OS SUBTERFÚGIOS DOS DESCRENTES
Todos os incapazes de suspeitarem a existência daquele mundo celeste, obrigados, julgam eles, pela sua razão a negá-lo, têm por isso que procurar causas meramente naturais às quais possam atribuir os fenômenos donde Lourdes, mediante Bemadette, veio a ser o que é hoje.
As primeiras dessas causas aventadas foram impostura e simulação por parte de Bernadette.
Delas não falarei: eram coisa ridícula em se tratando de uma menina tão singela, e por isso ninguém ligou importância a tal explicação.
Outra causa muito mais verossímil à primeira vista (e confesso ter-me ela, durante largo tempo, trazido o espírito como que obsedado, enquanto não estudei os fatos) era ilusão, da qual teria sido vítima a Vidente, por estar influenciada com alucinações sensoriais. É aliás a única de que podem lançar mão os que não crêem que a Mãe de Cristo se tenha mostrado sensivelmente a Bernadette (e entre eles pode haver muitos católicos, visto que o fato das aparições não constitui um dogma. Prensados entre suas duas convicções, isto é, que por uma parte Bernadette julgou ver, e por outra, que ela não podia ver, não lhes fica outra saída senão a de se valerem daquele estado mórbido bem conhecido dos neurólogos.
Vêem e ouvem os alucinados distintamente imagens e sons inexistentes. Tenho assistido e velado uma amiga alucinada. Afirmou-me ela que os vizinhos do andar superior lhe filmavam de contínuo a vida mediante luz especial capaz de atravessar corpos opacos e cujo clarão, à noite, ela via nitidamente segui-la de um quarto para outro do seu apartamento.
Percebia juntamente o ruído dos passos deles que, de lá de cima, lhe acompanhavam as idas e vindas de alvoroçada. Estava eu junto dela. Não havia, já se entende, nem luz nem sonido: silêncio total, escuridão completa.
A especialidade das sensações nessas pessoas é o absurdo. Minha doente, esquecendo acaso que os indiscretos moravam no andar superior, alojava-os no andar correspondente ao dela, do outro lado do pátio, donde, a dar-lhe crédito, a tramoia deles era a mesma.
Na casa de saúde em que depois a trataram, apontou-me esta ou aquela pessoa que ela ouvira claramente afirmar às escâncaras, fatos infamantes da vida passada dela, vida que fora a mesma pureza.
Garanto que aquelas pessoas eram incapazes de tais calúnias. Mas o Dr. F. neurologista muito conhecido que dela cuidava, capacitou-me de que esses ditos tinham sido percebidos pela doente tão nitidamente como se foram realmente proferidos.
Um ano mais tarde, minha infeliz amiga, que durante vinte anos me mostrara o mais terno afeto, morria persuadida e sentida de que eu, durante a sua permanência naquele estabelecimento lhe havia arrombado e saqueado o apartamento.
Não falo senão de um caso de alucinação do qual fui testemunha. Mas sei que a incoerência, desordem
e insânia, que nele notei, são constantes em todos os fenômenos desse estado, que não é a loucura, a ela porém, as mais das vezes leva.
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Acabo de viver intensamente, através dos lugares e dos livros, os trinta e cinco anos que Bernadette passou na terra. Não havia cérebro mais sadio, nem existiu nunca bom senso de camponês mais forte que o dela. É uma amostra típica daquela sabedoria de mulher lídima e segura, que em algumas jamais desacerta. Sua vida breve, que iremos acompanhando, é um edifício perfeito quanto à harmonia e ao equilíbrio. Será nisto que se manifestam as nevrosadas?
12 de novembro de 2021
A Humilde Santa Bernadette - Colette Yver
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