22 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

Desta doutrina brotam os sentimentos que devem animar-nos na busca da santidade; profunda humildade em razão da nossa fraqueza, confiança absoluta em Jesus Cristo. A nossa vida sobrenatural oscila entre estes dois polos: dum lado, devemos ter a convicção íntima da nossa incapacidade para atingir a perfeição sem o auxílio de Deus; do outro, devemos estar possuídos de
inabalável esperança de tudo encontrarmos na graça de Jesus Cristo.
Porque é sobrenatural, porque Deus, soberanamente senhor dos Seus desígnios e dos Seus dons, a colocou acima das exigências e direitos de toda a natureza criada, a santidade a que somos chamados é inacessível sem a graça divina. Nosso Senhor o disse: «Sem mim nada podeis fazer»: Sine me NIHIL potestis facere. Santo Agostinho observa que Jesus Cristo não diz: «Sem mim não podeis fazer grande coisa»; mas sim: «Sem mim nada podeis fazer que vos leve à vida eterna».
S. Paulo explicou minuciosamente esta doutrina do nosso divino Mestre: «Somos incapazes de, por nós mesmos, quasi ex nobis, ter um só pensamento que valha para o céu; neste ponto, todo o nosso poder vem de Deus»: Sufficientia nostra ex Deo est; é Ele quem nos dá o poder de querer e de levar todas as coisas ao seu fim sobrenatural: Deus est qui operatur in vobis et velle et perficere, pro bona voluntate. Assim que, sem a graça divina, nada podendo fazer em ordem à nossa santidade.
Devemos então desanimar? Pelo contrário! A convicção íntima desta incapacidade não deve levar-nos ao desânimo, nem servir de desculpa à nossa preguiça. Se nada podemos sem Cristo, «com Ele tudo podemos»: Omnia possum in eo qui me confortat. «Tudo posso, é ainda S. Paulo quem o diz, não por mim mesmo, mas por Aquele que me fortalece». Sejam quais forem as nossas provações, dificuldades, fraquezas, podemos, por Jesus Cristo, chegar à mais elevada santidade.
Porquê? Porque n'Ele estão «contidos todos os tesouros de ciência e sabedoria», «porque n'Ele habita
a plenitude da Divindade» e porque, sendo nosso chefe, tem o poder de nos tornar participantes desses tesouros. É «dessa plenitude de vida e santidade que recebemos», de tal modo que, «em matéria de graças, nada nos falta»: Ita ut nihil vobis desit in ulla gratía!
Que confiança nos não dá a fé nestas verdades! Jesus Cristo pertence-nos, n'Ele encontramos tudo: Quomodo non etiam eum illo omnia nobis donavit? O que há então que possa impedir-nos de ser santos? Se no dia do Juízo final Deus nos perguntar: Porque não atingistes a santidade a que Eu vos chamava? - não poderemos responder: «Senhor, a minha fraqueza foi enorme, as dificuldades insuperáveis, as provações acima das minhas forças». Pois Deus nos replicará: «Por vós mesmos, é certo que nada podíeis fazer, mas Eu dei-vos o meu Filho; n'Ele nada vos faltou do que vos era necessário, a Sua graça é omnipotente e por ela podíeis unir-vos à própria fonte da vida ».
É tão verdade isto! Um grande gênio, talvez o maior que o mundo jamais conheceu, um homem que
passou a sua mocidade nos desregramentos, que esvaziou a taça dos prazeres, cujo espírito se deixou prender a todos os erros do seu tempo, Agostinho, vencido pela graça, converteu-se e chegou a uma sublime santidade. Um dia (é ele quem o conta ), solicitado pela graça, mas preso ainda por suas más inclinações, via meninos, donzelas, virgens brilhar pela pureza, viúvas veneráveis por suas virtudes; e parecia-lhe ouvir um meigo convite que lhe dizia: Tu non poteris quod isti, quod istae? «O que fazem estes meninos, estas virgens, não poderás tu fazê-lo também? O que eles são, não o poderás tu também ser?» E, apesar do turbilhão das paixões, dos longos hábitos do vício, Agostinho entregou-se à graça, e a graça fez dele, para toda a eternidade, um dos mais magníficos troféus.
