25 de agosto de 2013

DÉCIMO QUARTO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES.

O que é infalibilidade

O Evangelho de hoje nos faz a mais tocante exposição da Providência de Deus, mostrando-nos com quanta bondade Deus se ocupa da sorte das suas criaturas.

É Ele que dá ao passarinho o alimento de cada dia, como Ele dá aos lírios dos campos o seu perfume e o seu esplendor. É Ele que veste a erva dos campos, como Ele veste os panoramas da terra e do firmamento.

Com quanto mais cuidado, ajunta o divino Mestre, Deus se ocupa de cada um de seus filhos.

Os homens precisam, além do vestimento e do alimento do corpo, do alimento do espírito: e este alimento é a verdade.

Ora, esta verdade certa, luminosa, nunca vacilante, que deve iluminar nosso espírito e orientá-lo para o bem, nos é dada pela voz infalível do Papa.

Eis porque vamos meditar hoje em que consiste a infalibilidade, considerando:

1º. O lado material, ou quase infalibilidade.
2º. O lado espiritual ou infalibilidade perfeita.

Iremos, deste modo, do conhecido ao desconhecido, do fato experimental ao fato divino, que nos fará compreender em que consiste o dogma da infalibilidade muitas vezes mal entendido.

I. O lado material

Nós precisamos da verdade: e esta verdade é a doutrina de Jesus Cristo.

Mas como distingui-la entre tantos erros que hoje correm mundo e penetram em todos os recantos da terra e dos espíritos?

Pela voz de alguém que nos ensina a verdade, sem receio de errar, sem possibilidade de desviar-se do caminho reto.

E este alguém, este homem privilegiado é aquele a quem o Cristo disse:

Eis que estou convosco até o fim dos séculos. (Math. XXVIII. 20)

Eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça. (Luc. XXII. 32)

Quem vos escuta, escuta a mim. (Luc. X. 16)

Eis o que chamamos a verdade certa, reta, completa, sem receio de erro, e que tem o nome de infalibilidade.

Aqueles que se revoltam contra este dogma sagrado, absolutamente necessário para dar-nos a certeza da veracidade da nossa fé, mostram que nem sequer compreendem o que é a infalibilidade... confundem-na com a inspiração ou com a impecabilidade, e não acreditando nem em uma nem na outra destas duas graças, não acreditam na infalibilidade.

Em que consiste, pois, a tal infalibilidade?

Consiste no privilégio outorgado por Jesus Cristo a Pedro e a seus sucessores de gozarem da assistência divina, para conservarem e explicarem a doutrina divina, de modo a não poderem errar, quando ensinam publicamente, em nome da Igreja, com a autoridade suprema de chefe da Igreja.

Que coisa mais simples pode haver?

Chamo um professor para ensinar-me uma ciência...

Tenho as minhas dúvidas.

Sou homem como ele, e o que ele compreende, eu posso compreendê-lo também... mas não o compreendendo, porque sou talvez de inteligência inferior, vivo na dúvida.

Ora, a dúvida é um tormento!

Para sair deste tormento, procuro um outro professor mais claro ou mais profundo em sua exposição... um terceiro se necessário for, até encontrar quem me explique o que quero saber.

Continuo a duvidar ... consulto mais, até inclinar-me diante de um homem de conhecida capacidade... diante dele inclino a fronte porque sinto que este não que enganar-me e tem o preparo necessário para ele mesmo não ser enganado.

Praticamente atribuo a este homem o dom de uma quase infalibilidade.

O mundo faz isso diariamente.

Um homem vai visitar New York, Ottawa, Bogotá, Quito, e depois conta-me as maravilhas de tudo o que viu e admirou; creio sem hesitar, embora nunca tenha visto uma destas cidades.

Dou a este viajante o dom da quase infalibilidade. Eu não vi, mas ele viu, e creio.

Pobres incrédulos! Não querem aceitar a infalibilidade do Papa, por ser Papa, e aceitam a infalibilidade de qualquer viajante, andarilho, professor ou escritor.

Estes merecem fé; só o Papa não o merece porque é Papa?

Mas isto é insensato!

Então o Papa, homem escolhido entre milhares, homem de idade, de virtude, de ciência, de experiência e de sinceridade, desde que senta-se na cadeira suprema de S. Pedro, não teria mais um privilégio que os homens concedem a qualquer outro, desde que nele notam sinceridade e capacidade?

Isto é apenas o lado exterior, material, da infalibilidade. Vejamos agora o seu lado interior, espiritual, e veremos maiores e mais altas necessidades da infalibilidade completa.

II. O lado espiritual

As dúvidas a respeito das ciências humanas não são as únicas a penetrarem em nosso espírito; há também as dúvidas religiosas, que procuram às vezes perturbar a nossa alma.

A dúvida é uma fraqueza... nós somos fraquíssimos. Eis porque nós precisamos de alguém que diga clara e categoricamente: A verdade certa é esta: crê!

O grande escritor francês conde de Maistre, disse alhures que a infalibilidade não é outra coisa senão a soberania e ajuntava que reclamando para a Igreja a infalibilidade, não reclamava nenhum privilégio, senão o de que gozavam todos os soberanos, pois todos agem necessariamente como infalíveis.

É uma grande verdade!

