CAPÍTULO IV
Horrendos suplícios do inferno
Nenhuma língua humana é capaz de exprimir os tormentos atrozes daquele
lugar de desespero. Como descrever aquele fogo medonho aceso pela ira de
Deus? os remorsos cruéis que dilaceram o mísero preceito? a eternidade
sem fim, com o terrível sempre e o terrível nunca?
Diz Santo Agostinho que o fogo da terra comparado com o do inferno,
parece um fogo pintado; e S. Vicente Ferrer diz que em confronto com
aquele, o nosso é frio.
Gastemos embora páginas e livros inteiros falando do inferno, acumulemos
males sobre males, sofrimentos sobre sofrimentos, desgraças sobre
desgraças, chamemos em nosso auxílio as fantasias fecundas dos poetas,
para idear penas atrozes, peçamos aos tiranos da História as torturas
que inventaram para seviciar as suas vítimas e, apesar de tudo isso,
chegaremos à conclusão de que infinitamente maiores são os suplícios do
inferno.
*
* *
Santa Tereza foi um dia arrebatada em êxtase e levada ao inferno para ver o seu lugar, caso não se emendasse de certo defeito.
Ela mesma conta em sua autobiografia:
“Estando um dia em oração, fui transportada, sem saber como, em corpo e
alma, ao inferno. Compreendi que Deus queria mostrar-me o lugar que
ocuparia, se não mudasse de vida. Não tenho palavras que possam dar uma
pequena ideia desse tormento incompreensível. Sentia em minha alma um
fogo que me devorava e o corpo sofria dores insuportáveis. Durante minha
vida passei por duros sofrimentos, mas, nem se comparavam com os que
tive naquela ocasião; e ainda esses subiam de ponto, ao pensar que
seriam eternos e sem o menor alívio. Mas, apesar de as torturas do corpo
serem atrozes, não tinham comparação com as agonias da alma. Ao mesmo
tempo, sentia-me queimar e partir em pedaços, sofria todas as angústias
da morte e os horrores do desespero.
Num raio de esperança e de consolação naquela moradia, aí se respira um
odor pestilencial, que sufoca; nem um raio de luz, mas tudo são trevas
da mais densa escuridão; contudo, oh! mistério, mesmo naquele escuro se
distingue o que de mais penoso há para a vista.
Em suma, tudo o que ouvi dizer ou li sobre as penas do inferno é
insignificante em confronto com a realidade; entre aquelas penas e estas
há a mesma diferença entre uma pessoa e o seu retrato. Ai! o fogo deste
mundo por mais ardente que seja, é como o fogo pintado, comparado com
aquele que atormenta os reprobos no inferno.
Há dez anos que tive esta visão, mas estou ainda agora tão espantada,
que, enquanto escrevo, o medo gela-me o sangue nas veias. Em meio às
provocações e dores que tenho, trago à mente esta visão e de aí tiro
força para tudo suportar”.
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* *
Vicente de Beauvais, no livro 25 de sua História, refere o seguinte fato, acontecido pleno ano 1000.
Dois libertinos fizeram uma combinação: o primeiro a morrer viria à
terra participar ao companheiro em que estado se achava. Morreu um
deles, e Deus permitiu aparecesse ao amigo: era horrendo, parecia sofrer
duramente e suava em bicas. Enxugou a fronte com a mão e deixou cair
uma gota de suor no braço do companheiro, dizendo-lhe:
– Eis qual é o suor do inferno; dele terás um vestígio até à morte.
E assim foi, pois aquele suor infernal queimou-lhe o braço, penetrando na carne com dores inauditas.
Bom para ele que soube aproveitar-se de tão terrível lição e retirou-se para o convento.
*
* *
Em 1873, Nova Iorque foi teatro de um incêndio, cujas circunstâncias apresentam a imagem do inferno.
O Circo Baunum foi assaltado pelo fogo; tigres, ursos, leões e outras
feras foram queimadas vivas nas suas jaulas. À medida que o fogo se
propagava, crescia o desespero das feras, sobretudo os tigres e ursos
tornavam-se cada vez mais furiosos. Atiraram-se com supremo esfôrço
contra as grades, já incandescentes, da prisão, e eram rechaçados quais
massas inertes, para de novo se arrojarem contra o insuportável
obstáculo que os aprisionava.
