8 de fevereiro de 2012

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO XIV.

Da esperança que temos na morte de Jesus Cristo.

1. Jesus é a única esperança da nossa salvação: fora dele, non est in alio aliquo salus (Act. IV, 12). Eu sou a única porta, ele nos diz, e quem entrar por mim encontrará certamente a vida eterna: Ego sum ostium. Per me si quis introierit, salvabitur (Io. X, 9). E qual pecador teria jamais podido esperar o perdão, se Jesus não tivesse, por nós, satisfeito a justiça divina com o seu sangue e com a morte? Iniquitates eorum ipse portabit (Is. LIII, 11). Então nos encoraja o Apóstolo, dizendo: Si sanguis hircorum et taurorum... sanctificat ad emundationem carnis, quanto magis sanguis Christi, qui, per Spiritum Sanctum seipsum obtulit Deo, emundabit conscientiam nostram ab operibus mortuis ad serviendum Deo viventi (Hebr. IX, 13, 14)? Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tiravam dos hebreus as manchas exteriores do corpo, a fim de que pudessem ser admitidos aos sagrados ministérios; tanto mais o sangue de Jesus Cristo, que, por amor, se ofereceu para pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados, para podermos servir o nosso sumo Deus?
Não vindo ao mundo o nosso amoroso Redentor para outro fim senão o de salvar os pecadores, e vendo já escrita contra nós a sentença de condenação pelas nossas culpas, que fez? Ele, com a sua morte, pagou a pena a nós devida; e, cancelando com o seu sangue a escritura da condenação, a fim de que a divina justiça não procurasse mais de nós a devida satisfação, afixou-a à própria cruz onde morreu: Delens quod adversus nos erat chirographum decreti, quod erat contrarium nobis, et ipsum tulit de medio affigens illud cruci (Coloss. II, 14).
Christus... introivit semel in sancta, aeterna redemptione inventa (Hebr. IX, 12). Ah, meu Jesus, se não tivestes encontrado este modo de obter-nos o perdão, quem teria podido encontrá-lo? Teve razão Davi em exclamar: Annuntiate... studia eius (Ps. IX, 12): Publicai, ó nações, os zelos amorosos do nosso Deus, de que usou para nos salvar. Já que, pois, ó meu doce Salvador, tivestes tanto amor por mim, não deixeis de usar de piedade para comigo. Resgatastes-me das mãos de Lúcifer com a vossa morte: eu, nas vossas mãos, entrego a minha alma, para que vós a salveis. In manus tuas commendo spiritum meum, redemisti me, Domine Deus veritatis (Ps. XXX, 6).
2. Filioli... haec scribo vobis, ut non peccetis; sed et si quis peccaverit, advocatum habemus apud Patrem, Iesum Christum iustum, et ipse propitiatio est pro peccatis nostris (I Io. II, 1, 2). Jesus Cristo não terminou, com a sua morte, de interceder por nós junto ao Eterno Pai; ele também no presente é o nosso advogado, e parece que, no céu, como escreve S. Paulo, não sabe fazer outra coisa além do ofício de comover o Pai a usar de misericórdia para conosco: Semper vivens ad interpellandum pro nobis (Hebr. VII, 25).
E acrescenta o Apóstolo que o Salvador subiu ao céu para este fim: Ut appareat nunc vultui Dei pro nobis (Hebr. IX, 24). Assim como os rebeldes fogem da face do rei, nós, pecadores, nunca teríamos sido dignos de ser admitidos diante de Deus, nem mesmo para lhe pedir perdão; mas Jesus, como nosso Redentor, comparece ele à divina presença por nós, e, pelos seus méritos, obtém-nos a graça por nós perdida. Accessistis ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel (Hebr. XII, 22, 24). Ó, quanto melhor implora para nós a divina misericórdia o sangue do Redentor, do que implorava o castigo contra Caim o sangue de Abel! “A minha justiça, disse Deus a S. Maria Madalena de’ Pazzi, se mudou em clemência com a vingança tomada sobre as carnes inocentes de Jesus Cristo. O sangue deste me Filho não procura de mim vingança, como o sangue de Abel, mas só procura misericórdia e piedade: e, a esta voz, não pode a minha justiça não se aplacar. Este sangue lhe liga as mãos de modo que não se pode mover, por assim dizer, a tomar aquela vingança dos pecados que antes se tomava” [1].
