3 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

OPÚSCULO II

SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO

7. “E o Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Deus envia o Arcanjo Gabriel a requerer o consentimento de Maria se quer aceitá-lo por filho. Maria dá o seu consentimento e o Verbo divino se faz homem. Ó prodígio que assombra o céu e a natureza: o Verbo feito carne, um Deus feito homem. Que diríamos se víssemos um rei feito verme para salvar com sua morte a vida de um vermezinho da terra? ora, vós, meu Jesus, sois o meu Deus e, não podendo morrer como Deus, vos fizestes homem para poderdes morrer e dar a vida por mim. Meu doce Redentor, como é possível que eu não morra de dor à vista de tantas misericórdias que usastes comigo e de tão grande amor que me haveis demonstrado? Vós descestes do céu para procurar-me, ovelha perdida, e eu tantas vezes vos tenho repelido, preferindo as minhas indignas satisfações. Visto porém, que vós me quereis, eu abandono tudo, quero ser vosso e não quero outra coisa além de vós. Elejo-vos por único objeto de meus afetos: Meu dileto é meu eu sou dele. Vós pensais em mim e eu não quero pensar senão em vós. Fazei sempre que vos ame, e não deixe de vos amar. Porque eu vos amo, contento-me com ficar privado de todas as consolações sensíveis e sofrer todas as penas. Vejo que me quereis todo para vós e eu quero também ser todo vosso. Conheço que tudo o que existe no mundo é mentira, engano, fumaça, futilidade e vaidade. Vós sois o verdadeiro e único bem e por isso vós só me bastais. “Meu Deus, quero a vós somente e nada mais”. Senhor, ouvi-me, quero só a vós e nada mais.

8. “Aniquilou-se a si mesmo” (Fl 2,7). Eis o Unigênito de Deus onipotente, verdadeiro Deus como o Padre, nascido como uma pequena criança em uma gruta. “Ele se aniquilou a si mesmo, tomando a forma de servo e feito semelhante aos homens”. Quem quiser ver um Deus aniquilado, entre na gruta de Belém e aí encontrará como um menino ligado com faixas, sem se poder mover, chorando e tremendo de frio. Ah, santa fé, dizei-me de quem é filho este pobre menino? Ela responde: Ele é Filho de Deus e verdadeiro Deus. E quem o reduziu a esse mísero estado? Foi o amor que ele tem aos homens. E encontrar-se-ão homens que não amem este Deus? Vós, meu Jesus, consumistes vossa vida inteira entre as penas, para fazer-me compreender o amor que me tendes, e eu desperdicei a minha vida, desprezando-vos e desgostando-vos com os meus pecados. Ah, fazei-me conhecer o mal que eu vos fiz e o amor que mereceis. Mas, desde que me haveis suportado até agora, não permitais que eu ainda vos ofenda. Inflamai-me inteiramente de vosso santo amor e recordai-me sempre quanto padecestes por mim, para que eu de hoje em diante me esqueça de tudo e não pense noutra coisa senão em vos amar e dar-vos gosto. Vós viestes à terra para reinar em nossos corações: pois bem, tirai do meu coração tudo o que vos impeça de possuí-lo inteirinho. Fazei que a minha vontade seja toda conforme à vossa e a vossa seja a minha e que ela seja a regra de todas as minhas ações e meus desejos.

9. “Um menino nos foi dado e um filho nos nasceu” (Is 9,6). O fim que teve em vista o Filho de Deus, querendo nascer como uma criança, foi o de dar-se a nós desde sua infância e assim ganhar o nosso amor: Para que fim toma Jesus esta doce e amável condição de menino, pergunta S. Francisco de Sales, senão para excitar-nos e amá-lo e a confiar nele? E já S. Pedro Crisólogo o havia dito: “Quis nascer desta maneira, porque quis ser amado”. Meu caro menino, e meu Salvador, eu vos amo e em vós confio. Vós sois minha esperança e todo o meu amor. E que seria de mim, se não viésseis do céu para me salvar? O inferno seria minha partilha pelas ofensas que vos fiz. Seja bendita a vossa misericórdia, pois estais sempre pronto a perdoar-me se eu me arrepender de meus pecados. Sim, eu me arrependo de todo o meu coração, ó meu Jesus, de vos haver desprezado. Recebei-me na vossa graça e fazei que eu morra a mim mesmo para viver só para vós, meu único bem. Queimai, ó fogo consumidor, em mim, tudo o que desagrada aos vossos olhos e atraí para vós todos os meus afetos. eu vos amo, ó Deus de minha alma, eu vos amo, meu tesouro, minha vida, meu tudo. Eu vos amo e quero expirar dizendo: Meu Deus, eu vos amo, para começar então a amar-vos com amor perfeito que não terá mais fim.

