OPÚSCULO II
SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO
19. “E como um cordeiro diante do tosquiador, se calará e não abrirá sua boca” (Is 53,7). Era esse o texto que estava lendo o eunuco da rainha Candace, sem compreender de quem se falava, quando S. Filipe, inspirado pelo Senhor, subiu ao coche em que ele se achava e explicou-lhe que isso se referia ao nosso Redentor Jesus Cristo (At 8,32). Jesus foi denominado cordeiro, porque, à semelhança do cordeiro, foi primeiramente dilacerado no pretório de Pilatos e em seguida conduzido à morte. Assim João Batista exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo”. Ele é o Cordeiro que padece e que morre como vítima na cruz pelos pecados dos homens. “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas fraquezas e carregou com as nossas dores” (Is 53,4). Infelizes aqueles que não tiverem amado a Jesus Cristo durante a sua vida. No dia do juízo, a vista deste cordeiro irado os fará dizer aos montes: “Montes, caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está assentado sobre o trono e da ira do cordeiro” (Ap 6,6). Ó meu divino Cordeiro, se até agora não vos amei, quero dora em diante amar-vos sempre. Eu estava cego, mas agora que me iluminastes e me fizestes conhecer o grande mal que fiz, voltando-vos as costas, e o amor infinito que mereceis por vossa bondade e pelo amor que me mostrastes, arrependo-me de todo o coração de vos haver ofendido e vos amo sobre todas as coisas. Ó chagas, ó sangue de meu Redentor, vós, que haveis abrasado em amor tantas almas, inflamai também a minha alma. Ó meu Jesus, fazei que eu sempre me recorde de vossa paixão e das penas e ignomínias que nela sofrestes por mim, a fim de que eu desprenda meus afetos dos bens terrenos e os ponha todos em vós, único e infinito bem. Eu vos amo, Cordeiro de Deus, sacrificado e morto sobre a cruz por amor de mim. Vós não recusastes sofrer por mim e eu não recuso padecer por vós quanto quiserdes. Não quero queixar-me mais das cruzes que me enviardes. Eu deveria há tantos anos estar no inferno, como posso, pois lamentar-me? Dai-me a graça de amar-vos e fazei de mim o que vos aprouver. “Quem me há de separar da caridade de Cristo?” Ah, meu Jesus, só o pecado pode separar-me do vosso amor, por
isso não permitais que eu peque novamente: dai-me antes a morte; peço-vos por vossa paixão. E a vós suplico, ó Maria, que me livreis da morte do pecado por vossas dores.
20. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46). Ó Deus, quem não se compadecerá do Filho de Deus que está morrendo sobre a cruz? Ele é atormentado exteriormente no seu corpo por inúmeras chagas e interiormente estão tão aflito e triste que procura alívio a seus tormentos junto de seu eterno Pai. Este, porém, para satisfazer a justiça divina, abandona-o e deixa-o morrer em desolação e privado de todo o conforto. Oh! morte desolada de meu amado Redentor, vós sois minha esperança. Ó meu Jesus abandonado, vossos merecimentos dão-me a esperança de não viver abandonado e separado de vós para sempre no inferno. Não pretendo viver em consolações nesta terra, abraço todas as penas e desolações quem mereceu os tormentos eternos, ofendendo-vos. Basta-me o amar-vos e viver na vossa graça. Peço-vos unicamente que não permitais que me veja ainda uma só vez privado de vosso amor. Ainda que todos me abandonem, não me abandoneis vós, condenando-me a esta suma desgraça. Eu vos
amo, meu Jesus, que morrestes abandonado por mim; eu vos amo, meu único bem, minha única esperança, meu único amor.