Gratiam fideiussoris ne obliviscaris (Eccli. XXIX, 20). Ah, meu Jesus, eu já era incapaz, depois dos meus pecados, de satisfazer a divina justiça, mas vós, com a vossa morte, quisestes satisfazer por mim. Que ingratidão seria, então, a minha, se eu me esquecesse desta tão grande misericórdia? Não, meu Redentor, não quero esquecer-me jamais dela: quero sempre agradecer-vos, e ser sempre grato amando-vos a fazendo o quanto eu posso para dar-vos gosto. Socorrei-me com aquela graça que merecestes para mim com tantos sofrimentos. Amo-vos, meu Jesus, meu amor, minha esperança.
3. Veni: columba mea in foraminibus petrae (Cant. II, 13, 14) [2]. Ó, que refúgio seguro encontraremos sempre nestas sagradas fendas da rocha, isto é, nas chagas de Jesus Cristo! Foramina petrae, diz S. Pedro Damião, sunt vulnera Redemptoris, in his anima nostra spem constituit (Epist. 41) [3]. Aí seremos livres da desconfiança pela vista dos pecados cometidos; aí encontraremos as armas para nos defendermos quando formos tentados a pecar novamente. Confidite, filii, ego vici mundum (Io. XVI, 33). Se não tendes bastante força, exorta-nos o nosso Salvador, para resistir aos assaltos do mundo que vos oferece os seus prazeres, confiai em mim, porque eu o venci, e assim também vós vencereis. Orai, disse, ao Eterno Pai, que, pelos meus méritos, vos dê força, e eu vos prometo que tudo o que lhe pedirdes em meu nome, tudo ele vos concederá: Amen, amen dico vobis, si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis (Io. XVI, 23). E, em outro lugar, confirmou-nos a promessa, dizendo que qualquer graça que peçamos a Deus por seu amor, ele mesmo, que é uma e a mesma coisa com o Pai, no-la dará: Quodcumque petieritis Patrem in nomine meo, hoc faciam; ut glorificetur Pater in Filio (Io. XIV, 13).
Ah, Pai Eterno, eu, confiado nos méritos e nestas promessas de Jesus Cristo, não vos peço bens da terra, mas somente a vossa graça. É verdade que eu, pelas injúrias que vos fiz, não mereceria nem o perdão nem a graça; mas, se eu não as mereço, merece-as para mim o vosso Filho, oferecendo o sangue e a vida por mim. Pelo amor, pois, deste Filho, perdoai-me. Dai-me uma grande dor dos meus pecados e um grande amor a vós. Iluminai-me para que eu conheça o quanto é amável a vossa bondade, e quanto é o amor que desde a eternidade me tivestes. Fazei-me entender a vossa vontade, e dai-me força de cumpri-la perfeitamente. Senhor, eu vos amo, e quero fazer tudo o que quiserdes.
4. Ó, que grande esperança de salvar-nos nos dá a morte de Jesus Cristo! Quis est qui condemnet? Christus Iesus qui mortuus est... qui etiam interpellat pro nobis (Rom. VIII, 34). Quem há a ser condenado?, diz o Apóstolo. É o próprio Redentor, que, para não nos condenar à morte eterna, condenou-se a si mesmo a morrer cruelmente sobre uma cruz. Por isso nos anima S. Tomás de Vilanova, dizendo: Que temes, ó pecador, se queres deixar o pecado? Como te condenará o Senhor, que morre para não te condenar? Como te expulsará quando tu retornas aos seus pés, aquele que veio do céu para procurar-te, quando tu fugias dele? Quid times, peccator? Quomodo damnabit poenitentem, qui moritur ne damneris? Quomodo abiiciet redeuntem, qui de caelo venit quaerens te? [4] Mas mais ânimo nos dá o próprio Salvador nosso, dizendo, por Isaías: Ecce in manibus meis descripsi te: muri tui coram oculis meis semper (Is. XLIX, 16) [5]. Minhas ovelhinhas, não desconfieis, vede o quanto me custais: eu te tenho escrita nas minhas mãos, nestas chagas que sofre por ti: estas me lembram sempre de ajudar-te e defender-te dos teus inimigos; ama-me, e confia.
Sim, meu Jesus, eu vos amo, e em vós confio. Resgatar-me custou-vos muito caro, salvar-me não vos custa nada. A vossa vontade é que todos se salvem e que nenhum se perca. Se os meus pecados me afligem, conforta-me a vossa bondade, porque ele deseja fazer-me bem mais ainda do que eu desejo recebê-lo. Ah, meu amado Redentor, dir-vos-ei com Jó: Etiam si occiderit me, in ipso sperabo... et ipse erit salvator meus (Iob XIII, 15, 16). Ainda que me tenhais expulso, meu amor, da vossa face, eu não deixarei de esperar em vós, que sois o meu Salvador. As vossas chagas e este sangue me dão muito ânimo para esperar todo bem da vossa misericórdia. Amo-vos, ó caro Jesus, amo-vos e espero em vós.
