24 de janeiro de 2019

Tesouro de Exemplos - Parte 585

SANTA AFRA, A PENITENTE

A história desta Santa vem referida por muito bons autores, como o Cardeal Fleury, o Cardeal Orsi, o P. Massini e outros; e é de muito consolo e encorajamento para os pecadores arrependidos, que nela podem admirar a fortaleza que lhe deu Nosso Senhor para suportar o tormento do fogo, bem como a sabedoria que lhe infundiu para responder às palavras com que o tirano a quis perverter.
Santa Afra, natural de Augsburgo, na Baviera, era pagã e de costumes tão dissolutos que fez de sua casa um bordel e, com o auxilio de suas escravas, ocupava-se em corromper a juventude daquela cidade. Tanto mais brilha a graça de Nosso Senhor quanto mais asqueroso é o lodaçal de que a tirou para fazer dela uma gloriosa mártir.
Crê-se que com sua mãe e toda sua casa foi convertida por São Narciso, como se lê no Martirológio Romano. Das atas de seu martírio consta que desde o momento de sua conversão a Santa teve continuamente diante dos olhos da alma a fealdade e malícia de seus pecados. E deles sentia tão grande dor que, apenas abraçou a fé crista, deu-se pressa em gastar para socorro dos necessitados o que adquirira no tráfico infame. Se algum cristão se recusava a aceitar aquele dinheiro que fôra preço de ofensas a Deus, ela lhe suplicava com lágrimas que o aceitasse e pedisse a Nosso Senhor se dignasse perdoar-lhe suas passadas culpas e extravios. Desse modo se preparou Santa Afra para a gloriosa coroa e palma do martírio.
Ardia por aquele tempo a perseguição de Diocleciano. Nossa Santa foi presa e levada à presença do juiz Gaio que ao vê-la disse:
— Vamos! sacrifica a nossos deuses, que mais te valerá viver que morrer..
— Não o permita Nosso Senhor — respondeu Afra; — bastam os pecados que cometi quando ainda não conhecia o verdadeiro Deus. Agora não posso fazer o que me mandas e não o farei. Não quero acrescentar nem uma injuria mais as que fiz a meu Senhor..
Gaio mandou que a levassem ao templo; mas ela com toda serenidade disse:
— Meu templo é Jesus Cristo, a quem sempre tenho presente e a quem todos os dias confesso minhas culpas; indigna sou de oferecer-lhe outros sacrifícios e meu maior desejo é sacrificar-me a mim mesma a fim de que este corpo com que o ofendi seja purificado pelos tormentos que sofrer.
— Tu — replicou Gaio — não podes esperar nada, por tua má vida, do Deus dos cristãos: sacrifica, pois, aos nossos deuses.
— Meu Senhor Jesus Cristo — respondeu ela — disse que desceu do céu para salvar os pecadores, e no seu Evangelho lê-se que uma mulher pecadora, que lhe lavou os pés com suas lágrimas, obteve o perdão de suas culpas; também se lê que Ele não repelia as mulheres más, nem os publicanos, antes se dignou conversar e comer com eles.
O juiz não se envergonhou de aconselhar-lhe que volvesse às suas passadas desordens para recobrar o afeto dos homens e adquirir riquezas, porque ainda estava em tempo de consegui-las.
— Renuncio — respondeu Afra — a essas riquezas e as detesto; o que ganhei no passado arrojei de mim com horror e reparti-o entre os pobres, suplicando-lhes que o aceitassem. Como poderia pensar em ganhar dinheiro dessa maneira?
— Teu Cristo — continuou Gaio — julga-te indigna de si; em vão o chamas teu Deus, ele não te reconhece por sua: uma rameira jamais deve chamar-se cristã.
— Assim é — respondeu a Santa — sou indigna de chamar-me cristã; mas meu Deus, que não escolhe as pessoas pelo mérito delas, mas pela bondade dele, dignou-se escolher-me e permite-me chamar-me com esse nome.
— E como sabes — perguntou Gaio — que te fez essa graça?
— Conheço — disse Afra — que não me repeliu de si porque me dá forças para confessar seu santo nome e esperança de ser perdoada de todos os meus pecados.
— Que, nada! fábulas que me contas; sacrifica a nossos deuses e eles te salvarão.
— Minha salvação está em Jesus Cristo, que estando na cruz prometeu o perdão e o paraíso a um ladrão que confessou suas culpas.
— Se não sacrificas te mandarei despir e, em presença de todos, com grande vergonha e confusão tua, te mandarei açoitar.
— Eu não tenho vergonha senão de meus pecados.
— Enfim, não sei por que perder tempo em disputar contigo: ou sacrificas ou te condeno a morte.
— É o que desejo: morrer, e pela morte chegar ao descanso eterno.
— Se não sacrificas, eu te mandarei atormentar e queimar viva.
— Sofra meu corpo qualquer tormento, já que foi instrumento de tantos pecados, mas nunca se diga que manchei minha alma sacrificando aos deuses.
Gaio pronunciou então a sentença seguinte: “Mandamos que Afra, rameira, que declarou ser cristã e recusou sacrificar aos deuses, seja queimada viva".
Escolheu-se para lugar da execução da sentença uma ilhota formada pelo rio Lech: os verdugos ataram a Santa a um pau, e ela, levando os olhos ao céu, fez a seguinte oração: “Senhor meu Jesus Cristo, que viestes chamar não os justos mas os pecadores à penitência, e que nos fizestes saber que na hora em que o pecador volta a vós arrependido esqueceis todos os seus pecados: recebei esta pobre pecadora, que se oferece a sofrer esta pena por vosso amor, e por este fogo que abrasará meu corpo livrai-me do fogo eterno”.
Terminada esta oração, e acesa já a fogueira, disse ainda a mártir: “Senhor, que sendo inocente vos sacrificastes pelos culpados, e sendo bendito de Deus morrestes por nós, os malditos, dou-vos graças e ofereço-vos este sacrifício de mim mesma a vós, que reinais com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém”. Disse, e assim dizendo expirou.
Tomaram os cristãos aqueles restos mortais e levaram-nos ao sepulcro da família, distante de Augsburgo meia légua. Isto foi no ano da grata de 304.

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