13/26 - Das provas na oração.
A oração esclarece o nosso entendimento com a luz divina e a nossa vontade com os santos ardores do amor celeste. Nada limpa tanto o nosso espírito dos seus erros e a nossa vontade dos seus maus afetos. É uma água de benção, que faz, por assim dizer, reverdecer e florescer as plantas dos bons desejos e apaga a sede aos nossos corações sedentos à força de movimentos desordenados.
A inquietação que sentis na oração, e o ardor com que procurais coisa que possa sossegar ou contentar o vosso espírito, já é suficiente para a não encontrardes. Passamos cem vezes a mão e a vista por sobre um objeto, sem o vermos, quando o procuramos com muita pressa.
Desta pressa vã e inútil só resulta um cansaço de espírito, e daí esse vácuo e apatia da vossa alma. Não sei os remédios que empregais; mas se impedirdes este ardor, fazeis muito bem, por ser um dos grandes inimigos da devoção verdadeira e da verdadeira virtude. Finge abrasar-nos no bem; mas é para nos esfriar, e faz-nos correr para cairmos. Livremo-nos sempre dele, principalmente na oração. E para vos auxiliar lembrai-vos que as graças, bens da oração não são águas terrenas, mas celestes; por consequência não as adquirem os nossos reforços; para isso é preciso dispor-mo-nos a um grande cuidado, mas humilde e tranquilamente.
Convém ter o coração aberto para o céu e esperar o orvalho santo. E nunca nos esqueçamos de considerar na oração, pois nela nos aproximamos de Deus e nos colocamos em sua presença por duas razões principais. A primeira para honrar a Deus e render-lhe homenagem do que lhe devemos, o que bem podemos fazer sem ela nos falar, nem nós a ele, porque cumprimos esse dever reconhecendo ser Ele nosso Deus, e nós vis criaturas, prostrando-nos em espírito perante Ele, à espera de suas ordens.
Quantos cortesões há que vão cem vezes à presença do rei sem lhe falarem, nem o ouvirem; mas somente para que os veja e para lhe testemunharem a assiduidade com que o servem! E este motivo de nos prostrarmos ante Deus para lhe render vassalagem e reconhecimento, é puro, santo, e por conseguinte, de grande perfeição.
A segunda rezão pela qual nos lançaremos aos pés de Deus, é para falar com Ele e ouvi-lo falar por suas inspirações e movimentos interiores; e de ordinário praticamo-lo com um prazer delicioso, por ser para nós grande bem falarmos com um tal Senhor; e quando responde, lança mil preciosos bálsamos, que enchem a alma de ternuras.
Ora um destes dois bens nunca nos pode faltar na oração. Se podemos falar a Nosso Senhor, falemos-lhe, louvemo-lo, oremos-lhe, escutemo-lo, se não pudermos falar-lhe, reverenciemo-lo. Ele nos verá; abençoará a nossa paciência e favorecerá o nosso silêncio. Outras vezes ficaremos encantados por Ele nos tomar da mão e passear pelas avenidas do jardim da oração; e quando não o faça, contentemo-nos, que é o nosso dever de entrarmos no seu séquito, pois já é uma grande graça e honra o admitirmos à sua presença.
Vede, vô-lo peço, como se lamenta esta pobre alma; o seu desconsolo até lhe transluz no rosto; tem um ar abatido e melancólico e esta pensativa e confusa. Que tendes? lhe perguntamos nós. "Ah!que tenho?" Estou abatida e tão lânguida, que nada me satisfaz e tudo me desgosta; quase que perco a coragem de aspirar mais a perfeição.
Meu Deus, que abatimento! Faltam ao mesmo tempo a consolação e a coragem. Não se deve fazer assim; mas quanto mais Deus nos privar da consolação tanta mais fidelidade lhe devemos testemunhar. Um só ato feito com fraqueza de espírito vale mais do que muitos feitos com consolação, porque se faz com um amor mais forte embora não seja terno nem agradável. Nada digo do vosso coração, porque não tem lágrimas; não, porque o pobre coração não pode, e isto não provém da falta de resoluções e afetos de servir a Deus; mas de paixão sensível, que não depende do coração, mas de disposição que não nos é dado procurar. Porque da mesma forma que neste mundo não podemos fazer com que chova ou deixe de chover, à nossa vontade, também não podemos chorar quando queremos por devoção, nem deixar de chorar quando chega a impetuosidade das lágrimas. Não temos disso a culpa; mas é a providência de Deus que quer conduzir-nos por terra e por desertos, e não por água; assim como quer acostumar-nos ao trabalho e as penas. Conservai o vosso coração firmemente unido à Deus, que não há situação melhor.