5. O glorioso S. Bernardo, estando uma vez fraco, viu-se diante do tribunal de Deus, onde o demônio o acusava dos seus pecados e dizia que ele não merecia o paraíso. O santo respondeu: “É verdade que eu não mereço o paraíso, mas Jesus tem dois méritos a este reino, um por ser Filho natural de Deus, outro por tê-lo conquistado com a sua morte: ele se contenta com o primeiro, e o segundo o cede a mim; e por isso eu peço e espero o paraíso” [6]. O mesmo podemos dizer de nós, escrevendo S. Paulo que Jesus Cristo quis morrer consumido pelas dores, para obter-nos o paraíso a todos os pecadores arrependidos e resolvidos a se emendar. Et consummatus factus est omnibus obtemperantibus sibi causa salutis aeternae (Hebr. V, 9). Por isso, acrescenta o Apóstolo: Curramus ad propositum nobis certamen aspicientes in auctorem fidei, et consummatorem Iesum, qui proposito sibi gaudio sustinuit crucem, confusione contempta (Hebr. XII, 1, 2): Corramos com coragem para combater com os nossos inimigos, olhando Jesus Cristo, que, com os méritos da sua Paixão, nos oferece a vitória e a coroa.
Ele disse que foi ao céu preparar-nos o lugar: Non turbetur cor vestrum... quia vado parare vobis locum (Io. XIV, 1, 2). Ele disse e está dizendo ao seu Pai que, enquanto nos uniu a ele, ele nos quer consigo no paraíso: Pater, quos dedisti mihi, volo ut ubi sum ego, et illi sint mecum (Io. XVII, 24). E que misericórdia maior poderíamos esperar do Senhor, diz S. Anselmo, que, a um pecador já condenado pelos seus crimes ao inferno e que não tem como libertar-se das penas, tenha dito o Eterno Pai: Toma o meu Filho, e oferece-o por ti? E o mesmo Filho diga: Toma-me, e livra-te do inferno? Quid misericordius intelligi valet, quam quod peccatori, unde se redimere non habenti, Deus Pater dicat: Accipe Unigenitum meum, et da pro te: et Filius dicat: Tolle me, et redime te? [7]
Ah, meu Pai amoroso, agradeço-vos por me terdes dado este Filho como meu Salvador; ofereço-vos a sua morte, e, pelos seus méritos, peço-vos piedade. E agradeço-vos sempre, ó meu Redentor, o terdes dado o sangue e a vida para livrar-me da morte eterna. Te ergo, quaesumus, tuis famulis subveni, quos pretioso sanguine redemisti [8]. Socorrei, pois, nós, servos rebeldes, já que a tanto custo nos redemistes. - Ó Jesus, minha única esperança, vós me amais, vós sois onipotente, fazei-me santo. Se estou fraco, dai-me vós força; se estou doente pelas culpas cometidas, aplicai vós à minha alma uma gota do vosso sangue, e curai-me. Dai-me o vosso amor e a perseverança final, fazendo-me morrer na vossa graça. Dai-me o paraíso: eu, pelos vossos méritos, vo-lo peço e o espero. Amo-vos, meu Deus amabilíssimo, com toda a minha alma, e espero sempre amar-vos. Ajudai um miserável pecador que vos quer amar.
6. Habentes ergo pontificem magnum qui penetravit caelos, Iesum Filium Dei, teneamus confessionem. Non enim habemus pontificem, qui non possit compati infirmitatibus nostris, tentatum autem per omnia pro similitudine absque peccato (Hebr. IV, 14, 15). Já que temos, diz o Apóstolo, este Salvador, que nos abriu o paraíso, um tempo fechado pelo pecado, confiemos sempre nos seus méritos; pois, tendo querido, por sua bondade, padecer também ele as nossas misérias, bem sabe compadecer-se de nós: Adeamus ergo cum fiducia ad thronum gratiae, ut misericordiam consequamur, et gratiam inveniamus in auxilio opportuno (Ibid., 16). Vamos, pois, com confiança ao trono da divina misericórdia, ao qual, por meio de Jesus Cristo, temos acesso, a fim de que aí encontremos todas as graças de que temos necessidade. E como podemos duvidar, acrescenta S. Paulo, que Deus, tendo-nos dado o seu Filho, não nos tenha dado, com o Filho, todos os seus bens? Pro nobis omnibus tradidit illum; quomodo non etiam cum illo omnia nobis donavit? (Rom. VIII, 32). Comenta o Cardeal Hugon: Dabit minus, idest vitam aeternam, qui dedit maius, idest Filium suum: Não nos negará o menos, que é a glória eterna, aquele Senhor que chegou a nos dar o mais, que é o seu próprio Filho [9].
Ó, meu sumo bem, que vos darei eu, miserável, por tamanho dom que me fizestes, do vosso Filho? Dir-vos-ei com Davi: Dominus retribuet pro me (Ps. CXXXVII, 8). Senhor, eu não tenho como recompensar-vos: só o vosso próprio Filho pode agradecer-vos dignamente; que ele vos agradeça por mim. Meu piedosíssimo Pai, pelas chagas de Jesus, peço-vos, salvai-me. Amo-vos, bondade infinita, e, porque vos amo, arrependo-me de vos ter ofendido. Meu Deus, meu Deus, eu quero ser todo vosso, aceitai-me por amor de Jesus Cristo. Ah, meu doce Criador, é possível que, tendo-me dado o vosso Filho, me negareis depois os vossos bens, a vossa graça, o vosso amor, o vosso paraíso?