21. “Eles o crucificaram e com ele dois outros, um de um lado e o outro de outro, ficando Jesus no meio” (Jo 19,18). A esposa sagrada chama o Verbo encarnado “todo desejável é o meu dileto” (Ct 5,16). Em qualquer estado de sua vida em que Jesus se nos apresente, sempre aparece todo desejável e todo amável, quer o contemplemos como um menino na gruta, quer como um operário na oficina de S. José, quer como um solitário em oração no deserto, quer como um pregador banhado em suor percorrendo a Judéia. Em nenhum passo, porém, se nos mostra mais amável que pregado na cruz, onde morre trucidado pelo amor imenso que nos dedica. S. Francisco de Sales dizia: “o monte Calvário é o monte dos que amam; o amor que não nasce da paixão do Salvador é fraco”. Desgraçada é a morte sem o amor do Redentor. Acostumem-nos, pois, a considerar este homem de dores pregado no lenho de opróbrios como nosso Deus, que aí está sofrendo e morrendo exclusivamente por nosso amor. Ó meu Jesus, se todos os homens se detivessem a contemplar-vos na cruz com fé viva, crendo que sois em verdade o seu Deus e morrestes por sua salvação, como poderiam viver longe de vós e privados de vosso amor? E eu, como pude dar-vos tantos desgostos, sabendo tudo isso? Os outros, se vos ofenderam, pecaram nas trevas; eu, porém, vos ofendi na luz. Mas essas mãos transpassadas, esse lado aberto, esse sangue, essas chagas que vejo em vós, fazem-me esperar o perdão e a vossa graça. Arrependo-me, ó meu amor, de vos ter desprezado por algum tempo. Agora, porém, amo-vos de todo o meu coração e não há coisa que mais me atormente do que a lembrança de vos haver desprezado. Esta dor que sinto é sinal de que já me perdoastes. Ó coração inflamado de Jesus, inflamai meu pobre coração. Ó meu Jesus, que morrestes consumido de dor por mim, fazei que eu morra consumido da dor de vos ter ofendido e do amor que vós mereceis. Eu me sacrifico todo a vós que vos sacrificastes todo por mim. Ó Mãe das dores, fazei-me fiel no amor a Jesus Cristo.
22. “E inclinando a cabeça, entregou o seu espírito” (Jo 19,30). Eis, ó meu Redentor, a que ponto vos levou o amor que tendes aos homens, a morrer de dores numa cruz, submergido num mar de penas e ignomínias, como já o previra Davi: “Cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,3). S. Francisco de Sales escreve: Consideremos este divino Salvador estendido na cruz, sobre um altar honorífico, no qual morre de amor pelos homens. Ah, por que não nos lançamos em espírito sobre essa cruz para morrer com ele, que quis morrer por amor de nós? Eu o prenderei, devemos dizer, e não o abandonarei jamais; morrerei com ele e me abrasarei nas chamas de seu amor. Um só e o mesmo fogo consumirá esse divino Criador e a sua miserável criatura. O meu Jesus é todo meu e eu sou todo dele. Eu viverei e morrerei sobre seu peito; nem a morte nem a vida me separarão mais de meu Jesus. Sim, meu caro Redentor, eu me abraço com a vossa cruz, beijo os vossos pés transpassados, enternecido e confuso, vendo o afeto com que morrestes por mim. Recebei-me e ligai-me a vossos pés, para que não me separe mais de vós e dora em diante só convosco me entretenha, a vós comunique todos os meus pensamentos, em vós concentre todos os meus afetos, de tal maneira que não busque outra coisa senão amar-vos e agradar-vos, suspirando sempre por sair deste vale de perigos e chegar a amar-vos face a face com todas as minhas forças no vosso reino, que é o reino do eterno amor. Fazei, entretanto, que eu viva sempre no arrependimento das ofensas que vos fiz e ardendo em amor por vós, que por amor de mim destes a vida. Eu vos amo, Jesus, morto por mim, eu vos amo, ó amor infinito, eu vos amo, ó bondade infinita. Ó Mãe do belo amor, Maria, rogai a Jesus por mim.