Deixai as vossas inquietações fastidiosas e não digais que nada fazeis na oração. Pois que quereis vós fazer senão apresentar a Deus o vosso nada e miséria?
O melhor pedido que nos fazem os mendigos é apresentarem-nos as suas úlceras e necessidades. Algumas vezes, porém, dizeis vos, nem isso fazemos; deixamo-nos ficar como um fantasma ou uma estátua. Pois bem, isso mesmo já não é pouco. Nos palácios dos reis colocam-se estátuas, que só servem para lhes recrear a vista. Contentai-vos pois de servirdes de estátua na presença de Deus, e ele, quando lhe agradar, animará essa estátua.
Perguntais-me como fareis para irdes diretamente a Deus, sem olhar para a direita nem para a esquerda. Esta palavra me é tanto mais agradável, quanto tem em si mesma a resposta. Fareis isso mesmo; dirigir-vos-ei a Deus, sem olhardes para a direita nem para a esquerda.
Não é isso o que perguntais, bem sei; mas como podereis unir por tal forma o vosso espírito a Deus, que nada o demova?
Para isto são necessários duas coisas: morrer e salvar-se; porque depois não haverá separação e o vosso espírito estará indissoluvelmente unido a Deus.
Dizei-me que ainda não é isso que perguntais; mas sim o que fareis para que nem uma mosca retire de Deus o vosso espírito, como muitas vezes acontece.
Quereis provavelmente dizer a menor distração; mas deveis saber que a distração não nos retira de Deus, porque Deus só se retira pelo pecado; e a resolução de ter sempre unido a Deus o espírito, consegue isso, ainda quando dormimos, porque o fazemos em nome de Deus e segundo a sua santíssima vontade. Os próprios pecados veniais não nos afastam do caminho que conduz a Deus; fazem-nos deter um pouco, mas não nos afastam, e muito menos as distrações.
A oração não nos é menos útil, nem menos agradável a Deus, em razão de nós nela termos distrações; pelo contrário, ser-nos-á mais útil do que se nela tivéssemos consolações, por termos mais trabalho, contanto que nos esforcemos por afastar essas distrações e não demoremos nelas o espírito voluntariamente. Digo o mesmo relativamente a conservarmos o espírito fixo em Deus pelo dia adiante, fazendo-o retirar de correr atrás das distrações e tendo paciência, não nos cansando deste trabalho, que é sofrido por amor de Deus.
Convém distinguir entre Deus e o sentimento de Deus, entre a fé e o sentimento da fé. Uma pessoa que vai sofrer por Deus o martírio não pensa todo esse tempo sempre em Deus; e embora não tenha então o sentimento da fé, não deixa por isso de merecer e fazer um ato de grande amor. Da presença de Deus podemos dizer o mesmo. Contentemo-nos de considerar que Ele é nosso Deus e nós criaturas fracas, indignas dessa honra, como fazia São Francisco, que passou uma noite inteira, dizendo à Deus: "Quem sois vós e quem sou eu?"
Aquele que orando percebe que ora, não esta perfeitamente atento a orar: porque retira ao seu pensamento de Deus, para o aplicar à oração. O grande cuidado que muitas vezes temos em não ter distrações já é uma grande distração; a simplicidade nas ações espirituais é a qualidade mais recomendável. Quereis contemplar a Deus? Contemplai-o e estai atentos a isso; porque se refletirdes e voltardes os olhos para verdes o rosto que tendes ao contemplá-lo, não é já a Ele que contemplais, mas a vós. O que esta em fervorosa oração, não repara se esta em oração, ou não; porque não pensa na oração que faz, mas em Deus a quem a faz.
O que arde em amor sagrado, não volta o coração para saber o que faz; mas tem-no ocupado em Deus, ao qual aplica o amor. O cantor celeste tem tanto gosto em agradar ao seu Deus, que nenhum prazer sente na melodia da sua voz, senão porque ela agrada a Deus.
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