2 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

OPÚSCULO II

SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO

Quem considera o amor imenso que Jesus Cristo nos demonstrou na sua vida e particularmente na sua morte, sofrendo tantos tormentos por nossa salvação, não poderá deixar de sentir-se ferido e obrigado a amar um Deus tão apaixonado por nossas almas. S. Boaventura diz que as chagas de nosso Redentor comovem os corações mais duros e inflamam em amor as almas mais frias. Consideremos por isso, nesta breve resenha do amor de Jesus Cristo, segundo o testemunho das sagradas escrituras, o quanto fez nosso amoroso Redentor para dar-nos a entender o amor que nos tem e obrigar-nos
a amá-lo.

1. “Amou-nos e entregou-se a si mesmo por nós” (Ef 5,2). Tinha Deus feito tantos favores aos homens para ganhar-lhes o amor, mas os ingratos não somente não o amavam, mas nem mesmo queriam conhecê-lo por seu Senhor. Apenas num recanto da Judéia era ele reconhecido como Deus pelo povo eleito: este, porém, mais o temia do que o amava. Ora, querendo ele ser mais amado do que temido por nós, fez-se homem e escolheu uma vida pobre, atribulada e obscura e uma morte penosa e ignominiosa. E por quê? Para atrair-nos os corações. Se Jesus Cristo não nos tivesse remido, não seria menos feliz e poderoso do que sempre o foi: quis, porém, procurar-nos a salvação com tantos suores e penas como se a sua felicidade dependesse da nossa. Poderia remir-nos sem sofrer, mas quis livrar-nos da morte eterna com sua própria morte, e podendo salvar-nos de mil modos, quis escolher a maneira mais humilde e penosa, morrendo na cruz de pura dor, para conquistar o afeto de nós, vermes ingratos. Pois não foi o amor que nos tem a única causa de seu nascimento tão atribulado e de uma morte tão desolada? Ah, meu Jesus, que o amor que nos fez morrer por mim no Calvário me faça morrer a todos os afetos mundanos e me consuma naquele santo fogo que viestes acender na terra. Maldigo mil vezes os indignos prazeres que vos custaram tantas dores. Arrependo-me, meu caro Redentor, de toda a minha alma, de todas as ofensas que vos fiz. Para o futuro prefiro morrer a dar-vos desgosto e quero fazer quanto puder para agradar-vos. Vós em nada vos poupastes por meu amor e eu também em nada quero poupar-me por vosso amor. Vós me amastes sem reserva e eu quero amar-vos também sem reserva. Amo-vos, meu único bem, meu amor, meu tudo.

2. “Assim Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho unigênito” (Jo 3,16). Oh! quanto significa essa partícula — assim! Significa que nós não podemos compreender o impulso do amor que levou Deus a enviar seu Filho a morrer para salvar o homem que estava perdido. E quem poderia fazer-nos esse dom de valor infinito, senão um Deus de amor infinito? Agradeço-vos, ó Padre eterno, o haverdes me dado vosso Filho por meu Redentor. E agradeço-vos, ó grande Filho de Deus, o me haverdes remido com tantas penas e tão grande amor. Que seria de mim, depois de tantas injúrias, que vos fiz, se vós não tivésseis morrido por mim, ó meu Jesus? Ah, tivesse eu morrido antes de vos ofender, meu Salvador. Eu vos suplico que me façais participar do horror que durante vossa vida tivestes dos meus pecados e perdoai-me. Não me basta, porém, o perdão: vós mereceis muito ser amado, vós me amastes até à morte e eu também quero amar-vos até à morte. Amo-vos, bondade infinita, de toda a minha alma, amo-vos mais do que a mim mesmo e quero que sejais o único objeto de todos os meus afetos. Ajudai-me, pois; não permitais que eu continue a viver tão ingrato como tenho sido até agora. Dizei-me o que queres de mim, que eu com vossa graça quero fazer tudo, tudo. Sim, meu Jesus, eu vos amo e quero amar-vos sempre, meu tesouro, minha vida, meu amor, meu tudo.

3. “Nem com o sangue dos bodes ou de novilhos, mas com o próprio sangue entrou no santuário uma vez, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). E de fato o que poderia valer o sangue de todos os novilhos e mesmo de todos os homens para nos alcançar a graça divina? só o sangue deste homem Deus podia merecer-nos o perdão e a salvação eterna. Mas se o próprio Deus não tivesse inventado este modo de remir-nos, isto é, morrendo por nossa salvação, quem jamais poderia pensar nisso? Só o amor o sonhou e o executou. Tinha, pois, razão Jó quando perguntava a este Deus tão amante dos homens: “Que é o homem, para que assim o exaltes? e por que pões sobre ele o teu coração?” (Jó 7,17). Ah, meu Jesus, é pouco um coração para amar-vos, ainda que vos amasse com o coração de todos os homens, seria ainda pouco. Que ingratidão, pois, seria a minha se eu dividisse meu coração entre vós e as criaturas? Não, meu amor, vós o quereis todo e o mereceis todo, quero dar-vo-lo todo. E se não sei dar-vo-lo como é meu dever, tomai-o vós e fazei que eu possa dizer-vos com verdade: Deus de meu coração. Ah, meu Redentor, pelos merecimentos da vida desprezada e atribulada que quisestes levar para me ensinar a verdadeira humildade, fazei-me amar os desprezos e a vida oculta. Fazei que eu abrace com amor as enfermidades, as afrontas, as perseguições, as penas internas e todas as cruzes que me vierem de vossas mãos. Fazei que eu vos ame e depois disponde de mim como vos aprouver. Ó coração amante de Jesus, prendei-me a vós, fazendo-me conhecer o imenso bem que vós sois. Fazei-me todo vosso antes de morrer. Amo-vos meu Jesus, que tanto mereceis ser amado e tanto desejais o meu amor: amo-vos com todo o meu coração, amo-vos com toda a minha alma.

