[Sermão] Sobre o uso do latim na Liturgia
Sermão para o Décimo Domingo depois de Pentecostes
28 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
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Peço mais uma vez que rezemos pelo Santo
Padre, o Papa Francisco, pelo Brasil, e para que haja bons frutos da
visita do Papa ao nosso País, sobretudo quanto ao jovens.
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Gostaria de aproveitar a Missa Solene
celebrada aqui hoje para tratar de um dos aspectos mais visíveis quando
se fala da liturgia no Rito Romano Tradicional, em particular quando se
fala da Missa Tradicional. Trata-se do latim. O Latim jamais foi abolido
da liturgia católica, mesmo com a reforma litúrgica feita em 1969.
Infelizmente, todavia, caiu em desuso em praticamente todo o mundo.
Bento XVI, quando Papa, constatando o estado das coisas trabalhou para
restaurar um maior uso do latim entre os católicos, inclusive fundando a
Pontifícia Academia de Latinidade. O latim não é, ao menos em teoria,
algo exclusivo da Missa Tradicional, embora na prática seja raro,
infelizmente, encontrar o latim fora da liturgia tradicional.
Evidentemente, o latim não é o aspecto mais importante da Missa
Tradicional, pois o mais importante são as orações e os gestos, mas o
latim tem também a sua importância e grande importância, que
consideraremos brevemente hoje. O Latim favorece nossa vida espiritual,
pois ele favorece a caridade, favorece a reverência e o temor devido a
Deus, aumenta a eficácia de nossas orações e nos inclina à mortificação.
O Latim favorece também a vida da Igreja dando segurança doutrinária,
fomentando a unidade e a catolicidade.
Vejamos alguns bens para nossa vida espiritual.
Quando falamos de liturgia da Missa, devemos ter bem presente, antes de
tudo, o fato de que a Missa não é, em primeiro lugar, uma catequese. A
Missa é, antes de tudo, um ato de culto a Deus, é o Corpo e o Sangue de
Cristo oferecidos à Santíssima Trindade, renovando o Sacrifício de
Cristo no Calvário. A Missa é primeiramente para cultuar Deus, para
adorá-lo, para aplacar a ira divina diante de nossos pecados, bem como
para agradecer a Deus pelos seus benefícios e pedir-lhe as graças de que
precisamos para a nossa salvação.
Se a Missa é, antes de tudo, um ato de
culto a Deus, é evidente que Deus deve ser o centro da Santa Missa. E o
latim nos ajuda muito bem a compreender e a realizar isso. O fato de não
ser uma língua vulgar diferencia a liturgia dos atos cotidianos e nos
mostra claramente que assistimos à Missa primeiramente para cultuar
Deus, colocando-o claramente no centro. Dessa forma, o latim favorece
a virtude da caridade, pois a virtude da caridade coloca Deus no centro
e nos faz agir sempre tendo Deus como causa de nossas ações. O Latim
colocando Deus claramente no centro, nos ajuda a agir sempre por amor a
Deus em todas as coisas.
Muitas pessoas que frequentam a Missa
Tradicional pela primeira vez reclamam que não entendem o latim, não
entendem o que está sendo dito. De fato, não compreendemos tudo o que
está sendo dito e nem é esse o objetivo da Missa, mas com o latim
compreendemos o mais importante, quer dizer, compreendemos que aquilo
que está sendo feito, está sendo feito para Deus. Ao contrário, quando
se usa o vernáculo as pessoas podem até compreender literalmente o que
está sendo dito – o que é raro – mas dificilmente penetram
verdadeiramente no mistério. O latim nos faz compreender que se trata de
um mistério, que se trata de algo que está sendo feito para Deus. E tudo isso favorece também a nossa reverência para com Deus, favorece o temor de Deus
– temor que é o início da sabedoria. E diante desse mistério, podemos
ficar a vida inteira contemplando-o sem tédio, sem precisar buscar
novidades, invenções litúrgicas ou músicas superficiais. Quando pensamos
que compreendemos o mistério – tendência facilitada pelo uso da língua
vernácula – começamos a procurar outras coisas que possam nos prender a
atenção durante a Missa, gerando os abusos litúrgicos.
Além disso, a língua latina é uma língua
sagrada. São três as línguas consideradas sagradas: o hebreu, o grego, o
latim. O hebreu e o grego são as línguas da Sagrada Escritura. O hebreu
era também a língua sagrada no templo e na sinagoga. Os judeus
utilizavam o hebreu em seus ofícios Sagrados, enquanto a língua vulgar
era o aramaico. O latim é uma língua Sagrada porque Deus escolheu o
latim, desde o tempo de São Pedro, como meio pelo qual o governo e a
instrução são realizados na Igreja Católica. Pouco a pouco o latim
tornou-se a principal língua do culto da Igreja Católica. Foi também
nessas três línguas que Pilatos escreveu o motivo da condenação de
Cristo, para que todos pudessem ler: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”
estava escrito em hebreu, em grego e em latim. Nada mais conveniente,
então, do que usar o latim na Missa, que é a renovação da Cruz de
Cristo, e nos outros sacramentos, que são a aplicação das graças obtidas
na Cruz. Como língua sagrada, escolhida pela providência divina, é
forçoso dizer que a língua latina agrada mais a Deus do que a língua
vulgar e que, agradando mais a Deus, ela é mais eficaz (vide: Padre Chad Ripperger, sermão Learning prayers in latin).
