18 de março de 2018

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora mártir


Parte 6/9

A tarde avança.
A multidão afasta-se do Calvário, como uma manada de feras depois de terem devorado a presa.
Quem se lembrará do cadáver do seu filho? Terá que ficar ali pregado na cruz a servir de pasto às aves e às feras? Não, a Mãe não sofrerá tal profanação. Ficará ali junto da cruz, dias e noites, como velou o sono de seu filho na casinha de Nazaré, ainda que desfaleça de cansaço, de frio e de tristeza.
A sua confiança em Deus sustenta-na.
O Eterno Pai, que velou pelo seu Filho e por ela na noite de Belém e nos dias angustiosos da fugida para o Egito, velará também por eles nesta tarde horrível de desamparo. Se até agora os discípulos foram covardes, nem todos se esqueceram completamente do Mestre. Dois deles, José de Arimateia e Nicodemus, conseguiram de Pilatos autorização para sepultar o cadáver. Se foram covardes para defenderem a Jesus, quando o prenderam e julgaram, depois de morto querem prestar-lhe esse tributo do seu amor. O Eterno Pai, que vela por seu Filho, moveu-lhes o coração.
Chegaram ao Calvário e com a alma magoada põem ao serviço da Mãe quanto podem. E ela, a Rainha e Senhora dos céus e da terra, aceita com infinito agradecimento esta esmola dos homens. Seu filho terá um sudário branco e limpo para ser amortalhado, terá perfumes e mirra e aloés para ser embalsamado; terá um sepulcro novo cavado na rocha viva onde será enterrado.
Árvore santa da cruz, inclina já esses ramos que se dobram com o fruto precioso que esta pendente deles. Braços duros da cruz, que tão asperamente tratastes essa vitima inocente, soltai esse corpo martirizado para que descanse nos braços carinhosos e macios de sua Mãe que o estão esperando.
Despregam o cadáver de Jesus, e colocam-no no regaço de sua Mãe. Ela recebe o sagrado corpo, relicário da divindade. Quantas vezes o teve em seus braços, porém que mudado esta! A sua imaginação quer dar vida aquele rosto desfigurado, aqueles membros inertes, aquele coração rasgado. Acaricia aquela fronte divina, e sente que esta ferida pelos espinhos. Pega naquelas mãos sagradas e vê-as atravessadas pelos cravos. Olha para aquele rosto que sempre lhe sorria e agora fica impassível, lívido, com a marca profunda que a dor gravou nele. Fixa o seu olhar naqueles olhos que eram para ela cheios de amor e ternura e vê-os imóveis, vítreos e apagados. Aproxima os seus lábios dos ouvidos do filho, e chama-o por aquele nome tão doce, que recebeu do céu: Jesus. E Jesus não responde. É a primeira vez que o filho obedientíssimo não obedece a voz de sua Mãe. Quer dar um beijo naquele rosto divino e encontra-o cheio de sangue. A Mãe chorosa beija o rosto ensanguentado do filho; e o sangue do filho, mistura-se as lágrimas da Mãe; e  lágrimas de sangue caem sobre a terra amaldiçoada por Deus para que fique santificada.
Em silêncio respeitoso contemplam a cena comovedora os discípulos de Jesus e as mulheres piedosas. Madalena chora abraçada aos pés do Mestre. 
Aí, aos pés de Jesus, refúgio das almas pecadoras, devemos ajoelhar também nós.
Maria, nossa Mãe, levanta o rosto, olha-nos com seus olhos turvados de lágrimas, e mostra-nos o cadáver de Jesus: "Olha, é o cadáver de teu irmão. Tu foste o Caim que mataste este Abel inocente. Os teus pecados crucificaram-no. Olha-o bem. Olha também os tormentos do meu coração e não voltes a pecar".

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