4. “Apareceu a benignidade e a humanidade de nosso Deus Salvador” (Tt, 3,4). Deus amou o homem desde toda a eternidade: “Ameite com um amor eterno” (Jr 31,3). Mas, segundo S. Bernardo, antes da encarnação do Verbo manifestava-se o poder divino na criação do mundo e a sabedoria de Deus em governá-lo; quando, porém, se fez homem o Filho de Deus, manifestou-se então claramente o amor que Deus tinha aos homens. Realmente, depois que vimos Jesus Cristo levar uma vida tão atribulada e uma morte tão penosa, far-lhe-íamos uma injúria se duvidássemos do afeto que ele tem por nós. Sim, muito ele nos amou porque nos ama quer ser amado por nós. Morreu por nós para que nós vivamos para ele. “Por todos morreu o Cristo, para que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Cor 5,15). Ah, meu Salvador, quando será que eu começarei a reconhecer o amor que me tendes? No passado, em vez de vos amar, paguei-vos com injúrias e desprezos. Mas, visto que sois a bondade infinita, não quero desesperar. Vós prometestes perdoar os que se arrependem; por piedade, cumpri o que prometestes. Eu vos desonrei, pospondo-vos às minhas satisfações; uma agora eu me arrependo de toda a minha alma e nada me aflige tanto como o recordar-me de vos haver ofendido a vós, meu soberano bem. Perdoai-me e uni-me inteiramente a vós com laços de um amor eterno, para que eu não vos deixe mais e viva somente para vos amar e obedecer. Sim, meu Jesus, só para vós quero viver, só a vós quero amar. Tempo houve em que eu vos abandonei pelas criaturas; mas agora abandono tudo e todo a vós me dou. Amo-vos, ó Deus de minha alma, amo-vos mais do que a mim mesmo. Ó Mãe de Deus, Maria, impetrai-me a graça de ser fiel a Deus até à morte.
 
5. “A caridade de Deus para conosco mostrou-se em que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo para que vivamos por ele” (Jo 4,9). Pelo pecado, todos os homens estavam mortos e teriam permanecido mortos se o eterno Pai não tivesse enviado seu Filho a restituir-lhes a vida por meio de sua morte. Mas como? um Deus morrer pelo homem! Um Deus! E que é esse homem? “Quem sou eu? pergunta S. Boaventura. Por que, Senhor, por que me amastes tanto assim?” Mas é aqui que resplandece o amor infinito desse Deus. A Igreja canta no Sábado Santo: “Ó admirável condescendência de vosso amor para conosco. Ó inestimável predileção de vossa caridade: para remirdes o servo, entregastes o Filho!” Vós, pois, meu Deus, assim procedestes para que vivêssemos por Jesus Cristo. Sim, é muito justo que vivamos por aquele que por nós deu todo o seu sangue e a sua vida. Meu caro Redentor, à vista de vossas chagas e da cruz em que vos vejo morto por mim, eu vos consagro minha vida e toda a minha vontade. Ah, tornai-me todo vosso, de maneira que de hoje em diante não bosque e não suspire senão por vós. Amo-vos, bondade infinita, amo-vos, amor infinito, fazei que eu viva dizendo sempre: meu Deus, eu vos amo, eu vos amo e fazei que sejam também estas minhas últimas palavras na morte: meu Deus, eu vos amo, eu vos amo.

6. “Pelas entranhas de misericórdia de nosso Deus, como que o sol nascente nos visitou do alto” (Lc 1,78). Eis que vem à terra o Filho de Deus e remir-nos e e vem unicamente movido pelas entranhas de sua misericórdia. Mas, Senhor, se tendes compaixão do homem que se perdeu, não será suficiente enviar um anjo para remi-lo? Não, responde o Verbo eterno, quero fazê-lo pessoalmente, para que o homem compreenda quanto eu o amo. Escreve S. Agostinho: “O motivo principal por que Cristo veio foi para que o homem conhecesse quanto Deus o ama”. Mas, ó meu Jesus, já que viestes para vos fazer amar, quantos são os homens que vos amam verdadeiramente? Ah, pobre de mim. Vós sabeis como vos amei no passado, sabeis com que desprezo tratei o vosso amor. Ah, se eu pudesse morrer de dor. Arrependo-me, meu caro Redentor, de ter-vos assim desprezado. Ah, perdoai-me e junto com o perdão dai-me a graça de vos amar. Não permitais que eu viva ainda esquecido do amor que me tendes. Agora eu vos amo, mas vos amo pouco; vós mereceis um amor infinito. Fazei que eu ao menos vos ame com todas as minhas forças. Ah, meu Salvador, minha alegria, minha vida, meu tudo, e que mais quero eu senão vos amar a vós, bem infinito? Eu consagro todos os meus desejos à vossa vontade e, à vista dos padecimentos que quisestes sofrer por mim, ofereço-me a sofrer tudo o que vos aprouver. Afastai de mim todas as ocasiões de vos ofender. “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. Livrai-me do pecado e depois disponde de mim como vos aprouver. Eu vos amo, bondade infinita, e estou pronto a sofrer todas as penas, mesmo a de ser aniquilado, a viver sem vos amar.

Continua...

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