Chegamos à crucifixão.
1. Foi revelado a S. Brígida que quando o Salvador se viu estendido na cruz, colocou por si mesmo a mão direita no lugar em que devia ser cravada (Revel. 1. 7, c. 15). Em seguida cravaram-lhe a outra mão e depois os sagrados pés e deixou-se Jesus Cristo morrer nesse leito de dor. Diz S. Agostinho que o suplício da cruz era um tomento acerbíssimo, porque na cruz, “se protraía a morte para que a dor não tivesse logo termo” (In Jo. trat. 36). Ó Deus, que assombro havia de causar ao céu ver o Filho do eterno Padre crucificado entre dois ladrões. Já Isaías o havia profetizado: “E ele foi posto no número dos malfeitores” (Is 53,12). S. João Crisóstomo, considerando Jesus na cruz, exclama cheio de admiração e amor: Vejo-o como médio no céu entre o Pai e o Espírito Santo; vejo-o no monte Tabor entre dois santos, Moisés e Elias, e como pois vê-lo crucificado no Calvário entre dois ladrões? Mas assim devia ser, porque, segundo o decreto divino, ele devia morrer para satisfazer com sua morte os pecados dos homens e salvá-los, conforme o predissera Isaías: “E foi reputado como malfeitor e carregou com os pecados de muitos” (53,12). Pergunta o mesmo profeta: “Quem é este que vem de Edom, de Bosra, cm as vestes tintas?” (Is 63,1) este formoso em seu traje que caminha na multidão de sua fortaleza? (Is 63,1). Quem é este homem tão belo e forte que vem de Edom com as vestes tintas de sangue? Edom significa a cor vermelha, algum tanto escura como se depreende do Gênesis (25,30). E lhe responde: “Eu sou o que falo a justiça e que combato para salvar” (Is 63,1). Quem assim responde, como explicam os intérpretes, é Jesus Cristo, que diz: Eu sou o Messias prometido, que vim para salvar os homens, triunfando de seus inimigos.
2. Em seguida vem de novo a mesma interrogação: “Por que é vermelha a tua veste e as tuas roupas como as dos que pisam num lagar?” (Is 63,2); e responde-se: “Eu sozinho calquei o lagar e das gentes não há um só homem comigo” (63,3).Tertuliano, S. Cipriano e S. Agostinho tomam o lagar pela paixão de Jesus Cristo, na qual as suas vestes (i. é, suas carnes sacrossantas) ficaram ensangüentadas, como escreve S. João: “E estava vestido com uma veste tingida de sangue e seu nome é Verbo de Deus” (Ap 19,13). S. Gregório, explicando esta palavra “Eu sozinho calquei o lagar”, escreve: O lagar em que foi pisado e calcou ao mesmo tempo (Hom. 13 in Eseq.). Diz calcou, porque Jesus Cristo com sua paixão venceu os demônios. diz-se foi pisado, porque na paixão seu corpo foi esmagado e pisado como se faz com as uvas no lagar, conforme um outro testemunho de Isaías, que diz: “E o Senhor quis esmagá-lo em sua enfermidade” (Is 53,10).
Sem beleza nem forma.
1. E eis que o Senhor, que era o mais formoso dos homens (Sl 44,3), aparece no Calvário tão disforme pelos tormentos que causa horror a quem o vê. Essa deformidade, porém, o faz aparecer mais belo ainda aos olhos das almas que o amam, já que aquelas chagas, aquelas pisaduras, aquelas carnes dilaceradas são provas e sinais do amor que ele nos tem, coo delicadamente cantou Petrucci: “Por nós como réu e flagelado apareceis e aspecto tão disforme e feio ofereceis; tanto mais belo, porém, e doce vos aclamam os corações amantes que por vós clamam”. Ajunta S. Agostinho: “Ele pendia disforme, na cruz, mas a sua deformidade constituía a nossa beleza (Serm. 22 de verb. Ap.). Sim, porque aquela deformidade de Jesus crucificado foi a causa da beleza de nossas almas que, até então disformes, lavadas no seu precioso sangue, tornaram-se graciosas e belas, segundo o que escreve S. João: “Esses que estão revestidos de estolas brancas, quem são e donde vieram? São os que vieram de uma grande tribulação e lavaram as suas vestes e as embranqueceram no sangue do Cordeiro” (Ap 7,13). Todos os santos como filhos de Adão (exceto a Santíssima Virgem) estiveram por algum tempo recobertos com uma veste sórdida, mas lavadas com o sangue do Cordeiro tornaram-se cândidas e agradáveis a Deus.
