16 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II

Perguntar-me-eis: Como chegar a esta santidade tão agradável a Deus, tão gloriosa para Jesus e, para
as nossas almas, fonte inexaurível de eterna alegria, cuja imensidade não podemos imaginar? «Não foi dado ao coração humano, diz S. Paulo, descobrir a beatitude que Deus reservava para os que O amam ». Que caminho seguir para chegar a esse feliz estado em que a alma contemplará toda a Verdade e gozará da plenitude de todo o Bem?
Esta pergunta é de capital importância: mas, antes de lhe responder, quero indicar o carácter próprio da nossa santidade. Com efeito, não podemos escolher com toda a segurança o nosso caminho, sem primeiro termos reconhecido o fim a atingir; e se compreendermos bem o carácter que, no plano de Deus, deve revestir a nossa santidade, o caminho a seguir para lá chegarmos não terá segredos para nós .
Qual é então esse carácter? Qual a qualidade essencial que Deus reclama da nossa perfeição?
É ser sobrenatural.
Conheceis esta verdade, que longamente expliquei noutra parte; é, porém, tão vital, que não será sem
interesse voltarmos a ela por uns instantes.
Como vos tenho dito muitas vezes, a aurora das misericórdias divinas para conosco data da escolha
eterna que Deus, livre e amorosamente, fez de nós, para que fôssemos santos. Elegit nos . . . ante mundi consititutionem ut essemus sancti.
Consideremos por um momento esta eleição.
Sabemos que o Eterno Pai contemplou sempre e contempla incessantemente o Verbo, o Filho; n'Ele,
vê-se totalmente a si mesmo, com as Suas infinitas perfeições, pois este Verbo único exprime, numa linguagem divina, tudo o que Deus é. Os nossos pensamentos são finitos, limitados, mesquinhos, e, para os exprimirmos, temos de recorrer a uma grande variedade de palavras. Deus, com uma só palavra, exprime duma só vez o Seu pensamento que é infinito; compreende-se a si próprio no Verbo.
Para conhecermos cabalmente uma coisa, diz algures S. Tomás, devemos conhecer as múltiplas imitações de que essa coisa é susceptível. Deus, que se compreende perfeitamente a si próprio, vê no Verbo todos os diferentes modos por que as criaturas poderão refletir ou reproduzir as Suas perfeições. Deus não lançou as coisas no espaço ao acaso; não criou por virtude de uma força cega; Inteligência infinita, fez tudo segundo os planos concebidos na Sua eterna sabedoria. Ao contemplar o Verbo, Deus vê, com um único olhar, a multidão ilimitada dos seres possíveis, e, desde toda a eternidade, decidiu escolher, nessa multidão, criaturas que em si realizassem e manifestassem exteriormente, posto que em medida limitada, as infinitas perfeições do Verbo.
Na ordem atual da economia divina, Deus previu que o homem, a quem fizera rei da criação terrestre, se não conservaria à altura da sua eleição e se afastaria do plano traçado pelo Criador para o unir a si. A Sabedoria divina não foi tomada de improviso; para levantar o homem decaído, o Seu pensamento deteve-se, antes de mais nada, n'Aquele que S. Paulo chama o «Primogênito de toda a criatura» - Primogenítus omnis creature - o Verbo Incarnado.
O Pai contemplou o Verbo lncarnado; viu nesta Humanidade hipostaticamente unida à Divindade o resumo, a síntese cabal de toda a perfeição criada; revelou-nos no Tabor que este Homem-Deus era a obra-prima dos Seus pensamentos e «o objecto das Suas complacências»: Hic est Filius meus dilectus in quo mihi bene complacui.
Esta Humanidade de Cristo exprime exteriormente o Verbo divino, sob forma terrestre; foi escolhida. livremente, por amor.