Quando celebramos a solenidade dos Santos, devemos repetir, no nosso íntimo, as palavras que Santo Agostinho ouvia: Tu non poteris quod isti, quod istae ? Que motivos temos nós para não tender para a santidade? Oh! bem sei: cada um é tentado a dizer: «Tenho tal dificuldade, sinto tal contradição, não poderei ser santo»; mas podeis estar certos de que todos os Santos «encontraram a mesma dificuldade, sentiram a mesma contradição», e outras ainda muito maiores que as vossas.
Assim, pois, ninguém pode dizer: a santidade não é para mim. O que a pode tornar impossível? Deus deseja-a para nós; quer que sejamos santos para Sua glória e para nossa alegria: Haec est voluntas Dei, sanctificatio vestra. Deus não brinca conosco. Quando Nosso Senhor nos diz: «Sede perfeitos», sabe o que reclama de nós e que nada nos exige acima das nossas forças, uma vez que nos apoiemos na Sua graça.
Aquele que pretendesse lá chegar por suas próprias forças, cometeria o pecado de Lúcifer, que dizia: «Eu me elevarei, colocarei o meu trono nos céus, serei semelhante ao Altíssimo». Satanás foi abatido e precipitado no abismo. ·
Mas nós, que diremos? que faremos? Teremos a mesma ambição que este orgulhoso; desejaremos chegar ao termos visado par este soberbo. Mas, ao passo que ele o pretendia conseguir por si mesmo, nós proclamamos que sem Jesus Cristo nada podemos. Diremos que é por Ele e com Ele que podemos penetrar nos céus. «Ó Jesus, tenho tanta fé em Vós, que Vos creio assaz poderoso para fazerdes o prodígio de elevar uma criatura ínfima como eu, não só até às hierarquias dos Anjos, mas até ao próprio Deus; é unicamente por vós que podemos atingir essas culminâncias divinas. Aspiro com todas as veras da minha alma a essa sublimidade a que nos predestinou o Vosso Pai; desejo ardentemente, como o pedistes para nós, partilhar da Vossa própria glória, participar da Vossa própria alegria de Filho de Deus; aspiro a essa suprema felicidade, mas unicamente por Vós; desejo passar a eternidade a cantar os Vossos louvores e a repetir sem cessar com os eleitos: Redemisti nos, Domine,
in sanguine tuo. Sim, Senhor, fostes Vós que nos salvastes; foi o Vosso precioso sangue, derramado sobre nós, que nos abriu as portas do Vosso reino, nos preparou um lugar na incomparável sociedade dos Vossos Santos: a Vós louvor, honra e glória para sempre»!
A alma que vive sempre nestes sentimentos de humildade e confiança, dá grande glória a Jesus Cristo, porque toda a sua vida é o eco desta palavra do Salvador: «Sem mim nada podeis fazer»; porque proclama que Ele é a fonte de toda a salvação e de toda a santidade, e assim Lhe dá toda a glória.
«Ó Deus, diremos com a Igreja numa das suas mais admiráveis orações, creio que sois todo poderoso, que a Vossa graça é eficaz para me elevar, apesar de miserável como sou, a um alto grau de santidade; creio que sois igualmente misericórdia infinita, e que, se muitas vezes vos abandonei, o Vosso amor, cheio de bondade, nunca me abandona: é de Vós, ó meu Deus, Pai celeste, que vem todo o dom de perfeição; é a Vossa graça que faz de nós servos fiéis que Vos são agradáveis por obras dignas da Vossa Majestade e do Vosso louvor; fazei que, desapegado de mim mesmo e das criaturas, possa correr sem embaraço pelo caminho da santidade, onde o Vosso Filho, qual gigante, nos precede: para que, por Ele e com Ele, possa alcançar a felicidade que nos prometestes»! 
Os Santos viviam estas verdades; por isso chegaram às alturas em que hoje os contemplamos. A diferença que existe entre nós e eles não está no maior número de dificuldades que temos a vencer, mas no ardor da sua fé na palavra de Jesus Cristo e na virtude da Sua graça, como também na sua mais ardente generosidade. Se quisermos, podemos recomeçar a experiência: Jesus Cristo é sempre o mesmo, igualmente poderoso e magnânimo na distribuição da Sua graça; só em nós encontra obstáculos à efusão dos Seus dons.
Almas de pouca fé, porque duvidamos de Deus, do nosso Deus?

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