sofrimento, contudo ele 
repetia sempre: – “não é fogo, não é fogo, e acabará”. E assim se 
animava a suportar tudo com paciência por amor de Deus.
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* *
Um santo solitário, assaltado por violenta tentação, temendo ser 
vencido, acendeu o lume e para se compenetrar vivamente do pensamento do
 inferno, pôs os dedos na chama e os deixou queimar, dizendo de si para 
consigo: – Uma vez que tu queres pecar e merecer o inferno que será o 
castigo de teu pecado, experimenta antes se és capaz de suportar o 
tormento de um fogo eterno.
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* *
Um rico dissoluto, ainda que pelos seus inúmeros pecados vivesse em 
contínuo temor do inferno, todavia não tinha coragem de romper com os 
seus maus hábitos e de penitenciar-se. Recorreu, pois, a Santa Ludovina 
que então edificava o mundo com a sua paciência e lhe pediu que fizesse 
penitência por êle.
– De boa mente, respondeu a santa, oferecerei por vós os meus 
sofrimentos, com a condição, porém, que uma noite inteira vós conserveis
 na cama a mesa posição, sem vos moverdes de nenhum modo.
Aceitou facilmente a condição, mas passada apenas meia hora, sentiu 
enfado e já queria mover-se. Todavia não o fez; aumentando, porém, o 
mal-estar daquela posição que lhe ia parecendo insuportável, cedeu. 
Então uma impressão salutar se despertou no seu coração: – Se é tão 
molesto ficar imóvel num leito cômodo por uma noite, oh! o que não será 
ficar deitado num leito de fogo pelo espaço de uma eternidade? E terei 
ainda dúvida de me livrar desse suplício com um pouco de penitência?
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* *
No ano 285, duas matronas cristãs, Donvina e Teonila, foram levadas ao 
prefeito Lisias que as intimou a renegarem a fé e abraçarem o culto dos 
ídolos. Elas recusaram terminantemente. Então o prefeito mandou acender o
 fogo e erguer um altar dos ídolos.
– Escolhei, disse; ou queimar incenso aos nossos deuses, ou ser vós mesmas queimadas nesta fogueira.
As duas mártires responderam sem hesitar:
– Nós não tememos este fogo que daqui a pouco se apaga; tememos, sim, o 
fogo do inferno que não se apaga nunca. Para não cair no inferno é que 
detestamos os vossos ídolos e adoramos a Jesus Cristo.
E assim sofreram o martírio.
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* *
Tomaz Moor, o grande chanceler da Inglaterra, foi perseguido e ameaçado 
de morte por ter recusado um juramento iníquo exigido pelo ímpio rei 
Henrique VIII. Empregaram todos os meios para o seduzir, e, não valendo 
as promessas, recorreu-se à violência. Foi atirado à prisão para que definhasse. Os amigos o importunavam para ceder; a esposa o conjurava a 
dobrar-se à vontade do rei, e conservar assim a vida para o bem deles e 
dos filhos.
– Quantos anos, lhe disse ele, te parece que poderia ainda viver?
– Mais de vinte, respondeu ela.
Tornou o preso, mostrando-lhe severo semblante:
– Pois, por vinte anos e tanto queres que venda uma eternidade?
Ele foi, por isso condenado à morte. Este homem generoso, assim como 
tinha sabido viver entre as grandezas da côrte sem fausto, soube também 
morrer no patíbulo sem fraqueza. Antes de ser executado rezou o 
Miserére, e morrendo como forte ensinou a todos que é preciso salvar a 
alma, a todo custo, porque perdida a alma, tudo está perdido.
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Apresentou-se uma ocasião ao Papa Bento XI o embaixador de um grande 
soberano, pedindo em nome do rei um favor, mas de tal natureza que não 
se podia conceder lícitamente.
– Deus sabe, respondeu o Pontífice, como desejo ardentemente contentar o
 vosso imperador. E tão vivo é esse desejo, que se tivesse duas almas, 
sacrificaria de boamente uma para lhe conceder o favor que pede. Mas, 
dizei ao vosso soberano que tanto só uma alma, e absolutamente não 
posso, não devo, não quero perdê-la para agradar a êle.
Belas palavras, que todo cristão deveria ter sempre presentes à memória e pronta na boca para semelhantes circunstâncias!
