CAPÍTULO VI
Não voltou ninguém do outro mundo para nos dizer que existe a
eternidade. Não há tal. Se consultardes a História, vereis como
frequentes vezes Deus permitiu, em todos os tempos viesse alguém
dizer-nos da existência das verdades que Ele revelou. Muito de indústria
esses doutores da impiedade omitem o estudo dos fatos; e depois
sentenciam do alto de suas cátedras que nunca ninguém levantou a cabeça
da sepultura para nos dizer que existe algo depois da morte.
A história da Igreja na Polônia registra um fato importantíssimo,
sucedido em 1070, com Santo Estanislau, bispo de Cracóvia. Trata-se duma
prodigiosa ressurreição, perante muita gente, numeroso clero e
magistrados.
Boleslau, rei ímpio e cruel, movera contra o santo bispo Estanislau uma
feroz perseguição; entre outras coisas, acirrou de ódio contra o Bispo
os herdeiros de um Pedro Miles, que tinha morrido três anos antes,
deixando para a Igreja uma de suas terras. Os herdeiros, certos do apoio
do rei, processaram o santo, e tendo subornado ou intimidado as
testemunhas, conseguiram que Estanislau fosse condenado à restituição do
terreno.
O santo, vendo que falhava a justiça dos homens, apelou confiantemente
para a de Deus e conseguiu suspender a condenação, prometeu chamaria
como testemunha o próprio testador que jazia havia três anos na
sepultura. Com efeito, depois de três dias de jejum e orações, o santo
Bispo se dirige com todo o clero à sepultura de Pedro Miles.
Aberto o túmulo, encontraram, como se previa, poucos ossos num monte de pó, e já os adversários se alegravam, certos da vitória.
Mas o santo com voz majestosa ordena ao cadáver que ressuscite, em nome
d'Aquele que é ressurreição e vida; e num pronto aqueles ossos se
aproximam, cobrem-se de carne, na presença de uma imensa multidão
possuída de grande terror.
O Bispo tomou-o pela mão e o levou diante de Boleslau para certificar a
verdade da doação feita, confundindo destarte o rei e os herdeiros.
Perguntou-lhe depois se preferia voltar à sepultura ou viver ainda
alguns anos na terra; ele respondeu que, conquanto pelos seus inúmeros
pecados estivesse no purgatório, onde sofria muito, preferia tornar a
morrer do que ficar nesta terra tão miserável em que poderia sempre
ocorrer o perigo de se condenar eternamente.
Suplicando as orações do santo bispo para se libertar logo do
purgatório, foi levado processionalmente ao seu sepulcro, aí entrou e
ficou no estado de antes.
*
* *
Na vida de S. Bruno, fundador dos Cartuxos, lê-se a ressurreição
momentânea de uma personagem respeitável para atestar diante de muita
gente a própria condenação. Paris e toda a França ficaram horrorizados
com esse acontecimento; foi, então, que Bruno temendo os juízos divinos
retirou-se para a Cartuxa a fim de lavar vida austerríssima.
Morreu Raimundo Diocres, doutor de Sorbona, homem conceituadíssimo pela
sua vasta ciência, não menos por uma aparência de virtude. Depois de
três dias, o seu corpo, revestido das insígnias doutorais, foi
transportado solenemente para ser sepultado; acompanhavam-no o colégio
dos professores, grande número de estudantes e maioria de clero.
As exéquias celebraram-se na catedral, revestida de luto, entre luzes e
muitas inscrições que lembravam a insigne ciência e as virtudes do
ilustre extinto. Mas quando o coro dos cantores chegou àquele trecho do
ofício: Responde mihi: quantas habeo iniquitates et peccata; scélera mea
et delicta ostende mihi; onde o santo Job roga a Deus lhe faça conhecer
as suas culpas, o cadáver levantou a cabeça e féretro e com voz
lastimosa exclamou: Por justo juízo de Deus sou acusado: dito isto,
tornou a repousar a cabeça, como dantes.
Apoderou-se dos assistentes um terror geral, e resolveram deixar para o
outro dia os funerais. Neste dia foi muito maior a concorrência;
recomeçou-se o ofício, e ao chegar às mesmas palavras, tornou o cadáver a
erguer a cabeça e a exclamar com voz esforçada e mais lastimosa: Por
justo juízo de Deus estou julgado.
Subiu de ponto o pasmo e o espanto. Resolveram diferir a inumação para o
terceiro dia. Nesta foi imenso o concurso; deu-se princípio ao ofício,
como nos precedentes; quando se cantavam as mesmas palavras, levantou o
defunto a cabeça, e em voz horrível e espantosa exclamou: Não careço de
orações; por justo juízo de Deus estou condenado ao fogo eterno.
