4 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

OPÚSCULO II

SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO

13. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13,1). O amor dos amigos cresce na ocasião da morte, pois que estão para separar-se das pessoas amadas e por isso procuram mais do que nunca testemunhar-lhes o seu afeto e demonstrar-lhes o amor que lhes consagram. Jesus durante sua vida inteira testemunhou-nos o seu afeto, mas nas vésperas de sua morte quer dar-nos as mais convincentes provas de seu amor. E que prova mais evidente nos poderia dar este amante Senhor, que dando-nos o seu sangue e a sua vida em prol de cada um de nós? e ainda não satisfeito com sacrificar-nos seu próprio corpo na cruz, no-lo quis deixar em alimento, a fim de que cada um, que o recebesse, se unisse inteiramente com ele e assim de sua parte crescesse no amor. Ó bondade infinita, ó amor infinito, ó meu amado Jesus, enchei meu coração de vosso santo amor, para que eu me esqueça do mundo e de mim mesmo, para não pensar senão em vos amar e agradar. Eu vos consagro o meu corpo, a minha alma, a minha vontade e a minha liberdade. No passado procurei minhas satisfações com desgosto vosso; arrependendo-me sumamente, meu amor crucificado, e de agora em diante não quero buscar outra coisa senão vós: Meu Deus e meu tudo. Quero só a vós e nada mais. Ah, se eu pudesse consumir-me todo por vós como vós vos consumistes todo por mim, meu único bem, meu único amor. Eu vos amo e me entrego inteiramente à vossa santa vontade. Fazei que eu vos ame e depois fazei de mim o que vos aprouver.

14. “Minha alma está triste até à morte” (Mt 26,38). Eis as palavras que saíram do coração magoado de Jesus Cristo no jardim de Getsêmani, antes de ele morrer. Mas onde nascia essa tristeza tão grande que bastava para dar-lhe a morte? Talvez na visão dos tormentos que devia sofrer? Não, porque esses tormentos já os viu desde a sua encarnação, viu-os e aceitou-os de livre e própria vontade: “Foi oferecido porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). A sua tristeza foi motivada pela vista dos pecados que os homens iriam cometer depois de sua morte. E nessa hora viu todas as culpas particulares de cada um de nós, diz S. Bernardino de Sena. Não foi, ó meu Jesus, a vista dos açoites, dos espinhos e da cruz que tanto vos afligiu no jardim das Oliveiras; foi a vista de meus pecados, cada um dos quais vos oprimiu de tal modo o coração com dor e tristeza, que vos fez suar sangue e entrar em agonia. Eis aí a recompensa com que paguei o amor que me mostrastes morrendo por mim. Oh! fazei-me sentir parte dessa dor que sofrestes no horto pelas minhas culpas, para que essa dor me conserve na tristeza durante minha vida inteira. Ah, meu doce Redentor, pudesse eu consolar-vos tanto com minha dor e com o meu amor quanto eu vos afligi. Arrependo-me, meu amor, de todo o meu coração, de vos haver posposto a todas as minhas miseráveis satisfações. Arrependo-me e vos amo sobre todas as coisas. Percebo que vós, apesar de ofendido por mim, ainda me pedis o meu amor e quereis que eu vos ame de todo o coração. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma” (Mt 22,37). Sim, meu Deus, eu vos amo de todo o coração, eu vos amo com toda a minha alma, dai-me o amor que desejais de mim. Se pelo passado busquei a mim mesmo, agora não quero buscar senão a vós. E vendo que me amastes mais do que aos outros, quero também amar-vos mais do que os outros. Atraí-me sempre mais, ó meu Jesus, ao vosso amor com o odor de vossos perfumes, que são os amorosos atrativos de vossa graça. Dai-me, em suma, força para corresponder a um afeto tão grande de um Deus, demonstrado a um verme ingrato e traidor. Maria, Mãe de misericórdia, ajudai-me com as vossas súplicas.