*
* *
É célebre a invenção usada por um rei piíssimo para fazer pensar mais 
retamente a um cavalheiro de má vida. Convidou-o para uma soberba 
caçada. Imediatamente depois da caça um jogo de muitas horas. Acabando o
 jogo, convite para assistir a uma representação. O cortesão estava 
cansado; mas era convite do rei e precisava aceitar. Depois do teatro 
que durou quatro horas, uma embaixada anunciava uma sessão de músicos 
estrangeiros, e pedia ao cavalheiro quisesse honrá-la com a sua 
presença. O pobre homem murmurou: – Parece que o rei quer matar-me com 
tanta diversão; se vier mais um convite morro de verdade.
E o quinto convite veio mesmo; no salão da corte havia um baile e aí também o rei o esperava.
– Pobre de mim! ainda um baile? não posso mais ficar em pé!
E excusou-se com o rei:
– A bondade de Vossa Majestade me confunde. Mas, por amor de Deus, um 
pouco de descanso; dezoito horas ininterruptas de diversão…
– E vos parece muito? replicou ou rei. Não podeis então, aguentar 
dezoito horas de divertimento e aguentareis a longa eternidade de 
contínuos sofrimentos não variados, para os quais vos leva vossa vida?
*
* *
O Padre Cattaneo narra um fato para nos fazer compreender o medo que 
devemos ter de nossa sorte futura. E todavia de nós depende a escolha!
Maomé II, senhor dos turcos, aquele que anexou mais de duzentas cidades 
ao grande império de Constantinopla e invadiria a Itália se a morte lhe 
não frustrasse a realização dos planos, foi homem crudelíssimo e 
sanguinário; de uma feita, achando falta de um fruto no seu jardim, mandou reunir os criados para saber qual tinha sido o delinquente, e 
porque nenhum deles ousou confessar aquele pequeno furto, mandou abrir o
 ventre de todos para saber onde estava o corpo de delito; e foi 
providência de Deus ter-se encontrado o fruto depois de mortos três 
servos; senão, todos o outros seriam sacrificados.
Ora, êste bárbaro rei fez um parque de caça reservado para si, num lugar
 onde havia abundância de animais e aves; decretou pena de morte a quem 
ousasse caçar nesse parque.
– Para suceder no reino basta um; portanto, um se sacrifique para 
escarnamento de todos e o outro se conserve para segurança da coroa. Mas
 qual dos dois merece graça? O mais velho? Não! O menor? Não! Tirem a 
sorte.
Tirou-se a sorte fatal com um majestoso e tremendo aparato. Na grande 
sala da corte, achava-se o rei, sentado no trono, rodeado pelos vizires,
 agás e pachás; diante do trono duas mesinhas, uma fúnebre com o baraço,
 a outra coberta com uma rica toalha, onde se viam o turbante, o colar e
 a espada. Um taboeiro com os dados; aí foram conduzidos os príncipes 
para tirarem a sorte: quem obtivesse o menor ponto cingiria a espada e 
colar; quem obtivesse maior, daria o pescoço ao baraço.
Diante daquele aparato os dois jovens desmaiaram; depois, com o fritilo 
na mão, dirigiam tristes olhares para a corda e para a coroa; o coração 
de ambos batia tão forte que levantava as vestes sobre o peito, com 
afanosos e profundos suspiros, com ânsias de moribundos, por causa da 
escolha fatídica – a corda ou a coroa – que dependia de um ponto de jogo
 e do lançar de um dado.
Quem sente compaixão pela situação crítica em que se acharam esses 
pobres príncipes, dirija a compaixão sobre si mesmo, e diga: – “Na hora 
da morte, na mesma ou em pior situação me acharei eu. Duas infinitas 
eternidades terei diante de mim; numa verei cetros, coroas, riquezas, 
alegrias, prosperidades, tudo para sempre; noutra verei grilhões, 
infâmias, morte, e não passageiros, mas que duram sempre. E o que caberá
 em sorte?
De nós depende inteiramente a escolha: se vivermos bem teremos 
eternidade feliz, se ao contrário, levamos vida má, caber-nos-á o fogo 
eterno, e desespero eterno e todas as outras penas de que já falamos.
 
 
 
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