Os rugidos dos leões, os urros dos tigres e o aulidos das outras feras
se misturavam formando um som pavoroso, que parecia reproduzirem aquele
que devem ouvir os condenados no inferno.
Mas as notas deste tétrico concerto aos poucos foram-se enfraquecendo,
até que, quando o leão soltou o último urro, ao medonho alarido sucedeu o
silencio da morte.
Imaginemos, agora, nestas jaulas de ferro candente, não as feras, mas
homens; e homens que em vez de morrerem no fogo continuam a viver, e
teremos uma ideia do inferno, ideia, aliás, muito imperfeita.
*
* *
A história registrou, para perpétua execração, as truculências de alguns tiranos, que mais do que homens pareciam monstros.
Fálaris, tirano de Siracusa, confeccionou um touro de bronze para
prender dentro os rebeldes e fazê-los morrer a fogo lento, aceso ao
redor. Quem pode descrever os espasmos do supliciado? Gritava,
debatia-se naquelas estreitas paredes, que se tornavam candentes e
tormentos indescritíveis!… Todavia, essas penas terminavam; o condenado
terá suplícios infinitamente maiores e por toda a eternidade.
Nero mandava que se cobrissem os corpos dos cristãos com piche e outros
combustíveis, e depois, colocados nos postes, ao longo das alamedas,
eram acendidos à tarde, para iluminar, enquanto ele passeava no coche,
insultando-os barbaramente nos padecimentos.
Maxêncio amarrava as suas vítima a cadáveres, rosto com rosto, tronco
com tronco, membros com membros, e as deixava nesse horrível estado até
que o mau cheiro das carnes corrompidas lhes acabasse com a vida.
Astiáges, rei da Armênia, condenou S. Bartolomeu Apóstolo a ser esfolado vivo.
Não menos horrível o suplício a que foi submetido o diácono S. Lourenço.
Estenderam-no sobre uma grelha e por baixo espalharam brasas, de
maneira que aos poucos fosse sentindo os ardores e mais longa e
vivamente durasse o tormento. Cozida uma parte do corpo, voltaram-no do
outro lado, para que cada membro tivesse seu sofrimento; e assim neste
lento e atroz martírio, rendeu a alma a Deus.
São talvez esses os suplícios do inferno? Qual! apenas a sombra, uma pálida ideia.
*
* *
Fala-nos o Padre Nierenberg de um jovem que levava uma vida
aparentemente cristã, mas odiava a um inimigo; e conquanto frequentasse
os Sacramentos, nutria para com ele sentimentos de vingança, que Jesus
Cristo obrigava depor.
Morrendo, apareceu ao pai, todo envolvido em chamas, e disse-lhe que se
condenara por não ter perdoado ao seu inimigo, e chorando exclamou:
– Ah! se todas as estrelas do céu fossem como línguas de fogo, não traduziriam os tormentos que sofro.
*
* *
Os dois fatos seguintes se referem propriamente ao fogo do purgatório,
mas não vêem fora de propósito, já que os teólogos afirmam que o mesmo
fogo que atormenta os condenados no inferno, purifica também as santas
almas do purgatório, e que o purgatório é um inferno temporário.
Na vida de Frei Estanislau Chosca, dominicano polonês, lê-se que um dia,
quando estava rezando pelos finados, viu uma alma toda devorada pelas
chamas. Compreendeu que se tratava de uma alma do purgatório que
implorava sufrágios, e a interrogou se aquele fogo era mais penetrante
que o nosso.
– Ai de mim! respondeu a mísera, todo o fogo da terra, comparado com o do purgatório é como um sopro de ar fresquíssimo.
– Mas, isto é impossível! exclamou o frade. Desejaria mesmo
experimentar, com a condição de que isto aproveite para me fazer
descontar aqui uma parte das penas que terei de sofrer, um dia, no
purgatório.
– Nenhum mortal, replicou então aquela alma, poderia suportar-lhe a
mínima parte, sem morrer no mesmo instante, se Deus não o sustentasse.
Se queres converter-te, estende a tua mão.