7. S. Leão afirma que Jesus Cristo, com a sua morte, nos trouxe mais bem do que nos trouxe de dano o demônio, com o pecado de Adão: Ampliora adepti sumus per Christi gratiam, quam per diaboli amiseramus invidiam (Serm. I de Asc.) [10]. E disse claramente o Apóstolo, quando escreveu aos romanos: Non sicut delictum, ita et donum... Ubi... abundavit delictum, superabundavit gratia (Rom. V, 15, 20). Explica o Cardeal Hugon: Christi gratia maioris est efficaciae, quam delictum [11]. Não há comparação, diz o Apóstolo, entre o pecado do homem e o dom que nos fez Deus, dando-nos Jesus Cristo. Grande foi o crime de Adão, mas foi muito maior a graça que nos mereceu Jesus Cristo com a sua Paixão. Ego veni, ut vitam habeant, et abundantius habeant (Io. X, 10). Eu vim ao mundo, protestou o Salvador, a fim de que os homens, mortos pelo pecado, não só recebam por mim a vida da graça, mas uma vida mais abundante do que aquela que, pela culpa, tinham perdido. Por isso a Igreja chama feliz a culpa que nos mereceu um tal Redentor: O felix culpa, quae talem ac tantum meruit habere Redemptorem [12].
Ecce Deus salvator meus, fiducialiter agam, et non timebo (Is. XII, 2). Portanto, ó meu Jesus, se vós, que sois Deus onipotente, sois também o meu Salvador, que temor terei de condenar-me? Se, no passado, vos ofendi, arrependo-me de todo o coração. No futuro, quero servir-vos, obedecer-vos e amar-vos; e espero firmemente que vós, meu Redentor, que fizestes e padecestes tanto pela minha salvação, não me negareis graça alguma que for necessária para salvar-me. Fiducialiter agam, immobiliter sperans nihil ad salutem necessarium ab eo negandum, qui tanta pro mea salute fecit et pertuli, comenta S. Boaventura [13].
8. Haurietis aquas... de fontibus Salvatoris, et dicetis in illa die: Confitemini Domino, et invocate nomen eius (Is. XII, 3, 4). As chagas de Jesus Cristo são já as felizes fontes das quais podemos receber todas as graças, se lhe pedirmos com fé. Et fons de domo Domini egredietur, et irrigabit torrentem spinarum (Ioel III, 18). A morte de Jesus é precisamente, diz Isaías, esta fonte prometida, que regou com águas de graça as nossas almas, e, de espinhos de pecados, mudou-as, pelos seus méritos, em flores e frutos de vida eterna. O amante Redentor, diz-nos S. Paulo, fez-se pobre neste mundo, a fim de que nós, pelo mérito da sua pobreza, nos tornássemos ricos: Propter vos egenus factus est... ut illius inopia vos divites essetis (II Cor. VIII, 9). Éramos, pelo pecado, ignorantes, injustos, iníquos e escravos do inferno; mas Jesus Cristo, diz o Apóstolo, morrendo e satisfazendo por nós, Factus est nobis sapientia a Deo, iustitia, sanctificatio et redemptio (I Cor. I, 30). Isto é, explica S. Bernardo, Sapientia in praedicatione, iustitia in absolutione, sanctificatio in conversatione, redemptio in Passione (Serm. XXII in Cant.) [14]. Fez-se nossa sabedoria instruindo-nos, nossa justiça, perdoando-nos, nossa santidade com o seu exemplo, e nosso resgate com a sua Paixão, livrando-nos das mãos de Lúcifer. Em suma, diz S. Paulo, os méritos de Jesus Cristo nos enriqueceram de todos os bens, de tal modo que não nos falta mais nada para podermos receber todas as graças: In omnibus divites facti estis... ita ut nihil vobis desit in ulla gratia (I Cor. I, 5, 7).
Ó meu Jesus, meu Jesus, e que belas esperanças me dá a vossa Paixão! Meu amado Senhor, quanto vos devo! Ó, se nunca vos tivesse eu ofendido! Perdoai-me todas as injúrias que eu vos fiz; inflamai-me todo do vosso amor, e salvai-me eternamente. E como posso temer não receber o perdão, a salvação e todas as graças de um Deus onipotente, que me deu todo o seu sangue? Ah, meu Jesus, minha esperança, vós, para não me perder, quisestes perder a vida; eu não quero jamais perder-vos, ó bem infinito. Se vos perdi no passado, arrependo-me disso; no futuro, não vos quero perder mais; vós me haveis de ajudar, a fim de que eu não vos perca mais. Senhor, eu vos amo, e quero sempre vos amar.
Maria, depois de Jesus, vós sois a minha esperança; dizei ao vosso Filho que vós me protegeis, e serei salvo. Amém, assim seja.