15. “Aprisionaram a Jesus e o ligaram” (Jo 18,12). Um Deus preso e ligado. Que deveriam dizer os anjos, vendo seu Rei passar pelas ruas de Jerusalém com as mãos ligadas e ao meio de soldados! E que deveríamos dizer nós, vendo nosso Deus que se deixa, por nosso amor, prender como malfeitor, para ser apresentado aos juízes que o condenarão à morte? “Que tendes vós com as cadeias?” pergunta S. Bernardo. Que relação pode haver entre vós e as cadeias dos malfeitores, ó meu Jesus, majestade e bondade infinita? Elas nos pertencem a nós, pecadores e réus do inferno, não a vós, que sois inocente e santo dos santos. E S. Bernardo, contemplando Jesus declarado réu de morte, continua: Que fizestes, inocentíssimo Jesus, para que assim vos condenem? Ó meu caro Salvador, sois a inocência mesma; por que delito sereis condenado? Ah, eu vo-lo direi: o delito que cometestes foi o amor excessivo que consagrastes aos homens: O vosso pecado é o vosso amor. Beijo essas cordas que vos prendem, ó meu amado Jesus: elas me livram das cadeias que eu mereci. Mísero que sou, quantas vezes renunciei à vossa amizade e me fiz escravo de Lúcifer, desonrando-vos, ó majestade infinita. Arrependo-me sobre todas as coisas de vos haver injuriado assim tão gravemente. Ah, meu Deus, prendei aos vossos pés esta
minha vontade com os dóceis laços de vosso amor, para que ela nada mais queira senão o que vos agrada. Fazei que eu tome o vosso querer pelo guia único de minha vida inteira. Fazei que eu não tenha outro cuidado senão o de vos agradar, pois que vos empenhastes tanto por meu bem. Eu vos amo, meu sumo bem, eu vos amo, único objeto de meus afetos. Reconheço que só vós me amastes em verdade e só a vós quero amar. Renuncio a tudo, vós só me bastais. 16. “Ele foi ferido por causa das nossas iniqüidades e quebrantado por causa dos nossos crimes” (Is 53,5). Bastaria uma só bofetada suportada por este Homem-Deus, para satisfazer pelos pecados de todo o mundo. Com isso, porém, não se contentou Jesus Cristo: ele quis ser ferido e quebrantado por nossas perversidades, isto é, ferido e dilacerado da cabeça aos pés, de modo que não ficou uma parte sã no seu corpo sacratíssimo. E assim o mesmo profeta o vi todo chagado como um leproso: “E nós o julgamos como um leproso e ferido por Deus e humilhado” (Is 53,4). Ó chagas do meu atormentado Jesus, vós sois os penhores do amor que este meu Redentor me consagra. Vós, com mui delicados convites, me obrigais a amá-lo por tantos tormentos que ele quis sofrer por meu amor. Ó meu querido Jesus, quando me entregarei todo a vós, que vos destes todo a mim? Eu vos amo, meu sumo bem. Amo-vos, ó Deus amante de minha alma. Ó Deus de amor, dai-me amor. Fazei que com o amor compense as amarguras que vos causei no passado. Fazei que eu arranque de meu coração tudo o que não tende ao vosso amor. compense as amarguras que vos causei no passado. Fazei que eu arranque de meu coração tudo o que não tende ao vosso amor. Pai eterno, olhai para a face de vosso Cristo, olhai para as chagas de vosso Filho, que vos imploram misericórdia para mim e, por elas, perdoai-me os ultrajes que vos fiz: apossai-vos por completo de meu coração, para que eu não ame, não busque, não suspire senão por vós. Digo-vos com S. Inácio: “Dai-me unicamente o vosso amor com a vossa graça e serei bastante rico”. Eis tudo o que vos peço, ó Deus de minha alma, dai-me o vosso amor juntamente com a vossa graça e nada mais desejo. Ó Mãe de Deus, Maria, intercedei por mim.

