28 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

Rei dos mártires.
1. S. Ambrósio, falando da paixão de nosso Senhor, escreve que Jesus, nas dores que por nós sofreu, “teve êmulos; nunca, porém, imitadores” (In Lc 22). Procuraram os santos imitar Jesus Cristo nos sofrimentos, para se tornarem semelhantes a ele, mas qual deles chegou a igualá-lo nos seus tormentos? Ele certamente padeceu por nós mais do que todos os penitentes, todos os anacoretas e todos os mártires, pois Deus o encarregou de satisfazer por todos os pecados dos homens ao rigor de sua divina justiça: “E o Senhor pôs sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,2). S. Pedro diz que Jesus “carregou
com os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro” (1Pd 2,24) e S. Tomás escreve que Jesus Cristo ao remir-nos não só teve em vista a virtude e o mérito infinito que possuíam as suas dores, mas quis também sofrer uma dor que bastasse para satisfazer plenamente e com rigor por todos os pecados do gênero humano (III q. 46, a. 6). E S. Boaventura: “Quis sofrer tanta dor como se tivesse feito todos os pecados”! O próprio Deus soube agravar as penas de Jesus que elas fosse proporcionadas ao inteiro pagamento de todas as nossas dívidas, com o que combina o dito de Isaías: “E o Senhor quis triturá-lo na sua enfermidade” (Is 53,10). “Pelo que se lê na vida dos santos mártires, parece que alguns deles sofreram dores mais acerbas que Jesus Cristo. Mas S. Boaventura diz que as dores de mártir algum poderão ser comparadas em vivacidade às do nosso Salvador, que foram as maiores possíveis na vida presente” (De pass. Cti.). O mesmo é confirmado por S. Tomás. “As dores de Cristo foram as maiores possíveis na vida presente” (III q. 46, a. 6). E S. Lourenço Justiniano diz que Nosso Senhor em cada tormento que sofreu, em razão da acerbidade da dor, experimentou todos os suplícios dos mártires (De agon. Cti.). Tudo isso já o predissera em poucas palavras o rei Davi, quando, falando da pessoa de Cristo, dizia: “Sobre mim se desfechou o teu furor... Sobre mim passaram as tuas iras (Sl 87,8-17). Assim toda a ira divina concebida contra os nossos pecados foi descarregada sobre a pessoa de Jesus Cristo, tornando-se claro o que dele diz o Apóstolo: “Fez-se por nós maldito” (Gl 3,13).
2. Até agora temos falado senão unicamente das dores externas de Jesus Cristo. Mas quem poderá explanar as suas dores internas, que sobrepujaram mil vezes as externas? Essas penas internas foram tão acerbas, que no horto de Getsêmani o fizeram suar sangue de todo o seu corpo e afirmar que bastavam para dar-lhe a morte: “Triste está a minha alma até à morte” (Mt 26,38). E se essa tristeza era suficiente para matá-lo, por que não morre? Porque ele mesmo impede a morte, responde S. Tomás, querendo conservar a vida para poder sacrificá-la pouco depois do patíbulo da cruz. Essa tristeza do horto afligiu tão dolorosamente a Jesus Cristo, porque ele a suportou durante sua vida inteira, visto que desde que começou a viver teve sempre diante dos olhos os motivos de sua dor interna. Entre esses motivos, o mais doloroso foi-lhe ver a ingratidão dos homens ao amor que lhes testemunhava na sua paixão. Apesar de aparecer no horto um anjo a confortá-lo, segundo S. Lucas (22,43), contudo esse conforto em vez de aliviar-lhe a pena mais a acerbou. “O conforto não diminuiu, mas aumentou a dor”, diz o Ven. Beda. O anjo o confortou a padecer com mais ânimo pela salvação do homem, representando-lhe a grandeza do fruto de sua paixão, mas não lhe diminuiu a grandeza da dor. Imediatamente depois da aparição do anjo, escreve o evangelista, Jesus entrou em agonia e suou sangue em abundância, chegando a molhar a terra. (Lc 22,43 e 44). S. Boaventura afirma que a dor de Jesus chegou ao auge, de
maneira que o aflito Senhor ao ver as penas que devia sofrer no fim de sua vida ficou tão espavorido que suplicou a seu Pai que o livrasse desse tormento: “Meu Pai, se for possível, passe de mim este cálice” (Mt 26,39). Isso ele o diz não para se ver livre de tal pena, já que ele se oferecera a sofrê-la espontaneamente: “Foi oferecido porque ele mesmo o quis”, mas para nos fazer compreender a angústia que sentia, submetendo-se a essa morte tão dolorosa para os sentidos. Seguindo, porém, a razão, ele, tanto para secundar a vontade do Pai, como para obter-nos a salvação que tanto desejava, ajuntou imediatamente: “Contudo não se faça como eu quero, mas como vós o quereis”. E continuou a rezar assim e a resignar-se: “E rezou pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras” (Mt 26,39 e 44).

