1 de fevereiro de 2012

O Amor das Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO X.

Do Ecce Homo

1. Pilatos, vendo o Redentor reduzido àquele estado tão digno de compaixão, pensou que apenas a sua vista aplacaria os judeus; por isso o conduziu para cima, levantou a púrpura e, mostrando ao povo o corpo de Jesus coberto de chagas e dilacerado, disse-lhes: Eis o homem: Exivit... iterum Pilatus foras, et dicit eis: Ecce adduco vobis eum foras, ut cognoscatis, quia nullam invenio in eo causam. Exivit ergo Iesus portans coronam spineam, et purpureum vestimentum. Et dicit eis: Ecce Homo (Io. XIX, 4, 5). Eis o homem, como se quisesse dizer: Eis o homem que vós me acusastes, e que pretendia fazer-se rei; eu, para agradar-vos, apesar de ser ele inocente, condenei-o a flagelos: Ecce Homo non clarus imperio, sed plenus opprobrio (S. Aug. tr. CXVI in Io.) [1]. Ei-lo agora reduzido a tal estado que parece um homem esfolado, e pouco lhe resta de vida. Se vós, apesar de tudo isso, pretendeis que eu o condene à morte, digo-vos que não posso fazê-lo, enquanto não acho razão de condená-lo. Mas os judeus, à vista de Jesus tão maltratado, mais se agitaram: Cum ergo vidissent eum pontifices et ministri, clamabant dicentes: Crucifige, crucifige eum (Io. XIX, 6). Vendo Pilatos que não se aquietavam, lavou-se as mãos à vista do povo, dizendo: Innocens... sum a sanguine iusti huius: vos videritis. E eles responderam: Sanguis eius super nos, et super filios nostros (Matth. XXVII, 24, 25).
Ó meu amado Salvador, vós sois o maior de todos os reis, mas agora vos vejo o mais vituperado de todos os homens. Se este povo ingrato não vos conhece, eu vos conheço e vos adoro como meu verdadeiro rei e Senhor. Agradeço-vos, ó meu Redentor, por tantos ultrajes sofridos por mim; e rogo-vos que me deis amor aos desprezos e às penas, já que vós os abraçastes com tanto afeto. Envergonho-me de ter amado no passado as honras e os prazeres a ponto de cheguei, por esses, a renunciar tantas vezes a vossa graça e o vosso amor; arrependo-me disso sobre todo mal. Abraço, Senhor, todas as dores e ignomínias que me vierem das vossas mãos. Dai-me aquela resignação que me é necessária. Amo-vos, meu Jesus, meu amor, meu tudo.
2. Mas, assim como Pilatos, mostrou Jesus ao povo no Pavimento, ao mesmo tempo o Eterno Pai, do céu, apresentava-nos o seu dileto Filho, dizendo semelhantemente: Ecce Homo. Eis este homem, que é o meu único Filho, que eu amo tanto quanto a mim mesmo. Hic est Filius meus dilectus, in quo mihi bene complacui (Matth. XVII, 5). Eis o homem vosso Salvador por mim prometido e por vós tão esperado. Eis o homem mais nobre do que todos os homens, tornado o homem das dores. Ei-lo, vide a que estado digno de compaixão se reduziu, pelo amor que teve para convosco e para ser, ao menos por compaixão, amado por vós. Olhai-o e amai-o; e, se não vos comovem os seus grandes méritos, ao menos vos movam a amá-lo estas dores e estas ignomínias que ele sofreu por vós.
Ah, meu Deus e Pai do meu Redentor, eu amo o vosso Filho que padece por meu amor, e amo-vos a vós, que com tanto amor o abandonastes a tantas penas por mim. Não olheis os meus pecados, com os quais ofendi tantas vezes a vós e ao vosso Filho. Respice in faciem Christi tui (Ps. LXXXIII, 10): olhai o vosso Unigênito coberto de chagas e de opróbrios para pagar os meus crimes, e, pelos seus méritos, perdoai-me e não me permitais que eu vos torne a ofender. - Sanguis eius super nos. O Sangue deste homem, a vós tão caro, que roga por nós e vos pede piedade, esse desça sobre as nossas almas e nos obtenha a vossa graça. Odeio, meu Senhor, e maldigo todos os desgostos que vos dei, e vos amo, bondade infinita, mais do que a mim mesmo. Por amor deste Filho, dai-me o vosso amor, que me faça vencer toda paixão e sofrer toda pena para dar-vos gosto.
