CAPÍTULO XII
O inferno é invenção dos padres
Nada mais falso. O inferno já existia antes que existissem os padres e
mesmo antes do primeiro homem, tendo sido criado pela eterna justiça
para os anjos rebeldes. Os sacerdotes outra coisa não fazem senão pregar
uma verdade terrível, ensinada por Deus na Sagrada Escritura e que se
acha em todas as religiões dos vários povos que passaram pela terra.
Precustrai o mundo, do álgido polo ao ardente equador, do oceano
Atlântico ao Pacífico; entrai nas florestas dos selvagens, interrogai as
tribos bárbaras e haveis de ver que todos admitem depois da morte um
lugar de castigo. Não estão de acordo sobre a natureza dos sofrimentos;
mas todos concordam em acreditar na existência do inferno.
Os gregos tinham o seu tártaro, no qual punham penas horríveis para os
maus. Os romanos chamavam inferno ou arco e Virgílio na Eneida descreve
com cores bem vivas os tormentos dos condenados, dizendo-os eternos. Os
egípcios criam firmemente na vida futura e no prêmio ou castigo eterno, e
dos mortos faziam um julgamento para ver se eram dignos da sepultura e
das honras fúnebres. Os hidús chamam o lugar dos réprobos Palatán e nos
livros sagrados dos Vedas se encontra uma longa descrição dos atrozes
tormentos a que serão submetidos os condenados. Os escandinavos e outros
povos setentrionais leem no Edda a existência do cárcere infernal. Os
hebreus o denominavam sheol ou geena, e o santo profeta Daniel, tomado
de espanto ao meditar naquelas chamas terríveis, rogava a Deus que o
livrasse do profundo abismo e não permitisse fechar-se sobre sua cabeça
aquele poço de fogo.
Os Missionários Salesianos encontraram esta crença nas pampas da
Patagônia e nas florestas da Terra do Fogo; e aqueles selvagens falavam
com pavor do castigo que receberão os maus. Maomé, o mais solene
impostor da História, gastou muitas laudas do Corão para descrever o
lugar dos tormentos acumulando todas as penas que uma fantasia oriental
pode imaginar. Zoroastro imprimiu também nos persas uma ideia terrível
da punição além tumba.
Deixo de citar outros povos, porque, do contrário, não acabaria mais.
Os padres, portanto, não inventaram esta crença, mas acharam-na bem
impressa em todos os povos e a encontraram ainda agora esculpida no
fundo da consciência humana, a qual brada que o pecado não passará sem
castigo, como a virtude não ficará sem prêmio.
*
* *
Outra extravagância que os “espíritos fortes” vão assoalhando é esta: “o inferno é coisa da Idade Média”.
Só mesmo quem perdeu o juízo fala desse modo. O que era verdade na Idade
Média o é também hoje e o será sempre, porque o tempo não pode destruir
a verdade. Os séculos não conseguem apagar aquelas chamas vorazes,
alimentadas, pela divina justiça e nas portas tenebrosas daquele cárcere
continuarão as terríveis palavras: sempre, nunca.
Deus tratará os homens do século XIX como os da Idade Média, premiando
os bons com o paraíso e castigando os maus com o fogo. A justiça eterna é
invariável e incorruptível e não muda com o correr dos tempos e das
opiniões do mundo.
Ouvindo falar a certas pessoas, parece que hoje em dia foram abolidos os
mandamentos de Deus e da Igreja, foram suprimidos os deveres
religiosos, soltou-se o freio às paixões e ao homem foi dada plena
liberdade de viver segundo os seus caprichos. Ilusões estultas, que se
pagam depois com uma eternidade infeliz! As leis de Deus e da Igreja
estão sempre em vigor, e todo cristão é obrigado a observá-las se quiser
ter uma sentença favorável no grande dia do juízo.
Os heróis dos bares e clubes, quando se veem apertados de toda a parte
por argumentos fortes e não podem mais negar a existência do inferno,
saem-se com um dislate sem igual: “O acostuma com tudo. Eu me
acostumarei no inferno.”
Falam assim para não se darem por vencidos e não abandonar a vida
dissoluta. Propriamente não têm dificuldade em admitir o cárcere eterno,
porque a razão prega a existência dele; o difícil e o repugnante para
eles é corrigirem os costumes, praticarem o bem, abandonarem os maus
hábitos e viverem como bons cristãos. E em vez de fazerem violência
sobre si mesmos, preferem perder-se para sempre.