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Notas:
[1]: Grande poder operou este meu Verbo, abaixando-se até ser um cadáver, que foi chegar ao maior sinal de humildade ao qual podia, por vós, chegar o meu Verbo nas carnes mortais, e, fazendo-o, por assim dizer, adormecer para vós a minha divina justiça, a qual, aplacada e satisfeita pelos pecados do mundo com a vingança tomada sobre a sua carne inocentíssima, e sobre o seu puríssimo sangue, derramado para satisfazer as culpas do homem, agora a minha justiça parece que se tenha mudado em clemência. - E sabe, ó filhinha, que aquele sangue derramado não grita como o sangue de Abel, ou como aquelas almas santas, como refere o amante do meu Verbo, João, no seu Apocalipse, Vindica sanguinem nostrum, mas grita apenas por misericórdia e piedade, e a esta voz não pode a minha justiça não ficar aplacada e satisfeita. E quero dizer-te mais, que este sangue liga, por assim dizer, as mãos da minha justiça, de modo que ela não se pode mover, por assim dizer, a tomar aquela vingança dos pecados, que antes tomava no mundo, quando não ouvia a voz deste sangue ainda não derramado; porque, ora com dilúvios, ora com fogos e incêndios, ora com abrir-se a terra e engolir os pecadores, punia a minha justiça os criminosos; e sabes que ela o fez com as águas no dilúvio, com fogos nas cidades infames, e com outros castigos no deserto e alhures, de tal modo que ela me mostrava como o Deus das vinganças; mas agora, que ela parece não saber mover-se a castigar, como satisfeita no rigoroso castigo tomado por vós no meu Verbo, ou se ainda se move, é mais uma correção de mãe amorosa com os seus filhinhos descrentes, do que uma de severo Juiz com os malfeitores e culpáveis, e agora se cumpre aquilo que está escrito: Cum iratus fueris, misericordiae recordaberis. Mercê desta voz do sangue derramado pelo Verbo.” PUCCINI, Vita, Firenze, 1611, parte 6, cap. 3.

