20/26 - Remédios para a tristeza má.
1º Remédio - Convém receber a tristeza com paciência, como um castigo justo das nossas vãs alegrias, porque o inimigo, vendo que ela nos aproveita não se serve dela. Embora, para sermos salvos, não precisamos desta paciência, agrada a Deus e serve-nos de remédio.
2º Remédio - É preciso ir de encontro as inclinações de tristeza, derrubando as suas sugestões; e embora tudo o que então se faz se opere tristemente, não convém deixar de o fazer, porque o inimigo, que pretende entibiar-nos no meio das boas obras, pela tristeza, vendo que nada ganha e pelo contrário as nossas obras são melhores sendo feitas com resistência, não nos aflige mais.
3º Remédio - Quando pudermos é bom entoar cantigas espirituais, porque o inimigo cessa as suas operações muitas vezes, seja pelo que for. Sirva de exemplo o espírito que atormentava a Saul, cuja violência se moderava pelo salmodiar.
4º Remédio - É bom exercitarmo-nos em alguma obra exterior e diversificá-la o mais possível para divertir a veemente aplicação do espírito ao assunto triste, purificando e aliviando o organismo, visto a tristeza ser uma paixão de compleição fria e humilde.
5º Remédio - Praticai ações exteriores de fervor, embora as pratiqueis sem gosto, abraçando a imagem do crucificado, apertando-a contra o peito, osculando-lhe as mãos e os pés, elevando ao céu as vossas mãos e olhos, e levantando a voz para o céu, dirigi a Deus estas palavras de amor e confiança: "O meu amado esta comigo e eu com Ele; o meu Amado é como ramalhete de mirra para o meu coração. Meus olhos cansam-se de contemplar-vos, ó meu Deus; não cesso de dizer: quando me consolareis? Ó Jesus, sede para mim Jesus! Viva Jesus! e viverá a minha alma. Quem me separa do amor do meu Deus?" e outras aspirações semelhantes.
6º Remédio - A disciplina moderada é algumas vezes boa, porque a aflição exterior voluntária impetra a consolação interior da alma, e, aplicando ao corpo dores exteriores, sentem-se menos as interiores, como dizia o Salmista: "Quanto a mim, quando me feria, revestia-me de força". E também vem a propósito dizer: "A tua vara e bastão consolaram-me".
7º Remédio - A oração, diz São Tiago, é um remédio soberano: "Se alguém estiver triste, ore". Não quero dizer que se devam fazer meditações, mas frequentes perguntas e petições, à Deus; é preciso dirigirmo-nos sempre neste sentido à bondade divina, por invocações cheias de confiança, o que se não faz quando estamos na alegria, e podemos crer que não temos necessidade de exitar em nossos corações sentimentos de temor, como por escrúpulo: Oh! Senhor justíssimo e terrível; oh! como me faz tremer a vossa soberana Majestade: "Oh! Deus de misericórdia, bom e benigníssimo, vós sois a minha alegria, a minha esperança, ó caro esposo da minha alma"; e convém assim falar, apesar da tristeza, à qual não devemos atender, nem dar crédito, quando nos impede de proferir e enunciar estas palavras de confiança e amor; e embora isto pareça sem fruto, convém continuar a esperar o fruto que virá depois da aflição.
A comunhão frequente também é um meio ótimo, porque este pão celeste fortalece o coração e regozija o espírito, dando-nos o Senhor das consolações.
8º Remédio - Um dos remédios mais seguros é descobrir o coração, sem nada ocultar, a alguma pessoa espiritual e prudente, e declarar-lhe todos os sentimentos afetos e sugestões, que nascem da nossa tristeza, e as razões com que as alimentamos; e isto faça-mo-lo humilde e fielmente. E notai que a primeira condição que o inimigo põe à alma que quer afligir e seduzir, é o silêncio, como fazem os sediciosos nas conspirações e maus sucessos, porque sempre pedem que as resoluções e empresas sejam secretas. Deus, ao contrário, põe por primeira condição a discrição, não querendo, é verdade que se descubram indiscretamente as graças e favores, mas que se descubram com prudência e segundo as regras dessa humilde discrição as pessoas dotadas das qualidades requeridas. Mas enfim, senão encontrais repouso nestes meios, tende paciência; esperai que nasça o sol e dissipe esses nevoeiros; tende animo; "esta doença não é mortal; mas serve para que Deus seja por ela glorificado". Fazei como os que sentem os enjoos do mar, porque depois de visitarem todos os cantos do navio, para ver se encontram alívio, acabam por abraçar os mastros para se protegerem contra os atordoamentos de cabeça que sentem, embora este socorro seja curto e incerto. Mas, se com humildade abraçardes os pés da cruz, e nela não encontrardes remédio algum, pelo menos encontrareis paciência.
Regozijai-vos quanto puderdes em praticar o bem, porque é uma dupla graça para as boas obras o serem bem feitas, com alegria. E quando eu digo, obrando bem, não quero dizer que, tendo qualquer defeito, vos entregueis por isso à tristeza; não, por Deus: não junteis um defeito ao outro, quero dizer, que persevereis em praticar sempre o bem e volteis sempre a ele logo que o conheçais estar dele afastados, e com esta fidelidade vivereis geralmente contentes.
Enfim nós pertencemos completamente a Deus sem reserva, sem divisão, sem exceção alguma, e sem outro desejo senão honrá-lo e pertencer-lhe. Se sentissimos um único vestígio de afeto em nosso coração que não fosse para Ele, arranca-lo-í-amos imediatamente. Fiquemos pois em paz, digamos com o grande amante da Cruz: "Ninguém me perturbe porque quanto a mim tenho no coração os estigmas do meu Jesus". Sim; se uma única fibra do nosso coração não estivesse marcada com o cunho do Crucifixo, nem um só momento o quereríamos guardar. Para que nos inquietamos? Ó minha alma, espera em Deus; porque te entristeces e perturbas visto que Deus é o meu Deus, e o meu coração é todo seu?
Ouçamos e imitemos o divino Salvador, que, como um perfeito salmista, canta os sublimes raptos do seu amor na árvore da Cruz, concluindo-os todos assim: "Meu pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito". (Lucas, XXIII, 41). Depois, que digamos isto, que falta senão expirar e morrer de amor, não vivendo para nós mesmos, mas para Jesus Cristo, que vive em nós?
Então cessarão todas as inquietações do nosso coração, proveniente de desejos que nos suscita o amor próprio e de afetos que sentimos; e isto nos faz procurar com pressa as nossas satisfações e perfeições.
Por consequência, entregue aos exercícios da nossa vocação, ajudados pela amorosa confiança, progrediremos, sem dar por isso, e avançaremos sem andar e sem mudar de posição, como acontece aos que navegam no alto mar, com vento próspero.
Por consequência, todos os sucessos e acidentes que sobrevierem, serão recebidos com alvoroço e alegria, porque aquele que esta nas mãos de Deus, que repousa em seu seio, que se abandonou ao seu amor, e que se submeteu ao se agrado, que pode experimentar que o abale? Em todas as circunstâncias sem pararmos a raciocinar sobre as causas e motivos dos sucessos, pronunciai do coração esta santa obediência ao Salvador: "Sim, meu Pai, assim, porque assim vos agradou". (Mat. XI, 29).
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