CAPÍTULO VIII
Se eu for para o inferno não estarei só.
Não há dúvidas se tivesse a desgraça de cair no inferno (que Deus tal
não permita!), não ficarás sozinho. Terás a companhia de milhares e
milhões de outras almas desventuradas que trilharam o caminho do vício,
terás a companhia dos perseguidores da Igreja, dos hereges, dos
apóstatas, terás a companhia de Lúcifer e de uma turba imensa de
demônios. Mas esta miserável sociedade diminuirá talvez o sofrimento, ou
ao menos dar-te-á algum conforto? Como te enganas!
Na terra, quando somos golpeados pela infelicidade ou pela doença, é um
alívio saber que outros são visitados pela mesma desgraça: o seu exemplo
nos dá fôrça para tolerar com paciência os nossos males, e dizemos: –
“Coragem! há outros mais infelizes do que eu: a cruz é a companheira
inseparável da nossa peregrinação”.
Mas este alívio não o terão os condenados: uns serão de tormentos aos
outros, como os espinhos amontoados num grande feixe se ferem
mutuamente, como os tições numa enorme fornalha se acendem e se queimam
uns aos outros.
Diz S. Boaventura que os homens morreriam de medo se vissem a um
condenado com toda a sua hediondez. O que não será, então,
encontrarem-se juntos tantos réprobos que servirão de algozes uns aos
outros!
Lá se encontrarão misturadas a impureza, a intemperança, a blasfêmia, a
soberba, a injustiça e todos os pecados que são a corrupção das almas; a
toda essas imundícies morais, acrescentam-se o mau cheiro e os miasmas
dos corpos que serão como cadáveres em decomposição. E se tiveres tido a
desgraça de dar escândalo com o teu mau exemplo, ah! então essas almas
te rodearão como fúrias para te atormentar, exprobrando-te por toda a
eternidade a sua condenação, da qual tu foste a causa.
“Pai desnaturado, dirá o filho, tu me deste a vida, mas em vez de me
educares na virtude, me ensinaste o vício e a irreligião: sê maldito
para sempre. Por tua causa sofro nestas chamas. – Filho desgraçado, dirá
o pai, para te enriquecer e legar muito, traí a justiça; o amor
desordenado para contigo foi a causa de minha condenação. – Companheiro
traidor, dirá o amigo, tu me roubaste a inocência, ensinando-me a
malícia. Se te não tivesse conhecido, não estaria condenado.”
E assim dizendo se atirarão uns sobre os outros para se vingarem e
desabafarem a raiva que os devora.
E os demônios tomarão formas
horríveis para os atormentar e não lhes darão um instante de trégua.
Eis aí pra que servirá a companhia de muitos!
Se eu for para o inferno, não estarei só! dizes. Então, tu crês no
inferno, crês naquele fogo eterno, nos sofrimentos indizíveis, nos
remorsos cruéis, naquele sempre e naquele nunca terríveis, e queres ir
para lá só porque outros vão? Pode haver maior estultícia, demência mais
extravagante?
Irias para a cadeia, só porque outros estão encarcerados? Queres
adoecer, porque há muitos doentes?
Quem fala desse modo, certamente não
reflete no que diz. Condenar-se porque outros se condenam!
E então, porque não ir para o paraíso para gozar aquelas delícias
inefáveis que nenhum homem jamais experimentou, para contemplar aquelas
belezas que nenhum mortal jamais viu, para ouvir aquelas harmonias que
nenhuma criatura jamais ouviu? Também no paraíso não estaremos sozinhos.
Teremos a companhia de Deus e dos Anjos, de Maria SS. E dos Santos.
Se no inferno se sofrem todos os tormentos que a justiça de Deus
irritada soube inventar, no paraíso gozam-se tôdas as delícias que a sua
misericórdia pôde encontrar, ou melhor, é o mesmo Deus que se manifesta
aos eleitos para arrebatá-los num êxtase de louvor e admiração eterna.
Mas, para ir para o céu, é preciso deixar o pecado, praticar a virtude e
frequentar os santos sacramentos.
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