[2]: Surge, amica mea, speciosa mea, et veni: columba mea in foraminibus petrae. Cant. II, 13, 14.

[3]: “Petra, sicut dicit Apostolus, est Christus (I Cor. 4). Et foramina ergo petrae, sunt vulnera Redemptoris. In his itaque foraminibus quaeque fidelis anima commoratur, quia totam suae salutis summam in Salvatoris sui Passione constituit, et in ea spem suam collocans, de gloria sempiterna fida securitate confidit”. S. PETRUS DAMIANUS, Sermo 51, De sancto Matthaeo sermo 3. ML 144-792, 793.

[4]: “Quid times peccator?... Quomodo te damnabit poenitentem, qui propter hoc moritur ne damneris? Quomodo te abiiciet redeuntem, qui de caelo venit quaerere te?” S. THOMAS A VILLANOVA, Conciones, In Dominicam I Adventus, concio 5, n. 13.

[5]: Nas edições posteriores a 1751, encontramos “occideris” e “eris”. Quis o Autor mudar o texto de Jó usando uma linguagem direta, ou então, incautamente, os tipógrafos?

[6]: “Ego ipse inter ceteros adfui.... Cumque extremum iam trahere spiritum videretur (Bernardus), in excessu mentis suae ante tribunal Domini sibi visus est praesentari. Adfuit autem et Satan ex adverso improbis eum accusationibus pulsans. Ubi vero ille omnia fuerat prosecutus, et viro Dei esset pro sua parte dicendum, nil territus aut turbatus, ait: “Fateor, non sum dignus ego, nec propriis possum meritis regnum obtinere caelorum. Ceterum duplici iure illud obtinens Dominus meus, hereditate scilicet Patris et merito Passionis, altero ipse contentus, alterum mihi donat, ex cuius dono iure illud mihi vindicans, non confundor.” In hoc verbo confusus inimicus, conventus ille solutus, et homo Dei in se reversus est.” GUILLELMUS, ex Abbate S. Theoderici monachus Signiacensis, Sancti Bernardi Vita prima, liber primus, cap. 12, n. 57. ML 185-258.

[7]: “Quid misericordius intelligi valet, quam cum peccatori tormentis aeternis damnato, et unde se redimat non habenti, Deus Pater dicit: Accipe Unigenitum meum, et da pro te; ipse Filius: Tolle me, et redime te?” S. ANSELMUS, Cur Deus homo, lib. 2, cap. 21. ML 158-430.

[8]: Ex cantico Te Deum.

[9]: “Hic probat quod dabit minus, id est vitam aeternam, quia dedit maius, id est Filium suum.” HUGO DE SANCTO CHARO, O. P. Cardinalis primus, Postilla super Epistolam ad Romanos (in cap. VIII, 32). Opera, VII, fol. 50, col. 3. Venetiis, 1703.

[10]: “Hodie enim non solum paradisi possessores firmati sumus, sed etiam caelorum in Christo superna penetravimus: ampliora adepti per ineffabilem Christi gratiam quam per diaboli amiseramus invidiam.” S. LEO MAGNUS, Sermo 73, De Ascensione Domini sermo 1, cap. 4. ML 54-396.

[11]: “Donum Christi, id est gratia, maioris est efficaciae quam delictum.” HUGO DE SANCTO CHARO, O. P. Cardinalis primus, Postilla super Epistolam ad Romanos (in cap. V, 15). Opera, VII, fol. 34, col. 3. Venetiis 1703.

[12]: In officio Sabbati Sancti, ad benedictionem Cerei.

[13]: “Imploratio misericordiae, circa quamcumque gratiam invocetur, debet esse... cum fiducia spei, quam habemus a Christo, qui mortuus est pro nobis omnibus.” S. BONAVENTURA, De triplici via, cap. 2, § 2, n. 3. Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898, pag. 8, col. 2. - Cf. § 5, n. 12, pag. 11. col. 2.

[14]: “Sapientia in praedicatione, iustitia in absolutione peccatorum, sanctificatio in conversatione, quam habuit cum peccatoribus; redemptio in Passione, quam sustinuit pro peccatoribus.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 22, n. 6. ML 183-880.

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