6 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

OPÚSCULO II

SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO

25. “Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue” (Ap 1,5). Assim, ó meu Jesus, para salvar a minha alma, quisestes preparar-lhe um banho com vosso próprio sangue e lavá-la das manchas de seus pecados. Se, pois, nossas almas foram compradas com o vosso sangue (fostes comprados por um grande preço — 1Cor 6,20) é sinal de que vós muito as amais e por isso deixai-me rezar: Pedimos, pois, que socorrais aos vossos servos que remistes com vosso sangue precioso. É certo que com meus pecados tentei separar-me de vós e de livre vontade vos quis perder, mas recordai-vos, ó Jesus, que me comprastes com vosso sangue: não se perca por minha causa este sangue derramado com tanta dor e com tanto amor. Eu com os meus pecados vos expulsei de minha alma, ó meu Deus, e mereci a vossa ira; vós, porém, dissestes que estais pronto a vos esquecer das culpas de um pecador que se arrepende: “Se alguém fizer penitência... não me recordarei de todas as suas iniqüidades” (Ez 18,22). Além disso, afirmastes que amais aquele que vos ama: “Eu amo os que me amam” (Pr 8,17). Esquecei-vos, portanto, ó meu Jesus, de todos os desgostos que vos causei e amai-me; pois eu agora vos amo mais do que a mim mesmo e me arrependo sobre todas as coisas de vos haver ofendido. Eia, pois, meu amado Salvador, por amor daquele sangue que derramastes por meu amor, não me odieis e amai-me. Não me contento se só me perdoardes o castigo que mereci; eu quero amar e ser amado por vós. Ó Deus todo amor, todo bondade, uni-me e ligai-me todo a vós e não permitais que de vós jamais me separe, para nunca mais me tornar merecedor de vosso ódio. Não, meu Jesus, meu amor, não o permitais: quero ser todo vosso e quero que vós sejais todo meu.

26. “Ele se humilhou a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte da cruz” (Fl 2,8). Terão feito os santos mártires uma ação muito grande dando a vida por Deus, quando se considera que ele se humilhou até a morrer na cruz por amor deles? Para se retribuir condignamente a morte de um Deus, não é suficiente o sacrifício das vidas de todos os homens, mas seria necessário que um outro Deus morresse por seu amor. Deixai-me, pois, dizer-vos, meu amado Jesus, com vosso servo S. Francisco de Assis: “Morrerei, Senhor, por amor de vosso amor, que vos dignastes morrer por amor de meu amor”. É verdade, meu Redentor, que no passado eu infelizmente renunciei ao vosso amor por minhas indignas satisfações; agora, porém, iluminado e mudado por vossas graça, estou pronto a dar a vida mil vezes por vosso amor. Oh! antes tivesse eu morrido e não vos tivesse ofendido! Oh! tivesse eu vos amado sempre! Agradeço-vos o tempo que me dais para amar-vos nesta vida, possibilitando-me o amar-vos depois para todo o sempre, na eternidade. Recordai-me sempre, ó meu Jesus, a morte ignominiosa que sofrestes por mim, para que eu não me esqueça mais de amar-vos à vista do amor que me consagrastes. Eu vos amo, bondade infinita, eu vos amo, meu sumo bem, a nós todo me dou e vós, por aquele amor que vos obrigou a morrer por mim, aceitai-me e fazei que antes eu morra e seja destruído do que deixar de vos amar. Dir-vos-ei com S. Francisco de Sales: Ó amor eterno, minha alma vos procura e vos escolhe para sempre. Vinde, Espírito Santo, e inflamai os nossos corações com vosso amor. Ou amar, ou morrer. Morrer a todo outro amor para viver só para amor de Jesus.

