OPÚSCULO II
SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO
33. “Nele pôs as iniqüidades de nós todos... e o Senhor quis quebrantá-la na sua enfermidade” (Is 53,6-10). Eis aqui até onde chegou o amor de Deus para com os homens. O eterno Padre carregou sobre os ombros de seu próprio Filho todos os nossos pecados e quis que o Filho pagasse com todo o rigor o castigo que merecíamos, fazendo-o morrer sobre um lenho infame, consumido de dores. Tem, pois, o apóstolo razão, falando de tal amor, de chamá-lo excessivo, querendo Deus que nós recebêssemos a vida por meio da morte de seu Filho querido: “Por causa da excessiva caridade com que nos amou, quando estávamos mortos pelos pecados, nos convivificou em Cristo (Ef 2,4-5). Muito, pois, me tendes amado, ó meu Deus, e mui ingrato me tenho mostrado, ofendendo-vos e voltando-vos tantas vezes as contas. Ó eterno Pai, olhai naquela cruz vosso Filho unigênito, dilacerado e morto por mim, e por seu amor perdoai-me e arrebatai o meu coração ao vosso amor. “Senhor, vós não desprezareis um coração contrito e humilhado”. Vós não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende pelo amor de Jesus morto por nossa salvação. Reconheço que mereço mil infernos, mas me arrependo de todo o meu coração de vos ter ofendido, ó sumo bem. Não me repilais, mas tende piedade de mim. Não me contento, porém, com o simples perdão: quero que me concedais um grande amor para convosco, que compense todas as ofensas que vos tenho feito. Eu vos amo, bondade infinita, eu vos amo, ó Deus de amor. Pouco seria se eu morresse e me consumisse por vós. Quereria amar-vos quanto o mereceis. Mas vós sabeis que eu nada posso, fazei-me vós mesmo grato ao grande afeto que me tendes, eu vo-lo peço pelo amor de Jesus, vosso Filho. Fazei que em vida eu supere tudo para vos agradar e na morte esteja todo unido à vossa vontade, para chegar e amar-vos face a face com um amor perfeito e eterno no paraíso.
34. “Eu sou o bom Pastor: o bom pastor dá a sua alma por suas ovelhas” (Jo 10,11). Que dizeis, meu Jesus? que pastor quer dar a vida por suas ovelhas? Só vós, porque sois um Deus de infinito amor, pudestes dizer: “E eu dou a vida por minhas ovelhas”. Só vós pudestes demonstrar no mundo esse excesso de amor, que, sendo nosso Deus e nosso supremo Senhor, quisestes morrer por nós. Desse excesso falavam Moisés e Elias no monte Tabor: “Falavam do excesso que realizaria em Jerusalém” (Lc 9,31). Também S. João nos exorta a amar um Deus que foi o primeiro a amar-nos: “Amemos, pois, a ele, porque Deus nos amou primeiro” (1Jo 4,19). É como se dissesse: se não quisermos amar este Deus por sua infinita bondade, amemo-lo ao menos pelo amor que nos demonstrou, querendo sofrer por nós as penas que nos eram devidas. Recordai-vos, pois, meu caro Jesus, que eu sou uma daquelas vossas ovelhas pelas quais destes a vida. Olhai-me com um daqueles olhares piedosos com que um dia do alto da cruz me olhastes, morrendo por mim: olhai-me, mudai-me e salvai-me. Vós afirmastes ser o pastor amoroso que, encontrando a ovelha perdida, a toma com alegria e a coloca sobre os ombros e chama os amigos para se alegrarem com ele: “Congratulai-vos comigo, porque encontrei a ovelha que havia perdido” (Lc 15,6).. Eis, eu sou a ovelha perdida, buscai-me e carregai-me: “Errei como uma ovelha que se perde; buscai o vosso servo” (Sl 118,176). Se por minha culpa ainda não me encontrastes, prendei-me agora, carregai-me e ligai-me a vós, para que não tresma-lhe mais. O laço deve ser o vosso amor, se não me ligardes com esse doce laço, me perderei de novo. Ah, não fostes vós que deixastes de ligar-me com vosso santo amor, mas fui eu, ingrato, que andei fugindo sempre de vós. Peço-vos, porém, por aquela infinita misericórdia que vos fez descer à terra em busca de mim, ligai-me, mas ligai-me com laço duplo de amor, para que não me percais jamais e eu nunca mais vos perca. Meu amado Redentor, não quero separar-me mais de vós. Renuncio a todo bem e gosto deste mundo e me prontifico a padecer todas as penas, toda a espécie de morte, para que viva sempre e morra ligado a vós. Amo-vos, meu amabilíssimo Jesus, eu vos amo, meu bom pastor, morto por vossa ovelha perdida; ficai sabendo que esta ovelha agora vos ama mais do que a si mesma e não deseja outra coisa que amar-vos e consumir-se por vosso amor. Tende com paixão dela, amai-a e não permitais que se separe jamais de vós.