17. “Salve, rei dos judeus!” Assim saudavam por escárnio ao nosso Redentor os soldados romanos. Depois de o terem tratado como rei impostor e coroado de espinho, ajoelhavam-se diante dele, saudando-o como rei dos judeus e em seguida, levantando-se com gritos e risos, davam-lhe bofetadas e escarravam-lhe no rosto. É o que nos contam S. Mateus (27,29) e S. João (19,3). Ó Jesus meu, essa cruel coroa que vos cinge a cabeça, esse vil caniço que tendes na mão, essa veste de púrpura dilacerada que vos serve de ludíbrio, declaram suficientemente que sois rei, mas rei de amor. Os judeus não vos querem reconhecer por seu rei e dizem a Pilatos: “Não temos outro rei além de César” (Jo 19,15). Meu amado Redentor, se os outros não vos querem por seu rei, eu vos aceito e quero que sejais o único rei de minha alma. Consagro-me a vós por completo, disponde de mim como vos aprouver. Para conseguir isto, sofrestes tantos desprezos, dores e até a morte, para conquistar os nossos corações e neles reinar com vosso amor. “Por isso Cristo morreu... para dominar sobre os vivos e os mortos” (Rm 14,9). Apossai-vos, pois, de todo o meu coração, ó meu rei querido, e aí reinai e dominai para sempre. No passado, rejeitei-vos como meu senhor, para servir às minhas paixões; agora eu quero ser todo vosso e a vós só servir. Ah, prendei-me a vós com vosso amor e fazei-me lembrar sempre da morte cruel que por mim sofrestes. Ah, meu rei, meu Deus, meu amor, meu tudo, que mais desejo senão vós, Deus de meu coração e minha herança por toda a eternidade? Ó Deus de meu coração, eu vos amo, vós sois a minha herança, vós meu único bem.

18. “E levando a cruz às costas, saiu para aquele lugar que se chama Calvário” (Jo 19,17). Eis o Salvador do mundo já em caminho com a cruz às costas para morrer condenado por amor dos homens. O cordeiro divino, sem se queixar, deixa-se conduzir ao sacrifício da cruz pela nossa salvação. Levanta-te, minha alma, acompanha e segue o teu Jesus, que vai sofrer a morte por teu amor, para pagar por teus pecados. Dizei-me, ó meu Jesus e meu Deus, que pretendeis dos homens, dando vossa vida por amor deles? S. Bernardo responde: “Quando Deus ama, nada mais quer do que ser amado”. Quisestes, pois, ó meu Redentor, por esse preço conquistar o nosso amor. E haverá homens que creiam em vós e não vos amem? Consola-me o pensamento de que vós sois o amor de todos os santos, o amor de Maria, o amor de vosso Pai. Mas, ó meu Deus, quantos há que não querem vos conhecer e quantos que vos conhecem não querem vos amar. Ó amor infinito, fazei-vos conhecer e fazei-vos amar. Oh! pudesse eu com meu sangue e coma minha morte fazer-vos amar de todos. Mas, ai de mim que passei tantos anos no mundo e apesar de vos conhecer não vos amei. Vós, porém, com tanta delicadeza me atraístes para vosso amor. Infeliz do tempo em que perdi a vossa graça: a dor que agora sinto, o desejo que experimento de ser todo vosso e em especial a morte que sofrestes por mim dão-me uma firme confiança, ó meu amor, de que já me haveis perdoado e de que presentemente me amais. Ó meu Jesus, pudesse eu morrer por vós como morrestes por mim. Ainda que não houvesse castigo para quem não vos ama, não quereria deixar de amar-vos e fazer todo o possível para vos contentar. Vós, que me inspirastes este bom desejo, dai-me
a força de o pôr em prática. Meu amor, minha esperança, não me abandoneis; fazei que eu corresponda na vida que me resta ao amor particular que me consagrais. Vós quereis que eu seja vosso e eu quero ser todo vosso. Eu vos amo, meu Deus, meu tesouro, meu tudo. Eu quero viver e morrer, repetindo sempre: eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo.

Continua...

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