27. “A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Muito ternas e cheias de unção são as palavras que escreve S. Francisco de Sales sobre este texto no seu livro do amor de Deus: Ouvi, Teótimo, nenhuma coisa constrange e solicita o coração do homem como o amor. Se alguém se sente amado por quem quer que seja, vê-se obrigado a amá-lo; quando, porém, um rústico é amado por um grande senhor, fica-lhe ainda mais obrigado, e quando é por um monarca, torna-se maior a sua obrigação. Sabendo, pois, que Jesus, verdadeiro Deus, nos amou até sofrer por nós a morte e a morte da cruz, não é isto sentir os nossos corações como num torniquete que os comprime e os força, a tresvazar amor com uma violência que é tanto mais forte quanto mais amável? Ó meu Jesus, desde que quereis ser amado por mim, fazei que me lembre sempre do amor que me mostrastes e das penas que sofrestes para patentear-me esse amor. Fazei que a sua recordação não se afaste mais de minha mente e da mente de todos os homens, pois não é possível crer que vós padecestes para nos obrigar a vos amar e não amar-vos. No passado foi esse estado de minha vida tão desregrada e celerada, por não ter considerado, ó meu Jesus, o afeto que tínheis por mim. Eu conhecia, entretanto, o grande desgosto que vos causava com os meus pecados e, não obstante isso, os cometi e repeti. Todas as vezes que disso me recordo desejaria morrer de dor e não teria coragem de pedir-vos perdão se não soubesse que morrestes para me perdoar. Vós me suportastes para que, à vista do mal que vos fiz e da morte que sofrestes por mim, eu sinta maior dor e amor para convosco. Eu me arrependo, meu caro Redentor, de todo o meu coração, de vos haver ofendido e vos amo com toda a minha alma. Depois de tantos sinais de vosso amor e de tanta misericórdia usada para comigo, prometo-vos que não quero mais amar outra coisa fora de vós e quero amar-vos com todas as minhas forças. Vós sois, ó meu Jesus, o meu amor, o meu tudo. Vós sois o meu amor, porque em vós pus todos os meus afetos. Vós sois o meu tudo, porque não quero outra coisa senão vós. Fazei, portanto, que eu sempre vos chame na vida e na morte por toda a eternidade, meu Deus, meu amor, meu tudo.

28. “A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Consideremos mais uma vez a força destas palavras. O Apóstolo quer dizer que não é tanto o que Jesus Cristo sofreu por nós na sua paixão que nos deve obrigar a amá-lo, quanto o amor que ele nos demonstrou, querendo padecer tanto por nós. Este amor levava nosso Salvador a dizer durante sua vida que se sentia morrer de desejo de ver chegar logo a hora de sua morte, para fazer-nos conhecer o imenso amor que nos dedicava: “Eu devo ser batizado com um batismo e em que ansiedade me sinto eu até que ele se cumpra” (Lc 12,50). E esse amor ainda o fez exclamar na última noite de sua vida: “Eu desejei ardentemente comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). Tão grande, pois, ó meu Jesus, foi o desejo que tínheis de ser amado por nós, que durante toda a vossa vida não desejastes outra coisa senão padecer e morrer por nós, para nos obrigar a amar-vos ao menos em agradecimento de tão grande amor. Vós tanto anelais o nosso amor e nós tão pouco desejamos o vosso! Infeliz de mim, no passado fui tão louco que não só não desejei o vosso amor, mas provoquei mesmo a vossa ira, perdendo-vos o respeito. Meu caro Redentor, reconheço o mal que fiz e o detesto sobre todas as coisas e me arrependo de todo o meu coração. Agora só desejo o vosso amor mais do que todos os bens do mundo. Sumo e único tesouro meu, eu vos amo sobre todas as coisas, vos amo mais do que a mim mesmo, vos amo com toda a minha alma e nada mais desejo senão amar-vos e ser amado por vós. Esquecei-vos, ó meu Jesus, das ofensas que vos fiz e amai-me muito para que eu também muito vos possa amar. Vós sois o meu amor, vós sois a minha esperança. Já sabeis como eu sou fraco, ajudai-me, Jesus, meu amor, ajudai-me, Jesus, minha esperança. Socorrei-me também vós com as vossas súplicas, ó grande Mãe de Deus, Maria.