2. Ó meu Jesus, vós dissestes que, quando exaltado na cruz, haveríeis de atrair tudo a vós (Jo 12,32 e 33).Vós, realmente, nunca deixastes de conquistar o afetos de todos os corações: E já muitíssimas almas felizes, vendo-vos crucificado e morto por seu amor, abandonaram tudo, posses, dignidades, pátria e parentes, chegando até a abraçar os tormentos e a morte, para se entregarem inteiramente a vós. Infelizes daqueles que resistem à vossa graça, que lhes obtivestes com tantas fadigas e dores. Ó Deus, será esse seu maior tormento no inferno, pensar que tiveram um Deus que para ganhar seu amor deu sua vida por eles na cruz e que eles quiseram perder-se de livre vontade e que não haverá mais remédio para eles por toda a eternidade. Ah, meu Redentor, eu já mereci cair nessa desgraça pelas ofensas que vos fiz. Quantas vezes eu resisti à vossa graça que procurava atrair-me a vós e para seguir as minhas inclinações desprezei o vosso amor e voltei-vos as costas. Oh! tivesse morrido antes de ofender-vos. Oh! se sempre vos tivesse amado! Agradeço-vos, meu amor, que me suportastes com tanta paciência e que em vez de abandonar-me, como eu merecia, duplicastes os convites e me cumulastes de luzes e impulsos amorosos. “Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor”. Não deixeis, meu Salvador e minha esperança, de continuar a atrair-me e a cumular-me de vossas graças, para que no céu eu possa vos amar com mais fervor, pensando em tantas misericórdias de que fui objeto depois de tantos desgostos que vos causei: Tudo espero daquele sangue precioso que derramastes por mim e daquela morte tão dolorosa que por mim sofrestes. Ó Santíssima Virgem Maria, protegei-me e rogai a Jesus por mim.
Jesus na cruz.
1. Jesus na cruz foi um espetáculo que encheu de admiração o céu e a terra: ver um Deus onipotente, senhor de tudo, morrer num patíbulo infame, condenado como um celerado entre dois malfeitores. Foi esse um espetáculo da justiça, vendo o Padre eterno, que para satisfazer a sua justiça pune os pecados dos homens na pessoa de seu Filho unigênito, que lhe era tão caro como sua própria pessoa. Foi um espetáculo principalmente de amor ver um Deus que oferece e dá a vida para remir da morte os escravos seus inimigos. Esse espetáculo foi e será sempre o objeto mais caro da contemplação dos santos, pelo qual desprezaram a se despojaram de todos os bens e prazeres da terra e abraçaram com afã a alegria as penas e a morte, para mostrar de algum modo sua gratidão a um Deus que morreu por seu amor. Confortados com a vista de Jesus desprezado na cruz, os santos amaram os desprezos mais do que os mundanos prezam todas as honras do mundo. Vendo Jesus morrer nu na cruz, procuraram abandonar todos os bens da terra. Vendo-o todo coberto de chagas sobre a cruz, escorrendo sangue de todos os seus membros, abominaram todos os prazeres sensuais e procuraram o mais possível crucificar a sua carne para acompanhar com suas dores as dores do Crucifixo. Vendo a obediência e a uniformidade da vontade de Jesus com a de seu Pai, esforçaram-se por vencer todos os apetites que não eram conformes à vontade divina e muitos, ainda que ocupados em obras de piedade, sabendo que o privar-se da própria vontade é o sacrifício mais grato ao coração de Deus, procuraram entrar em determinada Ordem Religiosa, para levar uma vida de obediência e submeter a vontade própria à dos outros. Vendo a paciência de Jesus Cristo em querer sofrer tantas penas e opróbrios por nosso amor, aceitaram em paz e com alegria as injúrias, as enfermidades, as perseguições e os tormentos dos tiranos. Vendo, finalmente, o amor que Jesus Cristo lhes demonstrou, sacrificando por nós sua vida sobre a cruz, sacrificaram a Jesus tudo quanto possuíam, bens, prazeres, honras e vida.