10. Os santos profetas suspiraram durante tantos anos pela vinda de nosso Salvador: “Destilai, ó céus, o vosso orvalho e as nuvens chovam o justo” (Is 45,8). “Enviai o cordeiro que há de dominar a terra” (Is 16,1). “Dai-nos o vosso Salvador” (Sl 84,6). O profeta Isaías dizia: “Oxalá romperas tu os céus e desceras de lá, os montes se derreteriam diante de tua face.... e as águas arderiam em fogo” (Is 64,1-2). Senhor, dizia, quando os homens vos virem descido à terra por seu amor, e derreterão os montes, isto é, os homens vencerão todas as dificuldades para servir-vos, que lhes pareciam ao princípio montes insuperáveis. As águas arderão em fogo, isto é, as almas mais frias, à vista de vós feito homem, se abrasarão no vosso santo amor. E isso se deu de fato com muitas almas felizes, coo S. Teresa, um S. Filipe Néri, um S. Francisco Xavier, que ainda nesta terra se abrasaram neste fogo. Ma quantas são elas? Em verdade, muito poucas. Ah, meu Jesus, eu quero ser do número dessas poucas. Eu deveria já há tantos anos arder no inferno, separado de vós, odiando-vos maldizendo-vos para sempre. Mas vós me suportastes com tanta paciência, para ver-me abrasado, não neste fogo desgraçado, mas no bem-aventurado fogo de vosso amor. Para esse fim me destes tantas luzes e tantos toques do coração, enquanto eu estava longe de vós, enfim tanto fizestes que com vossos doces atrativos me obrigastes a amar-vos. Eis que eu já sou vosso. Eu quero ser sempre vosso e todo vosso. A vós pertence tornar-me fiel e eu o espero com segurança de vossa bondade. Ah, meu Deus, quem terá ainda ânimo de vos abandonar e de viver ainda que seja por um momento sem vosso amor? Eu vos amo, ó meu Jesus, sobre todas as coisas, mas isto é pouco. Amo-vos mais do que a mim mesmo e é ainda pouco. Amo-vos com todo o meu coração, com toda a minha alma e também isso é ainda pouco. Ó meu Jesus, ouvi-me, dai-me mais amor, mais amor. Ó Maria, rogai a Deus por mim.

11. “O desprezado e o último dos homens” (Is 53,3). Eis o que foi a vida do Filho de Deus feito homem: “o último dos homens”; foi tratado como o mais vil e desprezível deles. E a que maior baixeza
poderia reduzir-se a vida de Jesus Cristo do que nascer numa gruta? viver como artífice numa oficina, desconhecido e desprezado? ser preso como réu? flagelado como escravo? esbofeteado, tratado como rei de burla, escarrado na face? e finalmente morrer justiçado como  malfeitor num patíbulo infame? S. Bernardo exclama: “O último e altíssimo”. Ó Deus, sois o senhor de todos e como vos contentais de ser o mais desprezado de todos? E eu, ó meu Jesus, vendo-vos assim humilhado por mim, como pretendo ser estimado e honrado de todos, pecador e soberbo? Ah, meu Redentor desprezado, fazei que pelo vosso exemplo eu ame os desprezos e a vida obscura. De agora em diante, espero com vosso auxílio abraçar todos os opróbrios que me forem feitos, por amor de vós que suportastes tantos por amor de mim. Perdoai-me o orgulho de minha vida passada e dai-me vosso amor. Eu vos amo, meu Jesus desprezado. Ide adiante com vossa cruz, que eu quero acompanhar-vos com a minha e não vos abandonar mais até morrer crucificado por vós, como vós morrestes crucificado por mim. Meu Jesus, meu Jesus desprezado, eu vos abraço e abraçado convosco quero viver e morrer.

12. “Varão das dores” (Is 53,3). Qual foi a vida de Jesus Cristo? vida de dores. Vida cheia de dores internas e externas, desde o começo até ao fim. Mas o que mais afligiu a Jesus Cristo em toda a sua vida foi a vista dos pecados e das ingratidões com que lhe haviam os homens de pagar as penas que ele com tão grande amor sofreu por nós: tal vista fez dele o homem mais aflito que jamais existiu nesta terra. Ó meu Jesus, também eu concorri para vos afligir com os meus pecados, durante toda a vossa vida. E por que não digo com S. Margarida de Cortona que, exortada por seu confessor a tranqüilizar-se e não chorar mais porque Deus já lhe havia perdoado os pecados, respondeu com mais copioso pranto: Ah, meu padre, e como poderei deixar de chorar, se os meus pecados afligiram meu Jesus durante toda a sua vida? Oh! pudesse eu morrer de dor, ó meu Jesus, todas as vezes que me recordo de vos haver causado tantas amarguras nos dias de minha vida! Ai de mim, quantas noites eu dormi privado da vossa graça. Quantas vezes me perdoastes e eu tornei a voltar-vos as costas? Meu caro Senhor, arrependo-me sobre todas as coisas de vos ter ofendido e vos amo de todo o meu coração, amo-vos com toda a minha alma. Ah, não permitais que eu ainda viva separado de vós. Meu dulcíssimo Jesus, não permitais que eu me separe de vós. Meu Jesus, ouvistes-me: não permitais que eu me separe de vós. Fazei que eu antes morra que trair-vos novamente. Ó Mãe da perseverança, Maria, impetrai-me a santa perseverança.

Continua...

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