23. “Ele foi sacrificado porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). O Verbo encarnado, no instante de sua conceição, viu diante de si todas as almas que ele deveria remir. Foste também tu, minha alma, apresentada então como ré de todos os pecados que haverias de cometer, e Jesus Cristo aceitou todas as penas que por ti deveria suportar na vida e na morte. Dessa maneira, obteve-te, o perdão e todas as graças que haverias de receber de Deus, as luzes, os convites de seu amor, os auxílios para venceres as tentações, as consolações espirituais, as lágrimas, as doces emoções na consideração do amor que te consagrou e os sentimentos de dor ao te recordares das ofensas que lhe fizeste. Ó meu Jesus, desde, pois, o começo de vossa vida vos sobrecarregastes de todos os meus pecados e vos oferecestes a satisfazer por eles com vossas dores. Com vossa morte me livrastes da morte eterna. “Vós, porém, livrastes a minha alma, para ela não perecer; lançastes para trás de vossas costas todos os meus pecados” (Is 38,17). Vós, meu amor, em vez de castigos pelas injúrias que vos irroguei, me cumulastes de favores e misericórdias, a fim de conquistardes um dia o meu coração. Meu Jesus, esse dia já chegou, eu vos amo com toda a minha alma. E se eu não vos amar, quem vos há de amar? É este, ó meu Jesus, o primeiro pecado que haveis de perdoar-me: o de ter vivido tantos anos no mundo e não vos ter amado. Para o futuro quero fazer o quanto posso para vos agradar. Vossa graça desperta em mim um grande desejo de viver só para vós e desprender-me de todas as coisas criadas. Sinto igualmente um grande desgosto das contrariedades que vos causei. Este desejo e este desgosto são dons vossos, ó meu Jesus. Continuai, pois, ó meu amor, a proteger-me para que eu continue fiel a vosso amor, pois conheceis a minha fraqueza. Fazei-me todo vosso, como vos fizestes todo meu. Eu vos amo, meu único bem, meu único tesouro, meu tudo. Ó meu Jesus, eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo. Ó Mãe de Deus, ajudai-me.
24. “Deus, enviando seu Filho na semelhança da carne do pecado, também por causa do pecado condenou o pecado da carne” (Rm 8,3). Deus, pois, enviou seu Filho para remir-nos, revestido da carne
humana semelhante à carne pecadora dos outros homens. “Cristo nos remiu da maldição da lei, tornando-se por nosso amor maldito, porque está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no lenho” (Gl 3,3). Assim, Jesus Cristo quer aparecer ao mundo como réu amaldiçoado, pendente da cruz, para nos livrar da maldição eterna. Ó Padre eterno, por amor deste Filho que vos é tão caro, tende piedade de
mim. E vós, Jesus, meu Redentor, que com a vossa morte me livrastes da escravidão do pecado com que nasci e dos pecados que cometi depois do batismo, transformai as cadeias que me faziam escravo de Lúcifer em cadeias de ouro que me liguem a vós pelo santo amor. Demonstrai em mim a eficácia de vossa graça e merecimentos, transformando-me de pecador em santo. Eu deveria há muitos anos arder no inferno, mas espero arder em vosso amor e ser todo vosso por vossa infinita misericórdia e para glória de vossa morte. Não quero que meu coração ame outra coisa além de vós. “A nós venha o vosso reino”. Reinai, ó meu Jesus, reinai sobre minha alma inteira. Fazei que ela obedeça tão somente a vós, sós a vós busque e só por vós suspire. Retirai-vos de meu coração, afetos terrenos, e vinde vós, chamas do amor divino, e possuí-me todo e consumi-me em amor por aquele Deus de amor que quis morrer consumido por mim. Eu vos amo, ó meu Jesus, eu vos amo, ó amabilidade infinita e meu verdadeiro amigo. Jamais alguém me amou mais do que a vós e por isso todo a vós me dou e me consagro, meu tesouro, meu tudo.
Continua...
5 de março de 2024
A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus
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