2. Como é então possível que tantos outros cristãos, ainda que saibam pela fé que Jesus Cristo morreu por seu amor, em vez de dedicar-se a seu serviço e amor, se empenham em ofendê-lo e desprezá-lo por prazeres breves e miseráveis? Donde nasce tão grande ingratidão? Provém do esquecimento da paixão e morte de Jesus Cristo. Mas, ó Deus, qual será o seu remorso e vergonha no dia do juízo, quando o Senhor lhes lançar em face quanto fez e padeceu por eles? Não deixemos nós de ter sempre diante dos olhos, almas piedosas, a Jesus crucificado que morre entre tantas dores e ignomínias por nosso amor. Todos os santos receberam da paixão de Jesus Cristo aquelas chamas de caridade, que os levaram a despojar-se de todos os bens deste mundo e até de si mesmos, para se entregar exclusivamente ao amor e serviço desse divino Salvador, que, enamorado dos homens, não podia fazer mais do que fez para ser amado por eles. A cruz, isto é, a paixão de Jesus Cristo, é que obterá a vitória sobre todas as nossas paixões e sobre todas as tentações que nos suscitará o inferno para nos separar de Deus. A cruz é o caminho, a escada para subir ao céu. Bem-aventurado quem a abraçar em vida e não a deixar senão na morte. Quem morre abraçando a cruz tem um penhor seguro da vida eterna, a qual já foi prometida a todos os que com ela seguem a Jesus crucificado. Meu Jesus crucificado, vós, para vos fazer amar dos homens, nada poupastes, chegando até a dar a vossa vida com uma morte tão dolorosa. Como então esses homens que amam seus parentes, seus amigos e até os animais, dos quais recebem qualquer sinal de afeição, são tão ingratos convosco, que por bens miseráveis e vãos desprezam a vossa graça e o vosso amor? Ah, infeliz de mim, eu sou um desses ingratos, que por uma ninharia renunciei à vossa amizade e vos dei as costas. Mereceria ser lançado de vossa face, como eu vos expulsei da minha. Mas eu percebo que continuais a pedir-me o meu amor. “Amarás o Senhor teu Deus”. Sim, meu Jesus, desde que desejais que eu vos ame e me ofereceis o perdão, eu renuncio a todas as criaturas e de hoje em diante não quero amar senão a vós só, meu Criador e meu Redentor. Vós sereis o único amor de minha alma. Ó Maria, Mãe de Deus, e refúgio dos pecadores, rogai por mim, obtende-me a graça de amar a Deus e nada mais vos suplico.
1. Foi revelado a S. Brígida que quando o Salvador se viu estendido na cruz, colocou por si mesmo a mão direita no lugar em que devia ser cravada (Revel. 1. 7, c. 15). Em seguida cravaram-lhe a outra mão e depois os sagrados pés e deixou-se Jesus Cristo morrer nesse leito de dor. Diz S. Agostinho que o suplício da cruz era um tomento acerbíssimo, porque na cruz, “se protraía a morte para que a dor não tivesse logo termo” (In Jo. trat. 36). Ó Deus, que assombro havia de causar ao céu ver o Filho do eterno Padre crucificado entre dois ladrões. Já Isaías o havia profetizado: “E ele foi posto no número dos malfeitores” (Is 53,12). S. João Crisóstomo, considerando Jesus na cruz, exclama cheio de admiração e amor: Vejo-o como médio no céu entre o Pai e o Espírito Santo; vejo-o no monte Tabor entre dois santos, Moisés e Elias, e como pois vê-lo crucificado no Calvário entre dois ladrões? Mas assim devia ser, porque, segundo o decreto divino, ele devia morrer para satisfazer com sua morte os pecados dos homens e salvá-los, conforme o predissera Isaías: “E foi reputado como malfeitor e carregou com os pecados de muitos” (53,12). Pergunta o mesmo profeta: “Quem é este que vem de Edom, de Bosra, cm as vestes tintas?” (Is 63,1) este formoso em seu traje que caminha na multidão de sua fortaleza? (Is 63,1). Quem é este homem tão belo e forte que vem de Edom com as vestes tintas de sangue? Edom significa a cor vermelha, algum tanto escura como se depreende do Gênesis (25,30). E lhe responde: “Eu sou o que falo a justiça e que combato para salvar” (Is 63,1). Quem assim responde, como explicam os intérpretes, é Jesus Cristo, que diz: Eu sou o Messias prometido, que vim para salvar os homens, triunfando de seus inimigos.
