19 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Devemos ir para Deus ao modo d'Ele; não seremos santos senão na medida em que nos adaptarmos ao plano divino. Indiquei-vos as linhas principais deste magnífico plano; vejamos mais minuciosamente como Jesus Cristo é para nós fonte de toda a santidade.
Suponhamos uma alma que, num impulso de genero­sidade, sob a inspiração do Espírito Santo, ajoelha diante do Pai dos céus e Lhe diz: «Pai, amo-Vos, desejo apenas a Vossa glória; quero, no tempo e na eternidade, glorificar-Vos pela minha santidade; que devo fazer? Mostrai-me o que esperais de mim». Que lhe responderia o Pai? Mostrar-lhe-ia o Seu Filho Jesus Cristo e dir-lhe-ia: «Eis aqui o meu Filho dileto, o objeto das minhas complacências; ouve-O». Depois retirar-se-ia, deixando aquela alma aos pés de Jesus.
E que nos diz Jesus? Ego sum via, et veritas, et vita - « Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida". Três palavras, de sentido muito profundo, que eu quisera meditar convosco e que deveriam ficar gravadas no fundo dos nossos corações.
Desejas ir para o meu Pai? pergunta Jesus. Queres unir-te Aquele que é a fonte de todo o bem e o princípio de toda a perfeição? Muito bem; sou eu quem faz nascer este desejo no teu coração; mas «não o podes realizar senão por mim»: Ego sum via: nomo venit ed Patrem nisi per me.
Como sabeis, há uma distância infinita entre a criatura e o Criador, entre aquele que tem o ser só por participação e Aquele que é o Ser subsistente por si mesmo. Tomai o anjo mais elevado nas hierarquias celestes; entre ele e Deus há um abismo que força alguma criada pode transpor.
Deus, porém, lançou  uma ponte sobre este abismo. Jesus Cristo, Homem-Deus, liga o homem a Deus. O Verbo faz-se carne; n'Ele, uma natureza humana está unida à Divindade; as duas naturezas, divina e humana, estão unidas num amplexo tão íntimo, tão indissolúvel, que há uma só pessoa, a do Verbo, na qual subsiste a natureza humana. O abismo de separação está suprimido.
Jesus Cristo, como Deus que é, um com o Pai, é o caminho que nos conduz a Deus. Portanto, se queremos ir para Deus, esforcemo-nos por ter uma fé ilimitada no poder que Jesus tem de nos unir ao Pai. Pois que diz Nosso Senhor? «Pai, quero que onde Eu estiver, estejam também os meus discípulos»: Pater, volo ut ubi sum ego, et illi sint mecum. E onde está Cristo? «No seio do Pai».
Quando a nossa fé é viva e nos entregamos inteiramente a Jesus, Ele arrasta-nos consigo, faz-nos penetrar in sinu Patris. Porque Jesus é ao mesmo tempo o caminho e o termo; é o caminho pela Sua Humanidade - via qua imus; é o termo pela Sua Divindade - patria quo imus. É isto que torna este caminho tão seguro: é perfeito e contém em si o próprio termo.
É coisa excelente fazer na oração atos de fé na virtude omnipotente que Jesus tem de nos levar para o Pai. «Ó Cristo Jesus, creio que sois verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que sois um caminho divino, de infinita eficácia para me fazer transpor o abismo que me separa de Deus; creio que a Vossa santa Humanidade é perfeita, tão poderosa que pode, apesar das minhas misérias, faltas e fraquezas, atrair-me para onde Vós estais, para o seio do Pai. Fazei que eu ouça as Vossas palavras, siga os Vossos exemplos, e nunca me separe de Vós»!
E uma graça preciosa ter encontrado o caminho que conduz ao termo; mas é preciso também caminhar na luz. Este termo é sobrenatural, superior às nossas forças criadas; por isso, a luz que deve banhar o nosso caminho com a sua claridade deve igualmente vir-nos do alto.
Deus é tão generoso que Ele próprio será a nossa luz no céu, e a nossa santidade consistirá em contemplar a luz infinita, haurir no seu esplendor a fonte de toda a vida e de toda a alegria: In lumine tuo videbimus lumen.
