25 de abril de 2010

Confissões de um Converso

Trecho do livro "Confissões de um Converso" (Quadrante, 2002), de Robert Hugh Benson (1871-1914), ex-clérigo anglicano convertido ao catolicismo em 1903.

E assim recorri uma vez mais ao Novo Testamento, em busca de um fio condutor que desse sentido a tudo, de alguma autoridade vivente para a qual as próprias Escrituras apontassem; e, sobretudo, quis pôr à prova a pretensão da autoridade que, à luz da lógica humana, me parecia ser a mais consistente de toda a cristandade - a pretensão do ocupante da Cátedra de Pedro de ser o Mestre e Senhor de todos os cristãos.
Disseram-me, naturalmente, que eu encontraria no Novo Testamento aquilo que esperasse encontrar; que interiormente tinha já aceitado as afirmações de Roma e que, portanto, tinha chegado à conclusão de que essas afirmações se baseavam nas Escrituras. Pediram-me que voltasse aos teólogos para a interpretação das Escrituras - que voltasse, na verdade, àquele mesmo emaranhado de testemunhas que, no seu conjunto, pareciam confirmar a posição de Pedro, e que pouco antes me tinham aconselhado a deixar de lado em favor da própria Palavra de Deus.
No entento, que outra opção me restava senão tentar comprovar honestamente, com base nessa divina autoridade, a única afirmação que, em toda a Cristandade, me parecia a única consistente, razoável, histórica, prática, satisfatória e - pela própria natureza da questão - intrinsecamente necessária?
Bem, não preciso dizer que encontrei ali essa afirmação com muito mais facilidade, e expressa de forma muito mais patente, do que muitas outras afirmações plenamente aceitas por mim com base na autoridade das Sagradas Escrituras. Dogmas como o da Santíssima Trindade, sacramentos como o da Confirmação, instituições como o episcopado - tudo isso pode ser encontrado nas Escrituras, tanto pelos católicos como pelos anglicanos, se a pessoa se dispuser a aprofundar o seu estudo. Mas o primado de Pedro não exige nenhum estudo aprofundado: encontra-se à superfície, cintilando como uma joia esplêndidam se se afastam dos olhos os preconceitos anti-católicos.
Quando institui a Igreja, o Senhor afirma que a edificará sobre Cefas (cfr. Mt 21, 42 e 16, 18); o Bom Pastor ordena ao mesmo Cefas que apascente as suas ovelhas, mesmo depois de ele aparentemente ter perdido a confiança do seu Senhor (Jo 10, 11 e 21, 15-17). A Porta confia a Pedro as Chaves (Jo 10, 7 e Mt 16, 19). Ao todo, encontrei vinte e nove passagens da Escritura - e ainda outras, mais tarde - nas quais o primado de Pedro está claramente implícito, e não encontrei uma sequer que fosse contrária ou incompatível com essa missão. Publiquei tudo isto num folheto intitulado Uma cidade construída sobre um monte, logo depois da minha conversão.
É-me completamente impossível indicar o argumento concreto que, finalmente me convenceu. Aliás, não forma os argumentos que acabaram por convencer-me, como não foram as emoções que me impeliram. Foi antes como se tivesse sido arrastado pelo Espírito de Deus até um ponto de observação privilegiado de onde pudesse observar os fatos como realmente eram. E foi o livro de Newman, o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, que me apontou esses fatos, que dirigiu o meu olhar de um ponto para outro e me mostrou como todo o glorioso edifício da Igreja se baseava sobre o inabalável alicerce do Evangelho para depois erguer-se para o céu.
Foi ali - para servir-me de outra metáfora - que pude ver a mística Esposa de Cristo crescer através dos séculos, da infância até a adolescência, crescer em estatura e sabedoria; não por acrescentar conhecimentos, mas por desenvolvê-los, fortalecendo os seus membros, abrindo as suas mãos; mudando, sim, o aspecto e a linguagem - usando ora um, ora outro conjunto de termos humanos a fim de explrimir cada vez mais claramente o seu pensamento; tirando do seu tesouro coisas novas e velhas, que eram suas desde o princípio; habitada pelo Espírito do seu Esposo, e mesmo sofrendo como Ele sofreu.
Também ela foi traída e crucificada, morrendo diariamente como o seu Grande Senhor (cfr. 1 Cor 15, 31); negada, escarnecida e desprezada; filha da dor, familiarizada com todo o sofrimento (cfr. Is 53, 3); desfigurada, caluniada, agonizante; despojada das suas vestes, e ainda assim - como filha de Rei que é - "cheia de glória" (cfr. Sl 44, 4); parecendo às vezes morta, e no entanto, como o seu Modelo, sempre unida à Divindade; jazendo no sepulcro, cercada pela vigilância dos poderes seculares, mas sempre ressuscitando, espiritual e transcendente, no dia da Páscoa; atravessando portas que os homens julgavam fechadas para sempre; oferecendo os seus banquetes místicos pelos cenáculos e às margens do mar; e, sobretudo, ascendendo para sempre aos céus a fim de habitar nas moradas celestiais com Aquele que é o seu Esposo e o seu Deus.
À medida que eu contemplava a sua face, as dificuldades desvaneciam-se uma após outra. Agora eu entendia que o seu aspecto externo tinha mesmo de modificar-se e que a criança envolta em faixas nas Catacumbas devia parecer diferente da soberana Mãe e Senhora de todas as Igrejas, a Rainha do mundo. Compreendia igualmente que até a sua constituição teria de parecer modificada: os seus membros, que a princípio se moviam de forma espasmódica e desconexa, deviam ser progressivamente orientados pela Cabeça visível, à medida que Ela crescia em forças; os grandiosos gestos da sua infância - os primeiros Concílios - deviam evoluir pouco a pouco para a voz serena a fluir dos seus lábios; a sabedoria implícita e desordenada dos primeiros séculos tinha de exprimir-se cada vez com maior precisão, à medida que ela aprendia a comunicar aos homens aquilo que sabia desde sempre. E vi também como era necessário que Ela apregoasse até os nossos dias os princípios que tinahm norteado os seus atos desde sempre; ou seja, que nos temas vitais da sua mensagem, os pronunciamentos da sua Cabeça visível estavam protegidos pelo Espírito da Verdade, o mesmo Espírito que um dia havia formado o seu corpo no ventre da raça humana. Esta era, no seu longo percurso, a inevitável afirmação que tinha de fazer uma Igreja que se declarava depositária da Revelação.
Não digo que todas as minhas dificuldades tenham desaparecido imediatamente. Não foi assim. Na verdade, suponho que não existe um único católico vivo que ouse afirmar que não tem dificuldades neste ponto. No entanto, "dez mil dificuladdes não fazem uma dúvida". Sempre existirão os velhos eternos problemas do pecado e do livre arbítrio; mas para quem olhou a fundo nos olhos desta grande Mãe, esses problemas são quase nada. Se nós não sabemos, Ela sabe; mesmo que não revele tudo o que sabe, Ela o sabe; pois em algum lugar lá do seu íntimo, no mais profundo do seu grande coração, está escondida a sabedoria do próprio Deus.

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