2. Em seguida vem de novo a mesma interrogação: “Por que é vermelha a tua veste e as tuas roupas como as dos que pisam num lagar?” (Is 63,2); e responde-se: “Eu sozinho calquei o lagar e das gentes não há um só homem comigo” (63,3).Tertuliano, S. Cipriano e S. Agostinho tomam o lagar pela paixão de Jesus Cristo, na qual as suas vestes (i. é, suas carnes sacrossantas) ficaram ensangüentadas, como escreve S. João: “E estava vestido com uma veste tingida de sangue e seu nome é Verbo de Deus” (Ap 19,13). S. Gregório, explicando esta palavra “Eu sozinho calquei o lagar”, escreve: O lagar em que foi pisado e calcou ao mesmo tempo (Hom. 13 in Eseq.). Diz calcou, porque Jesus Cristo com sua paixão venceu os demônios. diz-se foi pisado, porque na paixão seu corpo foi esmagado e pisado como se faz com as uvas no lagar, conforme um outro testemunho de Isaías, que diz: “E o Senhor quis esmagá-lo em sua enfermidade” (Is 53,10).
Sem beleza nem forma.
1. E eis que o Senhor, que era o mais formoso dos homens (Sl 44,3), aparece no Calvário tão disforme pelos tormentos que causa horror a quem o vê. Essa deformidade, porém, o faz aparecer mais belo ainda aos olhos das almas que o amam, já que aquelas chagas, aquelas pisaduras, aquelas carnes dilaceradas são provas e sinais do amor que ele nos tem, coo delicadamente cantou Petrucci: “Por nós como réu e flagelado apareceis e aspecto tão disforme e feio ofereceis; tanto mais belo, porém, e doce vos aclamam os corações amantes que por vós clamam”. Ajunta S. Agostinho: “Ele pendia disforme, na cruz, mas a sua deformidade constituía a nossa beleza (Serm. 22 de verb. Ap.). Sim, porque aquela deformidade de Jesus crucificado foi a causa da beleza de nossas almas que, até então disformes, lavadas no seu precioso sangue, tornaram-se graciosas e belas, segundo o que escreve S. João: “Esses que estão revestidos de estolas brancas, quem são e donde vieram? São os que vieram de uma grande tribulação e lavaram as suas vestes e as embranqueceram no sangue do Cordeiro” (Ap 7,13). Todos os santos como filhos de Adão (exceto a Santíssima Virgem) estiveram por algum tempo recobertos com uma veste sórdida, mas lavadas com o sangue do Cordeiro tornaram-se cândidas e agradáveis a Deus.
2. Ó meu Jesus, vós dissestes que, quando exaltado na cruz, haveríeis de atrair tudo a vós (Jo 12,32 e 33).Vós, realmente, nunca deixastes de conquistar o afetos de todos os corações: E já muitíssimas almas felizes, vendo-vos crucificado e morto por seu amor, abandonaram tudo, posses, dignidades, pátria e parentes, chegando até a abraçar os tormentos e a morte, para se entregarem inteiramente a vós. Infelizes daqueles que resistem à vossa graça, que lhes obtivestes com tantas fadigas e dores. Ó Deus, será esse seu maior tormento no inferno, pensar que tiveram um Deus que para ganhar seu amor deu sua vida por eles na cruz e que eles quiseram perder-se de livre vontade e que não haverá mais remédio para eles por toda a eternidade. Ah, meu Redentor, eu já mereci cair nessa desgraça pelas ofensas que vos fiz. Quantas vezes eu resisti à vossa graça que procurava atrair-me a vós e para seguir as minhas inclinações desprezei o vosso amor e voltei-vos as costas. Oh! tivesse morrido antes de ofender-vos. Oh! se sempre vos tivesse amado! Agradeço-vos, meu amor, que me suportastes com tanta paciência e que em vez de abandonar-me, como eu merecia, duplicastes os convites e me cumulastes de luzes e impulsos amorosos. “Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor”. Não deixeis, meu Salvador e minha esperança, de continuar a atrair-me e a cumular-me de vossas graças, para que no céu eu possa vos amar com mais fervor, pensando em tantas misericórdias de que fui objeto depois de tantos desgostos que vos causei: Tudo espero daquele sangue precioso que derramastes por mim e daquela morte tão dolorosa que por mim sofrestes. Ó Santíssima Virgem Maria, protegei-me e rogai a Jesus por mim.
Jesus na cruz.