3. Egredimini et videte, filiae Sion, regem Salomonem in diademate quo coronavit illum mater sua in die desponsationis illius, et in die laetitiae cordis eius (Cant. III, 11). Saí, ó almas redimidas, filhas da graça, saí para ver o vosso manso rei, no dia de sua morte - dia de sua alegria, por que nele vos fez suas esposas, dando por vós a vida sobre a cruz - coroado pela ingrata sinagoga, sua mãe, com uma coroa não já de honra, mas de dores e de ignomínia. Egredimini, diz S. Bernardo, et videte regem vestrum in corona paupertatis et miseriae (Serm. II de Epiph.) [2]. Ó, o mais belo de todos os homens! Ó, o maior de todos os monarcas! Ó, o mais amável de todos os esposos! E como vos vejo reduzido todo cheio de chagas e de desprezos? Vós sois esposo, mas esposo de sangue: Sponsus sanguinum tu mihi est (Exod. IV, 25); enquanto por meio do vosso sangue e da vossa morte quisestes desposar-vos com as nossas almas. Vós sois rei, mas rei de dores e rei de amor, enquanto à força de tormentos quisestes ganhar para vós os nossos afetos.
Ó amantíssimo esposo da minha alma, oxalá que eu sempre me recordasse de tudo o que padecestes por mim, a fim de que não cessasse nunca de amar-vos e dar-vos gosto! Tende piedade de mim, que tanto vos custei. Em paga de tantas penas por mim sofridas, contentais-vos com que eu vos ame. Sim, amo-vos, infinito amável, amo-vos sobre todas as coisas, mas vos amo pouco. Meu amado, dai-me mais amor, se quiseres ser mais amado por mim. Eu desejo amar-vos muito. Eu, mísero pecador, deveria queimar no inferno desde aquele primeiro instante em que vos ofendi gravemente; mas vós me suportastes até agora, porque não quereis que eu arda naquele fogo infeliz, mas arda no bem-aventurado fogo do vosso amor. Este pensamento, ó Deus da minha alma, acende-me todo de desejo de fazer o quanto posso para agradar-vos. Ajudai-me, meu Jesus, e, já que fizestes tanto, completai a obra, fazei-me todo vosso.
4. Mas, continuando os judeus a insultar o governador, gritando: Tolle, tolle, crucifige eum; Pilatos disse-lhes: Regem vestrum crucifigam? E eles responderam: Non habemus regem nisi Caesarem (Io. XIX, 15). Os mundanos, que amam as riquezas, as honras e os prazeres da terra, recusam a Jesus Cristo como seu rei; pois Jesus, nesta terra, não foi rei senão de misérias, de ignomínias e de dores. - Mas, se eles vos recusam, ó meu Jesus, nós vos escolhemos como nosso único rei, e protestamos que non habemus regem nisi Iesum. Sim, amável Salvador, Rex meus es tu [3]; vós sois e sempre havereis de ser o meu único Senhor.
Bem sois vós o verdadeiro rei das nossas almas, enquanto as criastes e redimistes da escravidão de Lúcifer. Adveniat regnum tuum. Dominai, reinai, pois, sempre nos nossos pobres corações; que eles vos sirvam sempre e vos obedeçam. Que sirvam os outros aos monarcas terrenos com a esperança de bens deste mundo; nós queremos servir somente a vós, nosso Rei aflito e desprezado, com a única esperança de dar-vos gosto, sem consolações terrenas. Ser-nos-ão caros, de hoje em diante, as dores e os opróbrios, já que vós quisestes sofrer tantos por nosso amor. Concedei-nos a graça de sermos fiéis a vós, e para isso dai-nos o grande dom do vosso amor. Se vos amarmos, amaremos também os desprezos e as penas tanto amadas por vós, e não vos pediremos outra coisa além do que vos pede o vosso fiel servo e amante S. João da Cruz: Domine, pati et contemni pro te: Domine, pati et contemni pro te [4].
Minha mãe Maria, intercedei por nós. Amém.


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Notas:

[1]: “Egreditur ad eos Iesus portans spineam coronam et purpurem vestimentum, non clarus imperio, sed plenus opprobrio; et dicitur eis: Ecce homo: si regi invidetis, iam parcite, quia deiectum videtis.” S. AUGUSTINUS, In Ioannis Evangelium, tractatus 116, n. 2. ML 35-1942.

[2]: “Egredimini proinde, filiae Sion, et videte regem Salomonem in diademate quo coronavit eum mater sua, in corona paupertatis, in corona miseriae. Siquidem coronatus est et a noverca sua corona spinea, corona miseriae.” S. BERNARDUS, In Epiphania Domini sermo 2, n. 3. ML 183-148.

[3]: Tu es ipse rex meus. Ps. XLIII, 5.

[4]: MARCO DI SAN FRANCESCO, Vita di S. Giovanni della Croce, lib. 3, cap. 1, n. 10. Opere del Santo, parte terza. Venezia, 1747.

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