29. “Ninguém tem mais amor que o daquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). E que mais podia fazer o teu Deus, ó minha alma, do que dar a vida para fazer-se amar de ti? Dar a vida é o maior sinal de afeto que um homem pode dar a um outro seu amigo. Que afeto, porém, não foi aquele de nosso Criador, querendo morrer por nós, suas criaturas? É o que nos faz considerar S. João, quando escreve: Nisso conhecemos a caridade de Deus, porque ele deu sua alma por nós (Jo 3,16). Se a fé não nos ensinasse que um Deus quis morrer para nos provar o seu amor, quem jamais o creria? Ah, meu Jesus, eu creio que vós morrestes por mim e por isso me confesso digno de mil infernos, por ter pago com injúrias e ingratidões o amor que me mostrastes, dando a vossa vida por mim. Agradeço a vossa misericórdia, que prometeu perdoar àquele que se arrepende. Confiado, pois, nessa doce promessa. espero de vós o perdão e entretanto me arrependo de todo o meu coração de haver tantas vezes desprezado o vosso amor. Mas visto que o vosso amor não me abandonou ainda, vencido por vosso amor, consagro-me inteiramente a vós. Vós, meu Jesus, consumistes a vossa vida morrendo de dores numa cruz. Que vos posso oferecer em agradecimento, eu, miserável criatura? Consagro-vos a minha vida, abraçando todos os sofrimentos que me vierem de vossas mãos, tanto na vida como na morte. Enternecido e confundido com tão grande misericórdia usada para comigo, abraço com a vossa cruz os vossos pés e assim quero viver e morrer. Ó meu Redentor, pelo amor com que me amastes, morrendo por mim, não permitais que eu me separe jamais de vós. Fazei que eu viva sempre e morre abraçado convosco. Meu Jesus, meu Jesus, eu o repito, fazei que eu viva sempre e morra abraçado convosco.

30. “Eu, quando for exaltado da terra, atrairei tudo a mim.” (Jo 12,32). Vós dissestes, meu Salvador, que uma vez na cruz, atrairíeis a vós todos os corações. Como então o meu coração viveu por tantos anos longe de vós? Ah, a culpa não é vossa. Quantas vezes não me chamastes ao vosso amor e eu me fiz surdo? Quantas vezes me perdoastes e advertistes amorosamente com os remorsos da consciência a não mais vos ofender e eu tornei a ofender-vos? Ah, meu Jesus, não me envieis ao inferno, porque lá maldirei para sempre todas essas graças que me concedestes, pois essas graças todas, as luzes que me destes, os convites feitos, a paciência com que me suportastes, o sangue derramado para salvar-me serão o tormento mais cruel de todo o inferno. Sinto, porém, que novamente me chamais e me dizeis com tanto amor, como se eu nunca vos tivesse ofendido: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração”. Vós me mandais que eu vos ame e eu vos amo de todo o meu coração. Mas se não mo mandásseis, ó meu Jesus, poderia eu viver sem vos amar, depois de tantas provas de vosso afeto? Sim, eu vos amo, meu sumo bem, eu vos amo de todo o meu coração. Amo-vos porque o mandais, amo-vos porque sois digno de amor infinito; amo-vos, e não desejo nada mais senão amar-vos e nenhuma coisa temo senão ver-me separado de vós e viver sem vosso amor. Ó meu amor crucificado, não permitais que eu cesse jamais de vos amar. Recordai-me sempre a morte que por mim sofrestes. Recordai-me as finezas que me tendes demonstrado e fazei que a sua lembrança me inflame sempre mais a amar-vos e a consumir-me por vós, que vos consumistes como vítima de amor por mim sobre a cruz.