A vítima.
1. Mas sigamos as predições de Isaías. Ele predisse as bofetadas, as punhadas, os escarros e outros maus tratos que Jesus sofreu na noite que precedeu a sua morte, por meio dos carrascos que o conservaram preso no palácio de Caifás para conduzi-lo na manhã seguinte a Pilatos, a fim de o condenar à morte de cruz: “Eu entreguei o meu corpo aos que me feriam e as minhas faces aos que me arrancavam cabelos da barba; não virei o meu rosto dos que me afrontavam e cuspiam em mim” (Is 50,6). Esses maus tratos foram descritos por S. Marcos, que ajunta que esses algozes, tratando Jesus de falso profeta, escarneceram-no, cobrindo-lhe a face com um pano, dando-lhe punhadas e bofetadas e o importunavam a que profetizasse quem lhe havia batido (Mc 14,65). Continuando, Isaías fala da morte de Jesus: “Será levado à morte como uma ovelha ao matadouro” (53,7). Lê-se nos Atos dos Apóstolos (8,32) que o eunuco da rainha Candace, lendo esse passo, perguntou a S. Filipe de quem se entendiam essas palavras e o santo explicou-lhe todo o mistério da redenção, operado por Jesus Cristo. O eunuco então por Deus iluminado quis ser batizado imediatamente. Isaías prediz em seguida o grande fruto que recolheria o mundo da morte do Salvador, devendo ela produzir espiritualmente muitos santos: “Se tiver dado sua alma pelo pecado, verá a sua descendência perdurável... com sua ciência, aquele mesmo justo, meu servo, justificará a muitos (53,10 e 11).
2. Davi também predisse outras circunstâncias mais particulares da paixão de Jesus, especialmente no salmo 21. Aí, afirmou que deveria ter as mãos e os pés atravessados por cravos, podendo-se contar todos os seus ossos (21,18 e 19).Predisse que antes de ser crucificado lhe arrancariam as vestes, que seriam distribuídas entre os carnífices: isso quanto às vestes exteriores, porque a interior, que era inconsútil, deveria ser posta em sorte (v. 19). Essa profecia foi relatada por S. Mateus (c. 27 v. 35) e S. João (c. 19 v. 23). O que escreve S. Mateus das blasfêmias e zombarias dos judeus contra Jesus pregado
na cruz: “E os que passavam por ali o blasfemavam, movendo suas cabeças e dizendo: Ah, tu que destróis o templo de Deus e em três dias o reedificas! salva-te a ti mesmo; se és o Filho de Deus, desce da cruz!” Do mesmo modo também os príncipes dos sacerdotes, escarnecendo com os escribas e anciãos, diziam: Salvou a outros e a si mesmo não se pode salvar; se é o rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos nele. Confiou em Deus, livre-o agora se o ama, pois disse: “Que sou o Filho de Deus” (Mt 27,39 a 43), já Davi havia predito com estas palavras: “Todos os que me viam escarneciam de mim, falavam com os lábios e menearam com a cabeça. Esperou no Senhor, livre-o, salve-o se é que o ama” (Sl 21,8-9).

Abandonado por todos.
1. Predisse ainda Davi o grande tormento que Jesus deveria sofrer na cruz, vendo-se abandonado de todos e até de seus discípulos, afora S. João e a Santíssima Virgem. Esta mãe amorosa com suas presença não diminuía a pena do Filho, mas antes a aumentava, em razão da compaixão que sentia Jesus, vendo-a tão aflita, por causa de sua morte. E assim é que o pobre Senhor nas angústias de sua morte não teve quem o consolasse, o que já foram profetizado por Davi: “Esperei que alguém se entristecesse comigo e ninguém apareceu e esperei que alguém me consolasse e não o achei” (Sl 68,21). Mas a maior pena de nosso atribulado Redentor foi a de ver-se abandonado até por seu eterno Pai, exclamando então, como já previra Davi: “Deus, olhai para mim! Por que me abandonastes? Os clamores de meus pecados são causa de estar longe de mim a salvação” (Sl 21,2). Como se dissesse: Meu Pai, os pecados dos homens (que chamo meus, porque deles me encarreguei) me impedem de me libertar destas dores, que me dão cabo da vida e vós, meu Deus, por que me abandonais no meio de tantas aflições? A estas palavras de Davi correspondem as de S. Mateus, narrando o que disse Jesus pouco antes de sua morte: “Eli, Eli, lamma sabacthani?” Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes? (Mt 27,46).
2. De tudo isso bem se deduz quão injustamente se recusaram os judeus a reconhecer Jesus Cristo como seu Messias e Salvador, por ter ele padecido uma morte tão ignominiosa. Eles, porém, não se dão conta de que se Jesus Cristo, em vez de morrer como réu na cruz, tivesse tido uma morte honrosa e gloriosa aos olhos dos homens, não seria mais o Messias prometido por Deus e predito pelos profetas, os quais muitos séculos antes haviam anunciado que nosso Redentor deveria morrer saciado de dores. “Oferecerá a face ao que o ferir e será saciado de opróbrios” (Lm 3,30). Todas essas humilhações e todos esses sofrimentos de Jesus Cristo, já preditos pelos profetas, não chegaram nem sequer ao conhecido de seus discípulos senão depois de sua ressurreição e ascensão ao céu. “Não tiveram conhecimento destas coisas anteriormente seus discípulos, mas quando Jesus foi glorificado recordaram-se de que essas coisas foram escritas a respeito dele e assim lhe fizeram” (Jo 12,16).

