CAPÍTULO VII
A vida futura é um programa insolúvel, um programa talvez invencível.
São as fórmulas estereotipadas que a impiedade põe na boca dos que
seguem a estrada do vício. No entanto, como se enganam! O problema da
vida futura foi plenamente resolvido pela revelação divina e não nos
deixa a menor dúvida. Não um homem sujeito a erros, mas o mesmo Deus nos deu a conhecer o que nos espera depois da morte, Deus, a verdade por essência, que não pode enganar-se, nem enganar.
Mas suponhamos por um instante que haja alguma dúvida, e que a
existência dos eternos suplícios seja tão somente provável; eu pergunto a
quem tem um pouquinho de juízo, se alguém apoiando-se num talvez, pode
expôr-se ao perigo de cair naquele fogo terrível. Não é verdadeira
loucura arriscar a salvação eterna? Não conviria até neste caso fazer
penitência para evitar o perigo provável de ser infeliz para sempre? Não
seria prudente o caminho mais seguro?
Dois incréus entraram um dia na cela dum anacoreta e vendo uns
instrumentos de penitência, perguntaram-lhe porque vivia assim tão
austeramente.
– Para merecer o paraíso, respondeu o anacoreta.
– Bom Padre, lhe disseram eles sorrindo, V. R. sairá logrado se depois da morte não houver mais nada.
E o santo homem olhando-os com ar de compaixão:
– Maior o logro de vossas senhorias, se depois da morte houver alguma coisa!
*
* *
Narra o Padre Schouppe, que um jovem, pertencente a uma família católica
da Holanda, por causa de leituras perigosas, teve a desgraça de perder o
tesouro da fé e cair em completa indiferença; pelo que seus pais, e
especialmente sua mãe, mulher de grande piedade, estavam tristíssimos.
Debalde lhe repetia, qual nova Mônica, as mais graves verdades da nossa
Fé, em vão o exortava com as lágrimas nos olhos a volta a Deus; ele se
torna surdo e insensível a tudo.
Mas, só para agradar a mãe, resolveu passar uns dias numa casa religiosa
para fazer retiro espiritual, ou, como ele mesmo dizia, retirar-se um
pouco para fumar mais sossegado. Ouvia muito distraidamente os sermões
que se faziam aos retirantes; logo depois ia fumar, pouco se importando
de meditar no que ouvira. Veio a meditação sobre o inferno, que parecia
ter ele ouvido como as outras, mas voltando para a cela, enquanto fumava
como de costume, surgiu-lhe na mente, mau grado seu, essa reflexão:
– “Se de fato existe evidentemente será para mim… e afinal de contas,
como sei que não existe? Devo confessar que não tenho nenhuma certeza a
esse respeito, que para estribar as minhas idéias não tenho senão um
talvez. Isso de expôr-se por um talvez ao perigo de sofrer por toda a
eternidade é mesmo uma extravagância sem limites; se há tais néscios,
não quero imitar.”
Dessas reflexões passa à oração; a graça penetra na sua alma, dissipam-se-lhe as dúvidas e levanta-se convertido.
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