O dominicano, em vez de intimidar-se ofereceu a mão: e o defunto deixou
cair sobre ela uma gota de suor. Estanislau desmaiou no mesmo instante,
soltando gritos agudos. Acudiram logo os frades assustados e o
encontraram desfalecido e com a mão chagada. Levado para cama e
medicado, recobrou os sentidos; mas não se levantou mais, sempre
atormentado por terríveis dores causadas pela chaga na mão; e morreu
depois de um ano, durante o qual não cessou de exortar os irmãos à
penitência para evitarem os rigores da justiça divina.
*
* *
A aparição que estou para referir é narrada na vida de S. Domingos,
escrita por Fernando de Castelha, e comprovada por um profundo sinal
deixado numa mesa.
Em Zamorra, cidade da província de Leão, na Espanha, vivia num convento
de Dominicanos um bom religioso, ligado em santa amizade com um
Franciscano, homem como ele, de grande virtude.
Um dia que se entretinha sobre coisas espirituais, prometeram
reciprocamente que o primeiro a morrer, se Deus lho permitisse,
apareceria ao outro, para informá-lo da sorte alcançada no outro mundo.
(*Julgo prudente observar que não convém fazer tais acordos; ou pelo
menos é preciso consultar o confessor.)
Morreu o Franciscano e, fiel à sua promessa, apareceu ao Dominicano,
quando este arrumava a mesa. Depois de tê-lo cumprimentado com
extraordinária benevolência disse-lhe que estava salvo, mas, tinha,
outrossim, ainda muito que sofrer por algumas pequenas faltas das quais
não se tinha arrependido bastante em vida. Em seguida ajuntou: – “Nada
existe sobre a terra, que possa dar uma ideia das minhas penas”. E para
que o Dominicano tivesse disto uma prova, estendeu a mão sobre a mesa do
refeitório, deixando na madeira a queimadura como se a mão fora um
ferro em brasa, tirado então da forja.
Imagine-se a comoção do Dominicano a este espetáculo!
A mesa guardou-se religiosamente em Zamora, até o fim do século XVIII,
no qual as revoluções políticas a fizeram desaparecer, como a outras
muitas relíquias piedosas de que era rica a Europa.
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Até agora temos falado das penas do sentido; e que dizer das penas do dano? Que dizer da privação de Deus?
A privação da vista de Deus é o que propriamente constitui o inferno.
Não fazem o inferno as trevas, o mau cheiro, o alarido, o fogo; a pena
que faz o inferno é a pena de ter perdido a Deus. Se Deus mostrasse a
face aos condenados, eles não sentiriam mais nenhuma dor, e o inferno
seria um paraíso.
Apenas a alma rompe os vínculos do corpo, sente imediatamente que foi
criada para Deus e se atira a Ele como uma flecha voa para sua meta,
como a agulha imantada livre do empecilho volta-se para o solo; mas,
estando manchada com o pecado, será repelida e precipitada no inferno.
Um caçador fez uma vez esta experiência: amarrou o seu galgo com uma
grande corrente, dentro do jardim murado, e depois soltou uma lebre.
Apenas a viu, o cão avançou para adentá-la, mas é impedido pela corrente. Que raiva, vê-la correr pelo jardim e não
poder apanhá-la! Ladra, gane, dana-se, morde a corrente para
despedaçá-la, atira-se contra o animalejo que foge dum lado para outro.
Fez tanto esfôrço que pouco depois caiu morto.
A alma tentará continuamente lançar-se para Deus, para o qual foi
criada, mas o pecado é aquela corrente que não a deixará sair das chamas
cruéis.
*
* *
Um virtuoso sacerdote, enquanto estava exorcizando um energúmeno,
perguntou ao demônio que penas sofria no inferno. A resposta foi esta:
– Um fogo eterno, uma maldição eterna, uma raiva eterna e um desespero cruel por não poder mais ver Aquele que me criou.
– Que farias para que te fosse concedido ver a Deus?
– Para vê-lo, mesmo por um instante, estaria pronto a sofrer num minuto
todas as penas que devo sofrer em dez mil anos… Mas, vãos desejos, hei
de sofrer sempre e não O tornarei mais a ver.
E foi tal o tormento e o desespero com que pronunciou estas palavras,
que deixou funda impressão naquelas que assistiam aos exorcismos.
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