É fácil compreender a impressão que faria nos ânimos um acontecimento
tão extraordinário. Achava-se Bruno presente a este espetáculo; tão
fortemente se emocionou com ele que, retirando-se horrorizado, resolveu
deixar quanto tinha e enterrar-se em algum espantoso deserto para ali
passar a vida entregue unicamente aos rigores da mortificação e da
penitência. Parecia necessário um sucesso tão trágico para uma resolução
tão generosa.
*
* *
O nosso século foi também fecundo de aparições de além-túmulo e já
narramos algumas. A que vamos agora narrar com as palavras de Monsenhor
Ségur, foi confirmada por um sinal deixado numa porta, sinal esse que
até ora se conserva religiosamente. Quem não crê, pode ir ao lugar onde o
fato se deu e interrogar as testemunhas oculares que ainda vivem.
(*Aqui e em outros lugares o Autor fala de testemunhas ainda vivas, as
quais podem ser consultadas: é bom notar que o Servo de Deus André
Beltrami viveu no século XIX e o presente opúsculo foi escrito em 1897).
Parece que Deus na sua bondade, como crescer da incredulidade e da
libertinagem, aumenta os testemunhos das verdades terríveis do juízo e
do inferno, para confirmar na fé os cristãos e preservá-los da
impiedade.
A 4 de novembro de 1859, morreu de apoplexia fulminante no convento da
Franciscanas de Foligno uma boa irmã, chamada Teresa Gestas, que por
muitos anos fora mestra das noviças e ao mesmo tempo encarregada de
superintender à pobre rouparia do convento. Nascera na Córsega em 1797 e
entrara na Ordem em fevereiro de 1826; fora supérfluo dizer que estava
convenientemente preparada para a morte.
Doze dias depois, precisamente aos 16 de novembro, uma irmã, de nome Ana
Felicidade, que a substituiria no cargo, subiu à rouparia e estava para
entrar quando ouviu gemidos que pareciam vir do interior do quarto. Um
tanto assustada, abriu a porta, ninguém! mas, ouviu novos gemidos e tão
distintos que apesar de sua coragem comum, a irmã ficou com medo.
“Jesus! Maria! Gritou ela, que é isso?”
Não acabou de falar quando ouviu uma voz que dizia: – “Ó meu Deus, quanto sofro!”
A irmã, atônita, reconheceu a vos da irmã Teresa.
Então o quarto se encheu de fumaça densa, e a sombra da irmã Teresa
apareceu em ato de se dirigir para a porta arrastando-se ao logo da
parede; e chagando à porta disse: – “Eis um sinal da misericórdia de
Deus”; e assim falando, tocou com a palma da mão a porta e a deixou
impressa em traço carbonizado; e desapareceu.
Irmã Ana Felicidade, toda nervosa, morrendo de medo, começou a gritar e
pedir socorro. Correu uma de suas irmãs de hábito, outra, depois toda a
comunidade; fizeram-lhe roda, incomodadas, com os gritos e com o
tresandar de madeira queimada. Irmã Ana contou o que tinha sucedido e
mostrou a forma da mão da irmã Teresa, que era bem pequena; então
aterrorizadas, mais que depressa foram a igreja para rezarem pela
defunta, e pela mesma intenção passaram a noite na oração e na
penitência, e na manhã seguinte receberam a Comunhão.
A notícia espalhou-se fora de casa e diversas comunidades religiosas daquela cidade uniram suas orações às das Franciscanas.
No dia seguinte, 18 de novembro, irmã Ana Felicidade, entrando na cela
para o repouso, ouviu que a chamavam pelo nome e reconheceu a voz de
irmã Teresa; viu então aparecer um globo de luz, iluminando o quarto
como se fora meio-dia, e ouviu distintamente a voz de irmã Teresa, que
jubilosa lhe falou: – “Morri numa sexta-feira, dia dedicado à paixão e
numa sexta-feira vou para a glória: sede forte no levar a vossa cruz,
sede corajosa no suportá-la; amai a pobreza; e com muito afeto ajuntou: –
“adeus! adeus! adeus!” Dito isto, transfigura-se em uma nuvem leve,
branca, deslumbrante, alteia-se para o céu e desaparece.
O bispo de Foligno e os magistrados da cidade procederam a um inquérito
canônico para averiguar o fato, e no dia 23 de novembro, na presença de
muitas testemunhas, aberto o túmulo de irmã Teresa reconheceram que o
sinal gravado com o fogo na porta era plenamente conforme a mão da
defunta. O resultado desse inquérito foi uma declaração oficial, a qual
atestava a certeza e a autenticidade do que referimos. A porta com o
sinal se conserva com veneração no convento para testemunhar a aparição.
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