14 de agosto de 2013

Sermão 12º Domingo depois de Pentecostes - Padre Daniel Pinheiro - IBP




O bom samaritano e a virtude da esperança diante do desânimo na prática da religião


Sermão para o 12º Domingo depois de Pentecostes

11 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

“Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?”

A pergunta do doutor da lei deve ser a pergunta das nossas vidas, caros católicos: “Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Não basta perguntá-la, mas é preciso colocar a resposta em prática.

O doutor da lei chama NSJC de Mestre e lhe faz a pergunta para tentá-lo, para ver se NSJC se opõe à lei mosaica, e poder, assim, condená-lo, ou para ver se NSJC cai em alguma contradição, a fim de desacreditá-lo diante do povo. Nosso Senhor, conhecendo a malícia desse doutor da lei, deixa que o próprio doutor da lei responda. E ele o faz muito bem, mostrando conhecimento do que se deve fazer para alcançar a vida eterna, embora não pareça colocar o que sabe em prática. O doutor da lei diz que se deve amar o Senhor Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças, com todo o entendimento.

É preciso que em nossas vidas, nas decisões que tomamos, nas situações em que nos encontramos, nas ações que fazemos… é preciso sempre que nos perguntemos o que devemos fazer para alcançar a vida eterna. Como nos diz o doutor da lei, confirmado por NS, devemos amar o Senhor nosso Deus de todo o coração, quer dizer, com toda a nossa vontade, querendo unicamente Deus em nossas vidas e querendo as outras coisas somente enquanto nos levam a Ele. Devemos amar o Senhor nosso Deus com toda a nossa alma, quer dizer, com todas as faculdades, com todos os sentimentos sempre ordenados para Deus, com toda nossa vida ordenada para Deus. Como nos diz São Paulo: “quer comais, quer bebais, fazei tudo para a glória de Deus.” E devemos amá-lo com todas as nossas forças, quer dizer, devemos amá-lo ao máximo. Como diz São Bernardo: a medida do amor a Deus é amá-lo sem medida. Finalmente, devemos amá-lo com todo o nosso entendimento, quer dizer, nosso amor deve ser guiado pela fé, pois para amar realmente a Deus sobrenaturalmente, a fim de alcançar a vida eterna, é preciso conhecê-lo pela fé verdadeira, pela fé católica. Amar a Deus, caros, católicos, não é algo vago, não é um sentimento mais ou menos beato, não é sentir-se em paz ou na presença de Deus. Já falamos disso várias vezes, mas insisto, pois é esse um dos principais erros dos nossos tempos, mesmo dentro da Igreja Católica. Ouvimos com muita frequência que se a pessoa se sente bem, ela ama Deus e é amada por Ele, não importando a religião. Deus está em todos os lugares, em todas as religiões, o importante é você sentir-se bem. Não, não é nada disso. Amar não é um vago sentimento, ainda que intenso. Amar é querer o bem do amado e fazer o bem para o amado. Queremos e fazemos o bem para Deus quando aderimos à religião que Ele nos revelou e quando guardamos os mandamentos de Deus e da Igreja.

Para alcançar a vida eterna, devemos amar o Senhor Nosso Deus de todo o coração, de toda a alma, com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento. Vejam, caros católicos, que se encontra sempre a palavra “todo” qualificando a vontade, o coração, o entendimento, as forças. Isso porque não devemos nos contentar em amar Deus pela metade ou em parte, fazendo uma partilha entre Deus e nossa vontade pessoal, entre Deus e nossos gostos pessoais, entre Deus e o mundo, entre Deus e nossos parentes. Não. Devemos, ao contrário, amar a Deus em primeiro lugar e devemos amar as outras coisas por amor a Deus, para levá-las para Deus ou porque nos levam para Deus. E, claro, se amamos a Deus, amaremos o nosso próximo para ajudá-lo em suas necessidades, sobretudo espirituais.  Amar a Deus partilhando-o com outras coisas pode ser impossível, se essa outra coisa nos faz ofender a Deus gravemente. Mas ainda que essa outra coisa não ofenda a Deus, se nosso coração está dividido, seremos tíbios, e seremos, então, presa relativamente fácil do pecado e do demônio. É preciso amar a Deus inteiramente, caros católicos, amá-lo com todo o nosso ser, e amá-lo cada vez mais.