35. “Eu mesmo ponho a minha vida... Ninguém a toma de mim, porém eu de mim mesmo a entrego” (Jo 10,17-18). Eis, pois, que o Verbo encarnado, arrastado unicamente pelo amor que sente por nós, aceita a morte na cruz, para restituir ao homem a vida que perdera. Eis que um Deus, diz S. Tomás, faz pelo homem o que mais não poderia fazer se o homem fosse o deus dele (para assim falar) e como se Deus, privado do homem, não pudesse ser feliz. Nós pecamos, e pecando merecemos as penas eternas. E que faz Jesus? toma sobre si a obrigação de satisfazer e pagar por nós com seus sofrimentos e sua morte: “Em verdade tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores” (Is 53,4). Ah, meu Jesus, pois que fui a causa de tantas amarguras e tormentos que sofrestes durante a vida na terra, peço-vos que me façais participar da dor que sentistes dos meus pecados e confiar na vossa paixão. Que seria de mim, se vos não houvésseis dignado satisfazer por mim? Ó majestade infinita, arrependo-me de todo o coração de vos ter ultrajado, mas espero de vós compaixão, ó bondade infinita. Aplicai à minha alma, ó Salvador do mundo, o fruto da vossa morte, e de rebelde e ingrato que hei sido, tornai-me vosso filho tão amoroso que não ame senão a vós e nada mais tema senão causar-vos desgosto. Que aquele amor imenso que vos fez morrer por mim, também faça morrer em mim todos os afetos terrenos. Ó meu Jesus, tomai o meu corpo, para que ele só me sirva para vos obedecer, tomai o eu coração para que ele só um desejo tenha, o de vos agradar; tomai a minha vontade, para que ela não queira senão o que vós quereis. Eu vos abraço e aperto ao meu coração, meu Redentor; não vos dedigneis de vos unir a mim. Eu vos amo, ó Deus de amor, eu vos amo, meu único bem. E quem terá coração capaz de vos abandonar, depois de me haverdes feito conhecer quanto me tendes amado e quanta misericórdia usastes comigo, mudando os castigos que me eram devidos em graças e finezas? Ó Virgem santa, alcançai-me a graça de me mostrar grato a vosso Filho.
36. “Destruindo o quirógrafo do decreto que existia contra nós, ele o pôs de lado, pregando-o na cruz” (Cl 2,14). Já estava escrita contra nós a sentença que nos condenava à morte eterna como rebeldes contra a divina Majestade. E que fez Jesus Cristo? Com seu sangue apagou a escritura da condenação e para livrar-nos de todo o temor afixou-a à sua cruz, na qual morreu para satisfazer por nós a justiça divina. Considera, minha alma, a obrigação de contraíste para com este teu Redentor e ouve o que te diz o Espírito Santo: “Não te esqueças da graça que te fez teu fiador” (Eclo 29,20). Quando, pois, te recordares de teus pecados, olha para a cruz e confia: olha para aquele lenho sagrado, tinto com o sangue do Cordeiro de Deus, sacrificado por teu amor, e espera e ama o Deus que tanto te amou. Sim, meu Jesus, eu tudo espero da bondade infinita que sois vós. É próprio de vossa natureza divina pagar o mal com o bem a quem, tendo-se emendado de suas culpas, se arrepende de as haver cometido e vos ama. Sim, meu amado Redentor, o que me dói acima de todos os males é haver desprezado a vossa bondade. Ferido por vosso amor, eu vos amo e desejo comprazer-vos em tudo que for de vosso agrado. Miserável que sou! quando eu estava em pecado, era escravo do demônio e ele era meu senhor. Agora, espero estar na vossa graça, sede vós só, meu Jesus, meu único Senhor e meu único amor. Tomai posse de mim, possuí-me inteiramente, pois eu quero ser só vosso e todo vosso. Não, eu não quero mais esquecer-me dos tormentos que sofrestes por mim, para inflamar-me cada vez mais e crescer no vosso amor. Eu vos amo, meu amabilíssimo Redentor, eu vos amo, ó Verbo encarnado, meu tesouro, meu tudo, eu vos amo, eu vos amo.