De resto, se não são capazes de habituar-se a vencer as próprias
paixões, como se acostumarão com aquelas penas cruciantes? Quem, jamais,
pode acostumar-se com a dor que é contrária à natureza? Fomos feitos
para a felicidade e o coração foge sempre da desventura e é impossível
que se dê bem nos sofrimentos. E os santos respondem que os tormentos se
sucedem aos tormentos; e do mesmo modo que os bem-aventurados
compreensores experimentarão sempre novos gáudios, os infelizes
condenados sentirão sempre novos e mais terríveis tormentos.
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* *
Divulgou-se o provérbio que “o demo não é tão feito como o pintam”, e
costumam citá-lo para demonstrar que a fama e a opinião popular muitas
vezes são superiores à realidade das coisas, porque a fantasia sois
exagerar as dificuldades e as penas.
Mas, se aplicamos ao inferno esse adágio andamos em errados. Por mais
que procuremos calcar as cores e as tintas pintando as penas do demônio e
dos réprobos, estaremos sempre aquém da realidade e não chegaremos
nunca a exagerar. Um cadáver em decomposição não nos dá nem ideia de
como Satanás é sórdido, é horrível; e uma santa informou que, se ele
saísse da sua prisão tal mal é, faria morrer pela sua hediondes todos os
homens e animais.
No opúsculo citado da possessa de Briga lê-se que muitas vezes quando
invadida pelo demônio tinha o aspecto tão medonho que punha toda a
povoação em polvorosa. Dado o sinal de alarme, todos corriam para a
igreja para implorar misericórdia de Nosso Senhor.
Eis as palavras textuais. “A filha tornou-se furiosa e ameaçadora.
Horrível à vista, cabeleira desgrenhada e hirta como um penacho, olhos
de fogo, assobios nunca ouvidos e incessantes, hálito quentíssimo,
contrações de nervos, engrossamento muscular de fazer medo, sem um
membro que ficasse calmo. Nenhuma força era capaz de a dominar. Os mais
robustos são juncos flexíveis. Acorrem outros e o quarto fica cheio de
homens fortes e corajosos. Sete deles seguram-na ao mesmo tempo nos pés,
no pescoço, nos braços e na cintura; mas não resistem, porque à guisa
de turbilhão impetuoso vence a todos e os põe em fuga”.
Então o povo corre ao pároco para que a exorcize.
“Não há palavras suficientes para dar uma ideia do que viu e o medo que
teve entrando naquela casa. Todavia, confiando em Nosso Senhor, a quem
sempre tinha eficazmente invocado, entra e ordena: – „Olá! satanás, para
em nome de Deus‟. A essas palavras, Teresa como fulminada cai no
leito”.
Na manhã de 11 de maio 1849, desapareceu improvisadamente de casa e
durante todo o dia ouviram-se pelos ares lamentos, gritos, rumores
misteriosos. O povo pensando que aquilo fosse o fim do mundo se recolheu
na igreja para rezar.
À tarde, durante a Bênção do Santíssimo Sacramento, ouviu-se, sob um céu
sereno e estrelado, estrépito medonho como de um furacão que se
aproximava. A povoação se alarma; ecoam gritos prolongados e suspiros
dolorosos; e finalmente distinguem-se a voz da moça possessa no teto de
uma casa. À meia-noite pede auxílio para descer; e um destemido sobe uma
escada e a desce, sem a menor dificuldade, como se fosse um feixe de
palha. Estava fria petrificada, descalça, e tinha um bastãozinho na mão.
Homens fortes experimentaram tirar-lhe o bastão, mas não o conseguiram,
como se fosse de ferro os seus braços.
“Se, além disso, observas o seu rosto, és obrigado a desviar o teu
olhar; é o mesmo que ver um espectro, isto é, o demônio em forma humana.
De qualquer lado que se a observes ficas horrorizado: parece mesmo
satanás, horrível, ameaçador, feral. O olho, principalmente, sanguíneo e
irrequieto, sob imóvel e entreaberta pupila fere de modo cruel. O
inferno nela se esconde”.
Deitada no chão, ninguém mais ousava aproximar-se-lhe, quando, após
incessantes pedidos dos parentes, quatro homens mais fortes a suspendem e
a levam, como um tronco, para casa, onde o pároco exorcizando-a, fá-la
voltar a si e largar o bastão não sem grande resistência e agitações do
demônio.
*
* *
Todos esses fatos que narramos confirmam o dogma terrível revelado por
Deus da existência do inferno; e eu faço os melhores votos para que os
meus leitores o evitem e mereçam o Paraíso, para o qual o Senhor nos
criou. A. M. D. G.
Imprimatur Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Snr. Bispo de Niterói
D. José Pereira Alves. Niterói, 1.º de janeiro de 1945. Pe. Francisco
X. Lanna, SS.
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