27 de maio de 2015

Sermão para o Domingo de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] O fogo do Espírito Santo: suavidade e força

Em nome do Pai…
Ave Maria…
Festejamos hoje, caros católicos, Pentecostes. Pentecostes é a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no cenáculo em Jerusalém. A descida do Espírito Santo em Pentecostes é importantíssima. Ela é a festa da promulgação da Igreja e a festa da promulgação da nova lei.
No Antigo Testamento, a festa de pentecostes comemorava a promulgação da lei mosaica, dada por Deus a Moisés no Monte Sinai, e que constituiu perfeitamente os judeus como o povo eleito. Podemos dizer que Pentecostes, que nós comemoramos hoje, foi a promulgação da Nova Lei, a promulgação da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Cruz. Assim, no Monte Sinai, nos diz a Sagrada Escritura que houve (Êxodo, 16 e seguintes) “um estrondo de trovões e de relâmpagos; uma espessa nuvem cobria a montanha e o som da trombeta soava com força. Toda a multidão que estava no acampamento tremia. Todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor tinha descido sobre ele no meio de chamas; o fumo que subia do monte era como a fumaça de uma fornalha, e toda a montanha tremia com violência. O som da trombeta soava ainda mais forte; Moisés falava e os trovões divinos respondiam-lhe.” No cenáculo (Atos 2, 1 e seguintes), “chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ouvindo aquele ruído, reuniu-se muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua.” Destaque-se que o falar em línguas dos apóstolos não era algo irracional e sem sentido, com palavras desconexas e repetidas, mas falavam de modo que cada um dos presentes ouvia na própria língua a pregação do Evangelho. As duas promulgações guardam semelhanças. Mas as leis são distintas. Se a Antiga Lei se baseava sobretudo no temor a Deus, a Nova Lei se baseia, antes de tudo, no amor a Deus, no verdadeiro amor a Deus. A diferença entra a antiga lei e a nova lei, diz Santo Agostinho, é uma sílaba (breve): temor, amor. Apenas uma sílaba é trocada. É uma diferença breve na palavra, mas longa no significado.
Nosso Senhor começou, então, a fundar a Igreja por sua pregação. Ele a fundou meritoriamente quando estava pregado na Cruz, consumou a fundação dando o primado a Pedro após a ressurreição e, finalmente, Ele promulgou a sua Igreja aos olhos de todos quando mandou o Espírito Santo aos apóstolos, para que começassem efetivamente a pregar o Evangelho a toda a criatura. Portanto, Pentecostes é um acontecimento capital na vida da Igreja e um acontecimento único.
Veni Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium, et tui amoris in eis ignem accende. Vinde, Espírito Santo, echei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.
Essas são as palavras que a Igreja nos faz cantar no segundo aleluia da Festa de Pentecostes. E ela nos faz cantar essas palavras de joelhos. São verdadeiramente raros os momentos em que textos litúrgicos são ditos de joelhos. No mais das vezes, é quando se fala do mistério da Encarnação, como no último Evangelho ou no Credo. Mas a Igreja nos coloca de joelhos aqui. A Igreja nos coloca nessa posição de súplica para mostrar a importância do que está sendo dito. Nesse caso, é um pedido, para que venha o Espírito Santo, para que encha os corações dos fiéis e que acenda neles o fogo do amor divino. E mostra como devemos pedir: com humildade, em adoração e com fervor.
O que pedimos, com tanta ênfase e com tanto ardor, ao Espírito Santo nada mais é do que a santificação de nossas almas. Ao Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho por via de amor, se atribui a obra de santificação, que é obra de amor de Deus para conosco. As três pessoas agem unidas para nos santificar, mas atribuímos as obras de amor – tal como a santificação – ao Espírito Santo porque Ele procede de Deus Pai e de Deus Filho por via de amor. Assim como atribuímos as obras de potência – como a criação – a Deus e as de sabedoria a Deus Filho, que procede do Pai por via da inteligência, embora as obras de potência e de sabedoria sejam também das três pessoas.