Mas há mais. Deus quis dar ao Seu Cristo um cortejo: a «multidão inumerável» dos Santos. Os Santos são outras tantas reproduções do Verbo, sob uma forma menos perfeita. Cada um de nós encontra o seu ideal no Verbo; cada um de nós devia ser para Deus uma interpretação especial de um dos aspectos infinitos do Verbo. Por isso, cantamos de cada Santo: «Não se encontrou outro semelhante a ele»: Non est inventus similis illí. Não há dois Santos que interpretem e manifestem
Jesus Cristo com igual perfeição.
Quando estivermos no céu, contemplaremos, no meio de indizível alegria, a Trindade beatíssima. Veremos o Verbo, o Filho, proceder do Pai como protótipo de toda a perfeição possível; veremos que Deus associou ao Seu Cristo outros tantos irmãos, que em si reproduzem as perfeições divinas, manifestadas e tornadas tangíveis na Humanidade de Cristo. De modo que Jesus Cristo é "o primogênito duma multidão de irmãos» que devem ser semelhantes a Ele: Ut sit ipse primogenitus in multis fratribus.
Nunca nos esqueçamos destas palavras de S. Paulo: «Deus escolheu-nos em Seu Filho Jesus»: Elegit nos in ipso. Neste decreto eterno encontramos a origem da nossa verdadeira grandeza. Quando, pela nossa santidade, realizamos o pensamento de Deus a nosso respeito, tornamo-nos para Ele como que uma parte da glória que Ele tem em Seu Filho Jesus: Splendor gloriae; somos como que o prolongamento, os raios dessa glória, quando nos esforçamos, cada qual em seu lugar e a seu modo, por interpretar e realizar em nós o ideal divino, cujo exemplar único é o Verbo Incarnado.
Tal é o plano divino; tal a nossa predestinação: «sermos conformes com o Verbo Incarnado, Filho de
Deus por natureza e nosso modelo de santidade»: Praedestinavit (nos) conformes fieri imaginis Filii Dei.
Deste decreto eterno, desta predestinação cheia de amor, provém, para cada um de nós, a série de todas as misericórdias, que recebemos. Para realizarmos este plano, para executarmos os Seus desígnios sobre nós, Deus dá-nos a graça, participação misteriosa da Sua natureza; por ela, tornamo-nos, em Seu Filho Jesus que no-la mereceu, verdadeiros filhos adotivos de Deus.
E assim já não teremos para com Deus apenas simples relações de criaturas; não devemos apenas unir-nos a Ele pelas homenagens e deveres duma religião natural, baseada na nossa qualidade de seres criados; sem nada destruir destas relações nem diminuir estes deveres, entramos em relações mais íntimas com Deus, relações de filhos, que criam em nós deveres especiais para com um Pai que nos ama: Estote imitatores Dei sicut filii carissimi. Relações e deveres inteiramente sobrenaturais, visto excederem as exigências e direitos da nossa natureza e que só a graça de Jesus torna possíveis.
Compreendeis agora qual o carácter fundamental da nossa santidade. Não poderemos ser santos, se o não formos segundo o plano divino: isto é, pela graça que devemos a Jesus Cristo; é esta a condição primordial. É por isso que esta graça se chama santificante. E isto é tão verdade, que fora desta graça não há salvação possível.
No reino dos eleitos só entram as almas que se assemelham a Jesus. Ora a semelhança fundamental que com Ele devemos ter só pela graça se realiza.
Já vedes que foi o próprio Deus quem fixou o carácter da nossa santidade; querer dar-lhe outro é, como  diz S. Paulo, «bater no ar» - Aerem verberans.
O próprio Deus fixou o caminho que devemos seguir; não o seguir é extraviar-se e, finalmente, perder-se: Ego sum via; nemo venit ad Patrem nisi per me. Finalmente, Deus assentou o fundamento de toda a perfeição, fora do qual não se edifica senão sobre a areia: Fundamentum aliud nemo potest ponere praeter id quod positum est, quod est Christus Jesus.
Isto é verdade da salvação, como o é da santidade: não tem outro princípio nem encontra outro apoio senão na graça de Jesus Cristo.

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