VI
E aqui abordamos um ponto como não se encontraria melhor para terminar esta conferência, e é a razão profunda dessa admirável disposição da Providência que determina que a obra da nossa santidade se elabore na fraqueza e nas provações.
Dizia S. Paulo: «É à graça que deveis a vossa salvação, e não às vossas próprias obras, para que ninguém se glorie de si mesmo».
Quem merece então todo o louvor? A quem devemos a glória da nossa santidade? A Jesus Cristo.
Ao expor o plano divino aos seus caros fiéis de Éfeso, o Apóstolo indica-lhes o fim supremo com estas palavras: Deus ordenou assim de antemão todas as coisas «para que fosse exaltada a munificência da Sua graça»: In laudem gloriae gratiae suae.
Foi «para manifestar aos olhos de todos as abundantes riquezas da Sua graça» que Deus nos predestinou a sermos co-herdeiros do Seu Filho: Ut ostenderet abundantes divitias gratiae suae in bonitate super nos in Christo Jesu.
Neste mundo, tudo devemos a Jesus, que, pelos Seus mistérios, nos mereceu todas as gracas de justificação, de perdão, de santificação de que temos necessidade; Jesus Cristo é o princípio da nossa perfeição. Como a cepa distribui a seiva nutritiva pelos ramos para os tornar frutíferos, assim Jesus Cristo derrama incessantemente a Sua graça por todos aqueles que Lhe estão unidos. É esta graça que anima os Apóstolos, ilumina os Doutores, sustenta os Mártires, torna constantes os Confessores, adorna as Virgens com a sua incomparável pureza.
No céu, toda a glória dos Santos procede igualmente desta mesma graça; todo o esplendor do seu triunfo se alimenta nesta fonte única; por estarem tintas do sangue do Cordeiro é que as vestes dos eleitos são tão resplandecentes; e o grau da sua santidade mede-se pelo grau de semelhança com o divino modelo.
Por isso, no princípio desta magnífica solenidade de Todos os Santos, em que se reúnem num só louvor todos os eleitos, a Igreja convida-nos a adorar Aquele que, sendo seu Senhor, «é ao mesmo tempo a sua corôa: "IPSE est corona sanctorum omnium».
No céu compreenderemos que todas as misericórdias de Deus têm o seu ponto de partida no Calvário; que o sangue de Jesus é o preço da infinita bem aventurança de que gozaremos para sempre. Não nos esqueçamos de que na Jerusalém celeste seremos inebriados de felicidade divina; mas a plenitude desta felicidade será paga a cada instante pelos méritos do sangue de Jesus Cristo. «A torrente de felicidade que inundará eternamente esta cidade de Deus», terá a sua fonte no sacrifício do nosso divino Pontífice. Será para nós uma alegria imensa reconhecê-la e cantá-la a Jesus: «É a Vós que tudo devemos; a Vós seja dada toda a honra, todo o louvor, toda a ação de graças»!
Como todos os eleitos, lançaremos aos Seus pés as nossas coroas para proclamar que d'Ele as recebemos.
É a este fim último que se dirige todo o mistério de Cristo, Verbo Incarnado. Deus quer que o Seu próprio Filho Jesus seja para sempre exaltado, porque é o Seu próprio e único Filho, objeto das Suas complacências; porque este Filho, sendo Deus como é, Se aniquilou para santificar o Seu corpo místico: Propter quod et Deus exaltavit illum.
Compenetremo-nos, pois, com profunda fé, destes pensamentos divinos. Quando comemoramos os Santos, exaltamos o poder da graça que os elevou a tais alturas; nada mais agradável a Deus, pois que com esses louvores nos unimos ao mais íntimo dos Seus desejos, que é glorificar o Filho: Clarificavi et iteram clarificabo. Procuremos também nós realizar, com o auxílio dessa mesma graça, o pensamento de Deus sobre cada um de nós.
É a esta conformidade perfeita que se reduz toda a santidade.
Em todas estas conferências me esforcei por vos mostrar até que ponto o Pai nos une ao Seu Filho Jesus; procurei colocar diante de vossos olhos o nosso divino modelo, ao mesmo tempo tão incomparável e tão acessível; vistes que Jesus Cristo viveu cada um desses mistérios para nós, que nos une de modo muito íntimo para que, pouco a pouco, reproduzamos em nós, sob a ação do Seu Espírito, os Seus traços inefáveis e para que nos assemelhemos a Ele segundo o decreto da nossa predestinação.
Não deixemos nunca de contemplar este modelo. Jesus Cristo é Deus aparecido vivo no meio de nós para nos mostrar o caminho e nos conduzir à vida. Porque Ele próprio disse que a vida eterna consiste em proclamar, por palavras e obras, que o Pai é o verdadeiro Deus e Ele Deus como o Pai, mas vindo ao mundo na nossa carne para reconduzir a humanidade para Deus.
Se, durante a nossa existência, seguirmos fielmente a Jesus, se, em cada ano, O contemplarmos com fé e amor, no ciclo dos Seus mistérios, procurando imitá-Lo e conservar-nos unidos a Ele, podemos estar certos de que a oração incessante que Ele, na Sua qualidade de único Mediador, dirige por nós ao Pai, será ouvida; pelo Seu Espírito, gravará em nossas almas a Sua imagem viva; o Pai reconhecer-nos-á, no último dia, como membros do Filho da Sua predileção e far-nos-á coherdeiros Seus.
Entraremos nessa sociedade que Jesus Cristo, nosso divino chefe, quis constituir pura e resplandecente. No dia do triunfo final, deve, segundo a expressão de S. Paulo, apresentar este reino ao Pai, como maravilhoso troféu da Sua graça omnipotente. Assim possamos todos nós juntar-nos neste reino para maior alegria das nossas almas e glória do nosso Pai dos céus!
In laudem gloriae gratiae suae.
VERBUM MANENS APUD PATREM,
VERITAS ET VITA,
INDUENS SE CARNE,
FACTUS EST VIA.
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