37. “Se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2,1- 2). Oh! quanta confiança não inspiram estas palavras aos pecadores arrependidos! Jesus Cristo, no céu, está fazendo o ofício de advogado deles e lhes obtendo com segurança o perdão. Quando um pecador escapa de suas cadeias, o demônio o tenta desconfiar do perdão. S. Paulo, porém, o anima, dizendo: “Quem é que nos condenará? Jesus Cristo, que morreu... e que também intercede por nós” (Rm 8,34). O Apóstolo quer dizer: se nós detestarmos os pecados cometidos, por que havemos de temer? Quem é que nos há de condenar? Jesus Cristo, o mesmo que morreu para não nos condenar e presentemente está no céu e nos defende. E continua a dizer: “Quem, pois, nos separará da caridade de Cristo?” como se dissesse: Depois de termos sido perdoados por Jesus Cristo e recebidos na sua graça, quem terá mais coragem para voltar-lhe as costas e separar-se de seu amor? Não, ó meu Jesus, não quero mais viver separado de vós e privado de vosso amor. Deploro aqueles dias infelizes que vivi sem a vossa graça. Espero que já me tenhais perdoado, pois eu vos amo e vós me amais. Vós, porém, me amais com um amor imenso e eu vos amo tão pouco: dai-me mais amor. Ó bondade infinita, eu me arrependo sobre todas as coisas de vos haver assim maltratado no passado; agora, porém, amo-vos sobre todas as coisas, amo-vos mais do que a mim mesmo e me comprazo mais, ó meu Deus, em saber que sois infinitamente feliz do que com toda a minha felicidade própria, porque amo mais a vós, que mereceis um amor infinito, do que a mim, que só mereço o inferno. Jesus, eu não quero outra coisa de vós senão vós mesmo.
38. “Vinde a mim vós todos que trabalhais e estais sobrecarregados, que eu vos aliviarei” (Mt 11,28). Ouçamos a Jesus Cristo, que da cruz na qual está pregado e do altar permanece sacramentado nos chama a nós, pobres e aflitos pecadores, para nos consolar e enriquecer com suas graças. Oh! que dois grandes mistérios de esperança e de amor são para nós a paixão de Jesus e o sacramento da Eucaristia; mistérios que seriam inaceitáveis se a fé não nos desse certeza. Um Deus querer derramar todo o seu sangue até à última gota (o que significa a palavra: será derramado — Mt 26,28) e por quê? para pagar pelos nossos pecados. E querer ainda dar em alimento às nossas almas esse mesmo corpo que fora sacrificado na cruz para nossa salvação. Estes grandes mistérios deveriam enternecer os corações mais duros e abrandar os pecadores mais desprezados. Diz em suma o Apóstolo que “fomos enriquecidos em todas as coisas nele... de modo que nada nos falta em graça alguma” (1Cor 1,5-7). Basta que invoquemos este Deus, para que use de misericórdia conosco, que ele encherá de graças cada um que lhe peça, como nos assegura o mesmo Apóstolo: “Ele é rico para com todos que o invocam” (Rm 10,12). Logo, meu divino Salvador, se eu tenho motivo de desesperar do perdão das ofensas e traições que vos fiz, tenho muito mais motivo de confiar na vossa bondade. Meu Pai, eu vos abandonei qual filho ingrato, agora eu me volto para vossos pés, contrito e enternecido por tanta misericórdia usada para comigo, e humilhado vos digo: “Pai, eu não sou digno de ser chamado vosso filho.” Vós dissestes que há festa no paraíso quando um pecador se converte (Lc 15,7). Eis que eu abandono tudo e me volto para vós, meu Pai crucificado; eu me arrependo de todo o meu coração de vos haver perdido o respeito, voltando-vos as costas. Recebei-me novamente na vossa graça e inflamai-me no vosso santo amor, para que nunca mais vos abandone. Vós dissestes: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, eu não só espero de vós a graça que eu já possuía antes de vos ofender, mas uma abundância de graça que me transforme todo em fogo para vos amar. Oh! pudesse eu amar-vos, ó meu Deus, quanto mereceis! Eu vos amo sobre todas as coisas, eu vos amo mais do que a mim mesmo, eu vos amo com todo o meu coração e desejo o céu para amar-vos eternamente: “Pois que tenho eu no céu e fora de ti, que desejei eu sobre a terra? Deus, para sempre” (Sl 72,25-26). Ah, Deus de meu coração, tomai e conservai a posse de todo o meu coração e arrancai dele todo o afeto que não for para vós. Vós sois o único tesouro, meu único amor. Eu só quero a vós e nada mais. Ó Maria, minha esperança, atraí-me todo a Deus com as vossas súplicas. Amém.
Encerrada!
7 de março de 2024
A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus
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