Pedimos de joelhos a santificação de nossas almas. Pedimos que o Espírito Santo possa encher as nossas almas, para que estejam cheias do amor a Deus. Pedimos a graça de reconhecer a infinita bondade de Deus, de reconhecer que Ele é infinitamente amável.  Pedimos a graça de estarmos realmente unidos a Ele. E para estarmos unidos a Ele é preciso fazer a vontade dEle, observar as suas palavras. É o que nos diz Nosso Senhor: se alguém me ama, guardará as minhas palavras. Guardar as palavras de Cristo não é simplesmente ouvi-las, mas imprimi-las em nossa alma, de tal forma que toda a nossa vida seja orientada pelas palavras de Nosso Senhor, pelos seus mandamentos. Aquele que ama a Deus, guarda a sua palavra e os seus mandamentos. E que esse amor seja um fogo que incendeie, realmente. Não um fogo com ardores sensíveis passageiros, que vão e que voltam, não um fogo transitório, não um fogo de dons carismáticos[1], mas o fogo do amor a Deus e ao próximo, o fogo que está na vontade, que a faz pronta para servir a Deus em todas as coisas, em todas as circunstâncias. O fogo que nos fixa em Deus. O fogo que está na vontade para buscar fazer Deus mais conhecido e amado, o fogo que está na vontade para ajudar o nosso próximo a ir para o céu. O fogo do amor à Verdade Suprema, o fogo do amor ao Bem Supremo, o fogo do amor à Beleza Suprema.  O fogo da caridade, enfim.
E como é suave o fogo do amor a Deus. Suave, mesmo nas maiores e mais profundas dores e provações. Suave quando precisamos dar as maiores provas de fortaleza. Suave mesmo quando exige a prova máxima do amor, que é a nossa própria vida. Suave no martírio. Suave nos nossos sacrifícios cotidianos. Suave nas mais simples e esquecidas ações de nossa vida. Suave quando nos exige as maiores firmezas. Suave quando devemos lutar arduamente pela nossa salvação e pela salvação do próximo. Suave nas alegrias, suave nas consolações. Suave porque o amor a Deus é um jugo suave e leve.
Esse fogo nos faz semelhantes a Deus, que dispõe todas as coisas suaviter et fortiter, com suavidade e força. Não é tão simples colocar em palavras essa força suave da ação do Espírito Santo em nossa alma, ao acender o fogo do amor a Deus nela. Mas as palavras e a melodia dos aleluias e da Sequência Veni Sancte Spiritus expressam isso muito bem. A música autêntica da Igreja expressa sempre com perfeição as disposições de alma que devemos ter para uma determinada festa. Mas na Festa de Pentecostes, podemos ver claramente que está aí o dedo de Deus, na melodia e nas palavras. Está o dedo de Deus nesses monumentos de nossa santa religião. Quão bem o canto da Igreja expressa hoje, com sua melodia e palavras, a verdade e a graça que nos quer transmitir: suavidade com força no amor a Deus. Portanto, imploremos ao Espírito Santo que acenda em nossa alma esse fogo suave da graça, que nos dá força para fazer tudo por Deus, que nos dá a força para fazer tudo por amor a Deus, por Deus que tudo fez por nós.
Em nome do Pai…
[1] O Espírito Santo não veio nos trazer, em primeiro lugar, dons extraordinários, como o dom de línguas, o dom de cura e outros. Tudo isso é bem secundário. Tudo isso não santifica a pessoa que os possui, mas se ordena para o bem do próximo.  Como dizem os autores espirituais clássicos. O Padre Royo Marín diz que “seria temerário desejar ou pedir a Deus essas graças gratis datae, uma vez que não são necessárias nem para a salvação nem para a santificação, e requerem – muitas delas ao menos – uma intervenção milagrosa de Deus. Vale mais um pequeno ato de amor a Deus que ressuscitar um morto.” (Royo Marín, Teologia de la Perfección Cristiana, p. 888). O Padre Jordan Aumann diz também que “uma pessoa pode ficar sob o poder do demônio em razão de um desejo descontrolado de experimentar fenômenos místicos extraordinários ou graças carismáticas.” (Jordan Aumann, Spiritual Theology, p. 411). Em outra ocasião trataremos mais propriamente da questão dos dons carismáticos e de como são muito mal compreendidos hoje pelos movimentos que pretendem possuí-los.

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