1. Jesus na cruz foi um espetáculo que encheu de admiração o céu e a terra: ver um Deus onipotente, senhor de tudo, morrer num patíbulo infame, condenado como um celerado entre dois malfeitores. Foi esse um espetáculo da justiça, vendo o Padre eterno, que para satisfazer a sua justiça pune os pecados dos homens na pessoa de seu Filho unigênito, que lhe era tão caro como sua própria pessoa. Foi um espetáculo principalmente de amor ver um Deus que oferece e dá a vida para remir da morte os escravos seus inimigos. Esse espetáculo foi e será sempre o objeto mais caro da contemplação dos santos, pelo qual desprezaram a se despojaram de todos os bens e prazeres da terra e abraçaram com afã a alegria as penas e a morte, para mostrar de algum modo sua gratidão a um Deus que morreu por seu amor. Confortados com a vista de Jesus desprezado na cruz, os santos amaram os desprezos mais do que os mundanos prezam todas as honras do mundo. Vendo Jesus morrer nu na cruz, procuraram abandonar todos os bens da terra. Vendo-o todo coberto de chagas sobre a cruz, escorrendo sangue de todos os seus membros, abominaram todos os prazeres sensuais e procuraram o mais possível crucificar a sua carne para acompanhar com suas dores as dores do Crucifixo. Vendo a obediência e a uniformidade da vontade de Jesus com a de seu Pai, esforçaram-se por vencer todos os apetites que não eram conformes à vontade divina e muitos, ainda que ocupados em obras de piedade, sabendo que o privar-se da própria vontade é o sacrifício mais grato ao coração de Deus, procuraram entrar em determinada Ordem Religiosa, para levar uma vida de obediência e submeter a vontade própria à dos outros. Vendo a paciência de Jesus Cristo em querer sofrer tantas penas e opróbrios por nosso amor, aceitaram em paz e com alegria as injúrias, as enfermidades, as perseguições e os tormentos dos tiranos. Vendo, finalmente, o amor que Jesus Cristo lhes demonstrou, sacrificando por nós sua vida sobre a cruz, sacrificaram a Jesus tudo quanto possuíam, bens, prazeres, honras e vida.
2. Como é então possível que tantos outros cristãos, ainda que saibam pela fé que Jesus Cristo morreu por seu amor, em vez de dedicar-se a seu serviço e amor, se empenham em ofendê-lo e desprezá-lo por prazeres breves e miseráveis? Donde nasce tão grande ingratidão? Provém do esquecimento da paixão e morte de Jesus Cristo. Mas, ó Deus, qual será o seu remorso e vergonha no dia do juízo, quando o Senhor lhes lançar em face quanto fez e padeceu por eles? Não deixemos nós de ter sempre diante dos olhos, almas piedosas, a Jesus crucificado que morre entre tantas dores e ignomínias por nosso amor. Todos os santos receberam da paixão de Jesus Cristo aquelas chamas de caridade, que os levaram a despojar-se de todos os bens deste mundo e até de si mesmos, para se entregar exclusivamente ao amor e serviço desse divino Salvador, que, enamorado dos homens, não podia fazer mais do que fez para ser amado por eles. A cruz, isto é, a paixão de Jesus Cristo, é que obterá a vitória sobre todas as nossas paixões e sobre todas as tentações que nos suscitará o inferno para nos separar de Deus. A cruz é o caminho, a escada para subir ao céu. Bem-aventurado quem a abraçar em vida e não a deixar senão na morte. Quem morre abraçando a cruz tem um penhor seguro da vida eterna, a qual já foi prometida a todos os que com ela seguem a Jesus crucificado. Meu Jesus crucificado, vós, para vos fazer amar dos homens, nada poupastes, chegando até a dar a vossa vida com uma morte tão dolorosa. Como então esses homens que amam seus parentes, seus amigos e até os animais, dos quais recebem qualquer sinal de afeição, são tão ingratos convosco, que por bens miseráveis e vãos desprezam a vossa graça e o vosso amor? Ah, infeliz de mim, eu sou um desses ingratos, que por uma ninharia renunciei à vossa amizade e vos dei as costas. Mereceria ser lançado de vossa face, como eu vos expulsei da minha. Mas eu percebo que continuais a pedir-me o meu amor. “Amarás o Senhor teu Deus”. Sim, meu Jesus, desde que desejais que eu vos ame e me ofereceis o perdão, eu renuncio a todas as criaturas e de hoje em diante não quero amar senão a vós só, meu Criador e meu Redentor. Vós sereis o único amor de minha alma. Ó Maria, Mãe de Deus, e refúgio dos pecadores, rogai por mim, obtende-me a graça de amar a Deus e nada mais vos suplico.
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