Não haveria soberania, nem tribunal supremo, nem juiz em última apelação, cujas sentenças seriam capazes de deter os espíritos perturbados e resistir a paz à sociedade, se não gozassem de uma espécie de infalibilidade.

Em toda jurisdição é preciso chegar-se a um juiz que julgue e não possa ser julgado por ninguém.

Ali o espírito para, inclina-se, sujeitando-se pelo menos exteriormente.

É somente uma quase infalibilidade, porque exige apenas a submissão exterior, porém já tem feição de verdadeira infalibilidade.

Se a lei pudesse exigir dos súditos a obediência interior e a submissão do espírito, seria uma infalibilidade completa.

É o caso da Igreja.

A Igreja não se contenta com a obediência exterior; ela quer uma adesão completa.

A fé não se corta pela metade: É preciso crer tudo, ou rejeitar tudo.

A razão desta intransigência é que na fé se trata da palavra de Deus e esta palavra é necessariamente infalível.

Ora, uma palavra infalível em si mesma, para conservar a sua integridade, deve necessariamente passar por um canal transmissor igualmente infalível: e este canal é a voz do Pontífice de Roma.

Como poderíamos nós dizer: creio firmemente, se houvesse qualquer possibilidade de errar?

Deus devia dar à Igreja a infalibilidade, para que a nossa fé fosse isenta de dúvida.

A fé e a dúvida não podem dar as mãos.

A fé, mesmo divina, é sempre racional.

Deus é o autor da verdade, como Ele é o criador da nossa razão.

A fé, sem a razão, não se adaptaria ao nosso espírito.

A razão, sem a fé, está exposta a todos os erros.

Por isso não basta ter, possuir a palavra infalível de Deus; é necessário possuir também um espírito humano infalível que nos transmita esta palavra de Deus; deste modo a fé divina e a razão humana encontram-se num amplexo único, perfeito, que satisfaz a Deus e satisfaz ao homem.

A fé é a adesão às verdades reveladas por Deus, por causa da autoridade d’Aquele que revela.

Mas como ter a certeza de bem compreender o que Deus revela?

Aqui intervém a infalibilidade da Igreja:

Ela nos interpreta a verdade revelada e nos dá a certeza absoluta pela assistência divina, de ser tal o sentido e a extensão da verdade revelada.

A infalibilidade é, pois, o complemento necessário da revelação divina.

III. Conclusão

Eis como a infalibilidade da Igreja se impõe inexoravelmente ao espírito de quem sabe refletir.

Na sua parte material, tal infalibilidade é atribuída à magistratura, aos governos, até aos Professores.

Em sua parte espiritual, ela é uma necessidade para a religião e para o nosso espírito.

Sentimos instintivamente que uma religião divina deve descer do Sinai, com a fronte luminosa, tendo nas mãos as tábuas da lei; ou então sair do Cenáculo tendo sobre a cabeça línguas de fogo e sobre os lábios palavras de convite para a humanidade, dizendo-lhe:

Tu precisas de verdade: Ei-la aqui!
Tu precisas de amor: Ei-lo aqui!
Tu precisas ir a Deus: dá-me a mão eu te conduzirei a Ele.

Mas como isso se poderia dar se a religião pudesse enganar-se? Se ela pudesse dar-me erro em vez da verdade? Se ela pudesse dar-me um amor falso, em vez de amor de Deus? Se ela pudesse lançar-me no abismo, em vez de conduzir-me a Deus?

Para ter a certeza de seguir o caminho reto – e Deus não pode permitir a dúvida em assunto tão grave - é preciso que a Igreja seja infalível.

Infalível porque vem de Deus!

Infalível, porque deve conduzir-nos a Deus. São verdades que não se discutem... impõem-se pelo bom senso.

EXEMPLO

Napoleão I e o Papa Pio VII

Achando-se na ilha de Santa Helena, o imperador francês Napoleão recordava freqüentemente a cena de Fontainebleau, em que ele se mostrará tão arrogante para com o Sumo Pontífice. Um dia disse ao Conde Rathel, um de seus companheiros no exílio:

- José, não te achavas em Fontaineblau quando Pio VII predisse o meu futuro?
- Sim, Majestade.
- Tens presente aquela entrevista?
- Sim, jamais esquecerei o que então ouvi.
- Então, estás ainda lembrado das palavras do Papa?
- Perfeitamente, majestade. O Santo Padre disse: “O Deus de outrora vive ainda; esse Deus tem sempre punido os perseguidores da Igreja”, e começou a hesitar.
- O que, José? Insistiu Napoleão, quando notou a hesitação do Conde.
- Disse que esse Deus destruiria a vossa majestade, se continuasse a oprimir a Igreja.
- Foi isso mesmo. De fato, meu caro amigo, o Deus de outrora vive ainda e castiga os opressores de seu representante na terra. Ó! Sinto não poder gritar a todos os que receberam algum poder na terra: Respeitai ao Vigário de Jesus Cristo! Não ataqueis o Papa, porque sereis aniquilados pela mão justiceira de Deus, que protege a Cátedra de São Pedro.

Napoleão reconheceu o castigo merecido... Jesus Cristo castiga os opressores de seu Vigário na terra, toma a defesa de seu representante... Com quanto maior desvelo Jesus Cristo devia assistir ao Papa, para que não errasse, ensinando aos cristãos a verdade divina!

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 339 - 346)

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