Nesse sentido, podemos considerar a língua latina até mesmo como um
sacramental, quer dizer, como algo que nos traz graças quando usado com
devoção. O latim é uma língua sagrada e é a língua de nossa Mãe, a
Igreja. Convém que nós conheçamos, como diz São Francisco de Sales, ao
menos as orações básicas em latim, tal como o Pai Nosso, a Ave Maria, a
Salve Rainha, a fim de honrar nossa Mãe e agradá-la.
O latim, não sendo uma língua vulgar, favorece também a mortificação, ou a negação de si mesmo.
O latim dificulta que ajamos segundo nossos gostos por meio de
improvisações litúrgicas, mudando uma ou outra palavra para agradar às
pessoas ou por outro motivo qualquer. Também o fato de não
compreendermos perfeitamente o latim é uma espécie de mortificação e de
submissão de nossa inteligência a Deus. Muitos têm aversão à liturgia em
latim por que não a compreendem. Na verdade, muitas vezes o que existe é
uma aversão à mortificação, à negação de si mesmo, a não ter domínio
sobre a liturgia.
O latim é, então, uma grande arma para a
nossa vida espiritual, favorecendo a caridade, favorecendo a reverência e
o temor devido a Deus, aumentado a eficácia de nossas orações e nos
inclinado à mortificação.
Se as únicas consequências do latim
fossem essas, já seria algo muito considerável, pelo qual deveríamos
buscar a volta do latim na liturgia romana. Todavia, os benefícios do
latim vão muito além do simples benefício para a vida espiritual
individual. Eles atingem a vida da própria Igreja no que toca à exatidão doutrinária, à unidade, à catolicidade.
O latim é garantia de precisão, exatidão, clareza doutrinária. O Papa João XXIII, na Constituição Apostólica Veterum Sapientia,
diz que a língua latina tem “um estilo conciso, rico, harmonioso, cheio
de majestade e de dignidade, que singularmente contribui à clareza e à
seriedade”. E continua o Papa João XXIII, citando Pio XI: «De fato, a
Igreja, como mantém unidos no seu conjunto todos os povos e durará até a
consumação dos séculos… exige, pela sua natureza, uma linguagem
universal, imutável, não vulgar.» A língua latina na liturgia contribui,
então, para garantir a doutrina pela precisão dos seus termos e pela
sua imutabilidade. A tradução da liturgia para uma língua vernácula traz
sempre consigo uma diminuição na precisão doutrinária e dá ocasião para
que na tradução se introduza uma teologia ou uma visão particular das
coisas. Por exemplo, na tradução portuguesa da Missa, traduziu-se Dominus Deus Sabaoth
como “Senhor Deus do universo”, em vez de Senhor Deus dos exércitos, em
virtude, talvez, de um pacifismo ingênuo. Além disso, as línguas
vernáculas são línguas vivas, com palavras que mudam de sentido o tempo
todo, ou que se tornam mais nobres ou mais populares conforme os usos e
costumes. Daí surge a necessidade de uma revisão regular das traduções,
tanto para corrigir erros quanto para encontrar palavras mais
condizentes com a situação concreta da língua. Recentemente houve uma
profunda revisão da tradução inglesa e está em curso a revisão para a
língua portuguesa. Portanto, a língua vernácula não favorece a precisão e
segurança doutrinária. O latim, sendo uma língua morta, portanto
praticamente sem mudanças, corresponde perfeitamente à doutrina da
Igreja, que é uma doutrina imutável. A precisão da língua latina, a
precisão dos termos forjados ao longo dos séculos de tradição, são
garantias de acerto quanto à doutrina. Além do mais, o simbolismo é
extraordinário: a religião do Deus feito homem que morreu e ressuscitou
usa uma língua morta, mas que é ressuscitada para dar maior glória a
Deus.
Também a unidade da Igreja é favorecida pelo uso do latim,
pois assegurando a precisão e exatidão doutrinárias se assegura com
maior facilidade a unidade da fé, que é o principal fator de unidade.
O latim na liturgia favorece também sobremaneira a universalidade da Igreja.
São Francisco de Sales diz: “(…) como nossa Igreja é universal no tempo
e no espaço, ela deve celebrar os ofícios públicos numa língua
universal no tempo e no espaço, como no Ocidente é o Latim e no Oriente,
o Grego; de outra forma, nossos padres não poderiam rezar Missa nem
outros entendê-los fora dos respectivos países. A unidade e grande
extensão de nossos irmãos requer que digamos nossas preces públicas em
uma língua comum a todos os povos.” (The Catholic Controversy, 128). É uma língua que favorece a universalidade da Igreja porque, como diz o Papa João XXIII (Veterum Sapientia),
ela “não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos,
não favorece a nenhum em particular, e, enfim, é agradável e amigável a
todos.”
Dessa forma, caros católicos, são
inúmeros os benefícios do latim na liturgia, tanto para nossa vida
espiritual individual quanto para a própria vida da Igreja. Tenhamos um
grande amor pelo latim litúrgico, que nos aumenta a caridade, a
reverência, o temor de Deus. Tenhamos um grande amor pelo latim
litúrgico que favorece a mortificação, que diminui os abusos litúrgicos,
que torna nossas orações mais eficazes. Tenhamos um grande apreço pelo
latim litúrgico, que favorece a clareza e precisão na doutrina, que
favorece a unidade da fé e a universalidade da Igreja. Amemos a língua
latina, que é a nossa língua materna, a língua de nossa Mãe, que é a
Igreja. Amemos nossa língua materna e trabalhemos para que ela volte a
encontrar o lugar que é o seu dentro da liturgia católica. Não se trata
de simples nostalgia ou de simples apego às coisas do passado. Trata-se
de uma solução para os problemas de hoje.
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