Amar a Deus inteiramente significa esquecer as falsas máximas mundanas, significa deixar as más companhias. Amar inteiramente a Deus significa renunciar a certas diversões cada vez mais abundantes, refinadas e imorais ou anticatólicas também na doutrina. Quantos filmes, mesmo os mais acessíveis a jovens e crianças, se opõem à doutrina e moral católicas. Quantas danças pelo próprio modo de dançar ou pelas circunstâncias são ruínas para as almas. Quantas casas de diversão são verdadeiros centros de perdição. E praias e piscinas com imoral promiscuidade dos sexos e trajes sumários. Quantas revistas com tantas coisas mundanas e superficiais (as chamadas revistas femininas, por exemplo), contrárias à fé ou indecentes.  Novelas e seriados de televisão, modas indecentes, conversas ruins, brincadeiras de mau gosto, etc. (vide Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana, 2008, p. 297/298) Amar a Deus é renunciar a toda e qualquer diversão que de alguma forma ofenda a Deus. Amar a Deus inteiramente é suportar com paciência a zombaria e as perseguições por renunciar a tudo isso, por simplesmente fazer o bem e comportar-se cristãmente. Todavia, tudo isso é apenas o aspecto negativo de amar inteiramente a Deus, pois amar a Deus é reconhecer n’Ele a infinita bondade, a infinita misericórdia para conosco. Amar a Deus é conformar nossa vontade inteiramente à vontade d’Ele, sabendo que sua vontade é perfeitíssima. Amar a Deus inteiramente é buscar nos alegrar na prática da religião e da virtude. Amar a Deus é buscar sempre a sua maior glória. Devemos também nos lembrar daquelas palavras de NS: “aquele que ama a sua vida nesse mundo vai perdê-la, mas que aquele que aborrece a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12, 25).

Mas, padre, é impossível amar a Deus dessa forma, diriam muitos. Como renunciar a tantas coisas que quase todo mundo faz normalmente? Como conformar nossa vontade com a vontade de Deus, mesmo nas cruzes? Como educar meus filhos nesse mundo? Como eu, jovem, posso abandonar todas essas coisas que meus colegas fazem?  Nós estamos no mundo, padre, se renunciarmos a tantas coisas e buscarmos a conformidade em tudo com a vontade de Deus, seremos desprezados pelos outros, vamos sofrer muito, seremos tristes, vamos aborrecer a nossa vida. É impossível conseguir viver de modo verdadeiramente católico nesse mundo em que o pecado nos espera no nosso próximo passo. É impossível amar a Deus com todo o nosso ser. É impossível na sociedade em que vivemos e no momento de crise por que passa a Igreja. Temos que nos dividir entre Deus e o mundo. Se não o fizermos, será impossível viver. Eis aqui a tentação do desespero, caros católicos. Eis a tentação daquele que busca seguir a Cristo e que quer fazê-lo bem, mas que diante de tantas dificuldades e cruzes vai pouco a pouco desanimando, arrefecendo e tem a forte tentação de desistir. E quantos, de fato, terminam desistindo, dizendo que preferem abandonar tudo, já que não são capazes de amar a Deus inteiramente. Diante dessa tentação de desespero, é preciso reagir com a esperança sobrenatural, caros católicos.  Lembremo-nos, caros católicos, que em nenhum momento NS prometeu a paz – como o mundo a entende – aqui na terra. Ao contrário, ele prometeu a espada, ele disse que seus discípulos deveriam carregar a cruz. Mas ao mesmo tempo, Ele disse que estaria conosco até o final dos tempos e que estaria conosco todos os dias. Se Deus nos faz viver hoje, nessa sociedade, nesse momento de crise na Igreja, é porque podemos amá-lo inteiramente, é porque podemos alcançar a vida eterna. Podemos esperar com toda confiança e certeza que Deus nos dará os meios necessários para nos salvar e nos dará esses meios com abundância, se buscamos com sinceridade observar os seus mandamentos. E devemos esperar com firme confiança em Deus porque Ele é infinitamente bom e todo-poderoso. Ele é infinitamente bom. Isso significa que Deus quer que nos salvemos. Isso significa que Ele nos dará todas as graças, todos os meios para que nos salvemos. Isso significa que Ele não pode nos pedir o impossível. Deus é todo-poderoso. Isso significa que para ele nada é impossível. O que para nós sozinhos é impossível, com Deus se torna plenamente possível. É evidente que, sozinhos, nos é impossível amar inteiramente a Deus, não somente nos tempos em que vivemos, mas em qualquer tempo. Com Deus, podemos amá-lo inteiramente sempre em qualquer circunstância. Como diz Santo Agostinho: “Porque Deus não manda coisas impossíveis, mas quando manda, quer que façamos o que podemos e que peçamos o que não podemos, e Ele nos ajuda a poder”. E como diz São João: “os seus mandamentos não são pesados” (1Jo 5, 3).