31. “O que não poupou nem sequer seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos, como não nos terá dado com ele todas as coisas?” (Rm 8,32). Oh! quantas chamas de amor não deveriam acender em nossos corações essas palavras: entregou-o por todos nós. A justiça divina, ofendida por nossos pecados, devia ser satisfeita, e que faz Deus? para nos perdoar, quer que seu Filho seja condenado à morte e pague o castigo que tínhamos merecido: Não poupou seu próprio Filho. Ó Deus, se o Padre eterno estivesse sujeito à dor, que dor não teria sentido ao condenar à morte seu Filho predileto e inocente pelos pecados de seus escravos! Figuremo-nos o Padre com seu Filho morto nos braços, a exclamar: “Eu o feri por causa dos crimes de meu povo” (Is 53,8). Tinha, pois, razão S. Francisco de Paula de exclamar em êxtase de amor, ao considerar a morte de Jesus Cristo: Ó caridade, ó caridade, ó caridade! Ao demais, quanta confiança não vos devem inspirar as palavras que seguem: Como não vos terá dado com ele todas as coisas? Como posso eu temer, ó meu Deus, que não me dareis o perdão, a perseverança, o vosso amor, o paraíso e todas as graças que posso esperar de vós, depois de me haverdes dado o objeto que vos é mais caro, a saber o vosso próprio Filho? Já compreendo o que devo fazer para obter de vós todos os bens: é pedir-vos pelo amor de Jesus Cristo. Isto é o que me ensinou o mesmo Jesus: “Em verdade, em verdade eu vos digo, se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele vo-la dará” (Jo 16,23). Meu sumo e eterno Deus, eu até ao presente desprezei a vossa majestade e bondade infinita, mas agora eu vos amo sobre todas as coisas e porque eu vos amo, me arrependo de todo o coração de vos haver ofendido e proponho aceitar antes a morte e todos os sofrimentos do que vos tornar a ofender. Perdoai-me e concedei-me as graças que, confiado nas promessas de Jesus Cristo, agora vos peço. Em nome de Jesus Cristo vos peço a santa perseverança até à morte; dai-me um perfeito e puro amor para convosco; dai-me uma total conformidade com a vossa santa vontade; dai-me, finalmente, o paraíso. Tudo isso eu espero e vos peço pelos merecimentos de Jesus Cristo. Eu não mereço nada: mereço apenas castigos e não graças; Vós porém, nada negais a quem vos suplica pelo amor de Jesus Cristo. Ah, meu bom Deus, vejo que me quereis todo a vós e eu quero ser todo vosso e não quero temer que os meus pecados me impeçam ser todo vosso:: Jesus Cristo já satisfez por eles, e vós, em consideração ao amor de Jesus, estais pronto a conceder-me tudo o que eu desejo. Ele é o meu desejo e o meu pedido. Meu Deus, ouvi-me: eu quero amar-vos, eu quero amar-vos muito e ser todo vosso. Maria santíssima, auxiliai-me.

32. “Nós, porém, pregamos Jesus crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios” (1Cor 1,25). Segundo nos atesta S. Paulo, os gentios, ouvindo pregar que o Filho de Deus tinha sido crucificado pela salvação dos homens, tinham isso em conta de loucura. Quem poderá crer nessa loucura, diziam, que um Deus tenha querido morrer por amor de suas criaturas? Até S. Maria Madalena de Pazzi, extasiada de amor, exclamava, fora de si: Não sabeis, caras irmãs, que o meu Jesus não é senão amor? que ele é louco de amor? Digo que sois louco de amor, ó meu Jesus, e sempre o direi. Ah, meu Redentor, se eu possuísse os corações de todos os homens e com esses corações vos amasse quanto mereceis! Ó Deus de amor, por que é que nesta terra, na qual derramastes todo o vosso sangue e destes a vida por amor dos homens, tão poucos homens ardem em amor por vós? Vós viestes para acender nos nossos corações o fogo desse amor e nada mais desejais do que vê-lo aceso: “Eu vim trazer fogo à terra e que desejo eu, senão que ele se acenda?” (Lc 12,49). Suplico-vos, pois, com a santa Igreja, para mim e para todos os homens que vivem: Acendei neles o fogo de vosso amor, acendei, acendei. Meu Deus todo bondade, todo amor. fazei vos conhecer e fazei-vos amar por todos. Eu não me acanho de assim rogar, eu, que no passado desprezei mais que os outros o vosso amor. Agora, iluminado com a vossa graça e ferido por tantas setas de amor que me dirigistes de vosso coração inflamado e abrasado de amor por minha alma, não quero mais ser ingrato como fui até aqui; quero amar-vos com todas as minhas forças, quero arder em vosso amor e vós mo haveis de conceder. Não pretendo consolações e ternuras no vosso amor, não as mereço, nem vo-las peço, basta-me que eu vos ame. Amo-vos, meu sumo bem, amo-vos, meu Deus, meu tudo: “Meu Deus e meu tudo”.

Continua...

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