Copiosa redenção.
1. Em suma, com a paixão de Jesus Cristo, suportada com tantas dores e ignomínias, se realizou o que escreveu Davi: “A justiça e a paz se deram o ósculo” (Sl 84,11), pois, pelos merecimentos de Jesus Cristo, os homens obtiveram a paz com Deus e em razão da morte do Redentor a justiça divina ficou satisfeita superabundantemente. Diz-se superabundantemente, porque, para remir-nos, não era necessário que Jesus sofresse tantos tormentos e tantos opróbrios, mas bastava uma só gota de seu sangue, uma simples súplica sua para salvar o mundo inteiro. Ele, porém, para aumentar a nossa confiança e para mais nos inflamar em seu amor, quis que nossa redenção não fosse simplesmente suficiente, mas superabundante, como predisse Davi: “Espere Israel no Senhor, porque no Senhor está a misericórdia e nele se encontra copiosa redenção” (Sl 129,6). A mesma coisa exprimira Jó quando, falando da pessoa de Cristo, disse: “Oxalá pesassem numa balança os meus pecados, pelos quais mereci a ira e a calamidade que padeço: Ver-se-ia que esta era mais pesada que a areia do mar” (Jó 6,2). Também aqui Jesus por boca de Jó chamou pecados seus e nossos pecados, já que se obrigara a satisfazer por nós, para fazer nossa a sua justiça (st. Ag. s. 21). Por isso a glossa assim comenta o citado texto de Jó: “Na balança da justiça divina a paixão de Cristo pesa mais que os pecados da natureza humana”. S. Lourenço Justiniano por essa razão encoraja todo pecador realmente arrependido a esperar com certeza o perdão pelos merecimentos de Jesus Cristo, dizendo-lhe: “Mede teus delitos com as aflições que Cristo padeceu”. As vidas de todos os homens não seriam suficientes para satisfazer por um só pecado, mas os tormentos de Jesus Cristo pagaram por todos os nossos delitos. “Ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2,2). Isso significa: Pecador, não meças tuas culpas com tua contrição, desde que todas as tuas obras não podem obter-te o perdão; mede-as antes com os sofrimentos de Jesus Cristo e deles espera o perdão, pois teu Redentor pagou abundantemente por ti.
2. Ó Salvador do mundo, nas vossas carnes dilaceradas pelos flagelos, nos espinhos, nos cravos, reconheço o amor que me tendes e a minha ingratidão cumulando-vos de injúrias depois de tanto amor: vosso sangue, porém, é minha esperança, pois, com o preço desse sangue, me livrastes do inferno tantas vezes por mim merecido. Ó Deus, que seria de mim por toda a eternidade, se não tivésseis pensado em salvar-me por meio de vossa morte? Miserável que sou, eu sabia que, perdendo a vossa graça, me condenava a mim mesmo a viver para sempre no desespero e longe de vós no inferno, e assim mesmo ousei muitas vezes voltar-vos as costas. Torno, porém, a repetir: vosso sangue é minha esperança. Oh! tivesse antes morrido e não vos tivesse ofendido. Ó bondade infinita, mereceria ficar cego e vós me iluminastes com nova luz; mereceria ficar mais endurecido e vós me comovestes e compungistes. Agora detesto mais do que a morte os desprezos que vos fiz e sinto um grande desejo de vos amar. Estas graças que de vós recebi asseguram-me que já me perdoastes e que me quereis salvar. Ah, meu Jesus, e quem poderá deixar de amar-vos no futuro e amar alguma coisa fora de vós? Eu vos amo, ó meu Jesus, e em vós confio, aumentai em mim esta confiança e este amor, para que de hoje em diante me esqueça de tudo e não pense senão em amar-vos e dar-vos prazer. Ó Maria, Mãe de Deus, obtende-me que seja fiel a vosso Filho, e a meu Redentor.

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