Devemos ter grande e firme confiança porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Bom Samaritano da parábola de hoje. O homem despojado dos seus bens e ferido somos nós, a humanidade, despojada da graça pelo pecado e ferida com suas más inclinações, consequências do pecado. Aquele homem descia de Jerusalém para Jericó. Jerusalém simboliza a pátria celeste, a virtude, o bem. Esse homem deixava o caminho da virtude e viajando sozinho colocava-se em situação de perigo, pois era bem sabido que na estrada havia assaltantes. Esse homem somos nós que, seguindo muitas vezes a sugestão do mundo, da nossa vontade própria ou do demônio, deixamos muitas vezes a vida da graça, nos colocamos em ocasião de pecado e caímos, somos feridos pelo pecado, despojados da graça, da amizade com Deus. Esse homem, assaltado e ferido pela própria negligência somos nós, que por nossa culpa, por nossos descuidos nos afastamos de Deus, de Jerusalém, do céu e descemos para Jericó, para o pecado, para o inferno. Ainda assim, sabendo que esse homem era culpado de seus próprios males e sabendo que se tratava de um inimigo (Judeus e samaritanos eram inimigos e se assume que o ferido e despojado é um judeu, embora não esteja dito explicitamente), o bom samaritano o socorreu, colocando vinho e óleo nas suas feridas, levando-o para a estalagem e pagando as despesas. O Bom Samaritano é NSJC. É NSJC que, nos vendo em estado de pecado (por nossa própria culpa, como é claro), que nos vendo inimigos de Deus, portanto, inimigos d’Ele pelos nossos pecados, vem em socorro. Quanta bondade! Quanta misericórdia! Nosso Senhor coloca o vinho para purificar nossas feridas, fazendo-nos expiar por elas por meio dos sofrimentos, e das cruzes. Nosso Senhor coloca o azeite, nos restituindo a graça, nos auxiliando nas nossas provações, tornando nosso jugo suave e leve. Ele nos leva para a estalagem que é Igreja, em particular nos leva para a confissão. É Ele quem paga, em primeiro lugar, pelo nosso estado de pecador. Ele paga sofrendo e morrendo na cruz por nós. Bondade infinita! Misericórdia infinita! A parábola do Bom samaritano deve nos dar, caros católicos, grande esperança! Vejamos o que Cristo faz com aquele que ainda é seu inimigo. Muito mais fará com aquele que busca servi-lo com todo o seu ser. Cabe a nós implorar o socorro desse Bom Samaritano e deixar que Ele nos salve. E, quando por infelicidade cairmos, procuremos na Estalagem, que é a Igreja, o vinho e o azeite, que é a confissão dos nossos pecados. As quedas – que devemos procurar evitar a todo custo – não devem nos desanimar, ou nos fazer desesperar, ou diminuir nossas práticas religiosas. Devemos nos levantar para servir a Deus com maior vigor e afinco. Quando vier a tentação do desespero, de desistir, recitemos confiadamente o ato de esperança, praticando a virtude oposta a esse pecado. Não devemos arrefecer, não devemos abandonar nossas práticas devocionais, mas devemos mantê-las e até aumentá-las, se for possível.

Amar a Deus inteiramente, caros católicos, é, portanto, perfeitamente possível. Não sozinhos. Isso seria pelagianismo, quer dizer, seria acreditar que podemos nos salvar sem a ajuda divina, sem a graça. A coleta de hoje nos mostra que só podemos servir a Deus dignamente em virtude de um dom que Ele nos dá. Não podemos fazer nada de bom na ordem sobrenatural sem o auxílio da graça. As orações da Missa Tradicional são anti-pelagianas por excelência, pois invocam com ênfase o auxílio da graça. Aqueles que se deixam formar pelas orações da Missa Tradicional estarão vacinados contra qualquer tentação de pelagianismo ou autossuficiência. As orações da Missa Tradicional são a base para a doutrina da graça de Santo Agostinho, doutrina que é anti-pelagiana por excelência. E com o auxílio da graça, podemos correr ao céu, evitando as ofensas a Deus. Diante das dificuldades, não desanimemos, não nos desesperemos. Diante das dificuldades, devemos ter coragem! Diante das dificuldades, esperança na bondade e na onipotência divinas que nos dá todos os meios para nos salvarmos. Façamos a nossa parte rezando, pedindo o auxílio divino, nos esforçando para amar inteiramente a Deus, pois é isso que temos que fazer para alcançar a vida eterna.  “Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?” Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, com todo o teu entendimento.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.




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