18. O TESTEMUNHO DOS MÁRTIRES.
Numa de suas conversas com os seus Apóstolos, depois da Ceia, Nosso Senhor os adverte das perseguições que sofreriam, para que não se escandalizassem, quando chegassem os dias difíceis. "Eu vos disse estas cousas, para que não vos escandalizeis. Lançar-vos-ão fora das sinagogas... disse-vos estas cousas, para que, quando chegar o tempo, vos lembreis de que eu vo-las disse" (S. João XVI,
4).
Outras e semelhantes advertências fez Cristo a seus apóstolos, e as encontramos nos Evangelhos: "Por isto, eis que eu vos envio profetas e sábios e escribas, e matareis e crucificareis uns, e açoutareis outros nas vossas sinagogas, e os perseguireis de cidade em cidade" (S. Mat. XXIII, 34).
"Lançar-vos-ão as mãos, e vos perseguirão, entregando-vos nas sinagogas e nos cárceres, e vos levarão à presença dos reis e governadores, por causa de meu nome" (Luc. XXI, 12). Se não fossem avisados, certamente os apóstolos e cristãos se escandalizariam diante das perseguições, das grandes heresias e da aparente inutilidade da Redenção. "Os golpes previstos e esperados, diz S. Gregório, são mais fáceis de serem suportados".
Antes de tudo, seriam expulsos das sinagogas, uma das mais infamantes penas entre os judeus. E os Apóstolos se submeteram a este opróbrio pelo nome de Jesus. E os discípulos não seriam mais do que o Mestre. "'Lembrai-vos daquela palavra que eu vos disse:
Não é o servo maior do que o seu senhor. Se eles me perseguiram a mim, também vos hão de perseguir a vós" (S. João XV, 20).
E na própria Jerusalém tiveram início as perseguições. A doutrina cristã se expande e os Apóstolos são levados ao Sinédrio, arrastados aos tribunais e se realizam as primeiras perseguições sangrentas. Saulo, zeloso pelas tradições de seus antepassados, cheio de ódio e ameaças, incentiva aqueles que apedrejam a Estêvão, e corre a Damasco para prender os fiéis cristãos. São Tiago é o primeiro Apóstolo a derramar por Cristo o seu sangue.
Em Roma, capital do Império, onde se firmaria para sempre o cristianismo, movem os Imperadores terríveis e sangrentas perseguições aos cristãos. Aos pés de seus ídolos os pagãos imolam milhares e milhares de mártires, vingando os seus deuses do ultraje que lhe faziam os servos de Cristo, que se recusavam a adorá-los, renegando sua pretensa divindade.
Diante das narrativas dos "Acta Martyrum", nos comovemos face à sublime coragem dos mártires do cristianismo. Para o heroísmo não há distinções entre os grandes e pequenos, sábios e ignorantes, nobres e plebeus. A graça a todos fortifica, e a constância, firmeza e calma, com que enfrentam a morte, causam admiração aos próprios perseguidores.
Dão os mártires o testemunho de sua fé pela palavra e pelo sangue.
Mártir é aquele que dá testemunho e que sofre torturas. Gritam bem alto a sua fé e suas palavras transmitem uma sabedoria sublime: "Gravai, pois, nos vossos corações o não premeditar como haveis
de responder, porque eu vos darei uma boca e uma sabedoria, a qual não poderão resistir, nem contradizer, os vossos inimigos" (Luc. XXI, 14-15). O destemor e coragem com que enfrentam os seus algozes, somente se explicam por um auxílio divino. Santo Estêvão, o protomartir, proclama bem alto a sua fé e desde então os exemplos se sucedem.
Basta a simples e firme declaração: "Eu sou Cristão", como o fizeram os mártires africanos. Ou então afirmações explícitas, como as de S. Justino: "Adoramos o Deus dos cristãos, cremos que é o único Deus, o Criador de tudo, e cremos no Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus anunciado pelos profetas e enviado para salvar o mundo:"
Ao testemunho da palavra, seguia-se o testemunho do sangue, e os cristãos já compreendiam, por graça de Deus, a sublimidade e glória do martírio, perder a vida para a salvar. Diante do testemunho dos mártires, os outros cristãos se entusiasmavam e criavam novas energias, e assim se estruturava o cristianismo nascente. Já para os pagãos este heroísmo era motivo de admiração e até mesmo de compaixão para muitos. E não foram poucos os algozes que se converteram à vista da convicção e fortaleza dos mártires cristãos.
O sangue dos mártires, que correu incessante durante as primeiras perseguições, foi um testemunho da Divindade de Cristo, da poderosa vitalidade da Igreja e ainda "fecunda semente de cristãos", na exclamação feliz de Tertuliano.
O mártir é o perfeito imitador de Cristo. "'Adoremos Cristo como Filho de Deus, mas, com justa razão, veneremos os mártires como discípulos e imitadores do Senhor" - é a bela expressão que encontramos na narrativa da morte de S. Policarpo.
"A maior prova de amor é dar a vida por aqueles que amamos", disse Nosso Senhor. Por nós ele deu a sua vida, na prova mais sublime de seu amor, e os mártires outra cousa não fizeram senão corresponder à infinita misericórdia de um Deus, que, morrendo por nós, retribuiu-nos a verdadeira vida da graça.
As perseguições contra os discípulos nunca cessaram. Em todos os tempos e em todos os povos, de várias e diferentes maneiras, se têm levantado, evidenciando o ódio e o medo do mundo pela verdade.
No mundo antigo, foram os cristãos perseguidos, porque sua missão era libertar os espíritos e as inteligências oprimidas pelo paganismo. Aí se travaram as grandes perseguições contra o Império Romano, detentora oficial do culto aos deuses. O cristianismo venceu pela bravura de seus membros e pela divindade de sua doutrina.
O Coliseu de Roma, no seu esplendor de ouro e mármore, permanece em suas ruínas, como lição viva da fidelidade dos cristãos primitivos. Aí correu o sangue de milhares e milhares de mártires que consagraram a arena romana pelo vigor sublime de sua fé e amor a Cristo.
No mundo moderno e atual, continuam os cristãos a serem perseguidos, pois é a luta do paganismo para readquirir o seu lugar, o que jamais conseguiu desde que brilhou no mundo a luz da verdade cristã. Vem ele agora na forma de ideologias ateias e materialistas, procurando a desordem da sociedade e a desunião entre as várias classes sociais, para assim abafar o sentimento cristão da humanidade.
E novos coliseus se levantaram pelo mundo, cercados por fortes cortinas de ferro, atrás das quais geme a Igreja do Silêncio. É o cristianismo que volta ao silêncio e recolhimento das catacumbas.
São as perseguições previstas e anunciadas pelo Salvador, "não vos escandalizeis". A verdade, por fim, ficará vitoriosa. Com todo furor e violência, os perseguidores outra cousa não fazem senão justificar a palavra de São Paulo: "Nada podemos contra a verdade, senão pela verdade" (II Cor. XIII, 8).
"Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus, pois também perseguiram os profetas, que existiram antes de vós" (S. Mat. V, 11-12).
São as célebres palavras que se extraem do extraordinário Sermão da Montanha, garantia da recompensa para aqueles que perderam a sua vida para a salvar eternamente.
E no seu discurso aos Apóstolos após a Última Ceia, Nosso Senhor os advertia P confortava: "Haveis de ter aflições no mundo, mas tende confiança, eu venci o mundo." (S. João XVI, 36).
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