Neste mundo, não nos é acessível esta luz por causa do seu fulgor; os nossos olhos são tão fracos que a não podem suportar. E, no entanto é-nos necessária para chegarmos ao termo. Quem será a nossa luz? Jesus Cristo. Ego sum veritas: «Eu sou a verdade». Só Ele nos pode revelar as claridades infinitas. «E Deus saído de Deus, Luz gerada da Luz»: Deus de Deo, lumen de lumine. Verdadeiro Deus, «Ele é a própria Luz, sem sombras nem trevas»: Deus lux est, et tenebrae in eo non sunt ullae; esta luz desceu aos nossos vales, atenuando sob o véu da humanidade o brilho infinito dos seus raios. Os nossos olhos tão fracos poderão contemplar esta luz divina que se oculta e ao mesmo tempo se revela sob a fraqueza duma carne passível: Illuxit in cordibus nostris . . . in facie Christi Jesu; «ela iluminará todo o homem que vem a este mundo»: Lux vera quae illuminat omnem hominem venientem in hunc mundum.
Jesus Cristo, Verbo eterno, ensina-nos a olhar para Deus e no-Lo revela. Diz-nos: Eu sou a Verdade; se crerdes em mim., não só aprendereis a conhecer a Verdade sobre todas as coisas, mas estareis com a Verdade; «aquele que me segue não caminha nas trevas, mas possuirá a luz da Vida».
Então, que devemos fazer para caminhar na luz? Guiar-nos pelas palavras de Jesus, pelas máximas do
Evangelho; considerar todas as coisas à luz das palavras do Verbo Incarnado. Jesus diz-.nos, por exemplo, que «os bem aventurados que  possuem o Seu reino são os pobres de espírito, os mansos, os que choram, os corações puros, os pacíficos, os que sofrem perseguição por amor da justiça". Devemos crer n'Ele, unir-nos a Ele por um ato de fé, depor a Seus pés, como uma homenagem, o assentimento da nossa inteligência à Sua palavra; esforçar-nos por viver na humildade, na mansidão, na pureza, por viver em paz com todos, por suportar as contradições com paciência e confiança.
Se vivermos assim na fé, o espírito de Cristo apossar-se-á pouco a pouco da nossa alma, a qual, afastando as luzes puramente naturais do seu juízo próprio, tudo verá pelos olhos do Verbo: Erit tibi Dominus in lucem. Vivendo na verdade, irá sempre avançando no caminho; unida  à Verdade, viverá do Seu Espírito; os pensamentos, os sentimentos, os desejos de Jesus tornar-se-ão os seus pensamentos, os seus sentimentos, os seus desejos; nada fará que não esteja inteiramente de acordo com a vontade de Cristo. Não está nisto a base de toda a santidade?
Não basta, porém, ter encontrado o caminho, caminhar na luz: é mister ainda o alimento que nos sustente na nossa peregrinação. Este alimento de vida sobrenatural é ainda Jesus Cristo quem no-lo dá: Et vita.
A vida infinita está em Deus: Apud te est fons vitae. A torrente desta vida inefável e subsistente encheu, com a plenitude da sua virtude, a alma de Cristo: Sicut Pater habet vitam in semetipso,  sic dedit et Filio habere vitam in semetipso.
E que faz o Filho? «Vem-nos fazer participar dessa vida divina»: Ego veni ut vitam habeant, et abundantius habeant.  «Assim como Eu vivo da vida que o Pai me comunica, assim aquele que me come viverá por mim»: Et qui manducat me, et ipse vivet propter me.
Viver esta vida divina é a santidade. Efetivamente,  afastar desta vida tudo o que a pode destruir - pecado, infidelidades, apego às criaturas, vistas puramente naturais - , fazê-la desabrochar pelas virtudes da fé, esperança e caridade que nos unem a Deus, é para nós, como já vos disse, o duplo elemento da santidade.
Sendo o próprio Jesus Cristo a Vida, torna-se nossa santidade, porque é Ele a própria fonte: Christus
Jesus factus est nobis . . . sanctificatio.  Dando-se a nós pela Comunhão, dá-nos a Sua Humanidade, a Sua Divindade; ativa o amor; transforma-nos pouco a pouco n'Ele, de modo que não vivamos já por nós, mas por Ele e para Ele. Estabelece entre os nossos desejos e os Seus, entre as nossas vontades e as Suas, tal semelhança, tal harmonia, que «já não somos nós que vivemos, mas é Ele que vive em nós»: Vivo autem, jam non ego: vívít vero in me Christus.  Não há fórmula mais expressiva do que estas palavras do Apóstolo para resumir toda a obra da santidade.

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