21 de maio de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

21/26  -  Consolações nos sofrimentos.

Prostremo-nos aos pés do Crucifixo e contemplemos as dores que sofremos através da cruz e das injúrias que Nosso Senhor recebeu; por este meio tornar-se-á leve a aspereza das aflições, e as vezes tornar-se-á tão agradável, que amaremos mais o sofrimento do que o gozo de toda a consolação! Ah! quando virmos o nosso Salvador, depois de mil opróbrios e dores, crucificado, e morto entre os espinhos e cravos, e ao pé Nossa Senhora e São João, entre as admiráveis e espantosas trevas que houve na sua paixão, convencer-nos-e-mos de que as cruzes e aflições são mais amáveis do que os contentamentos e deleites; tanto assim, que a sabedoria de Deus as escolheu para si e para os seus servos verdadeiros e mais queridos, e ainda nos deu delas alguma parte, a nós miseráveis e vis. Ah! devia ser para nós uma grande graça sermos também crucificados com Jesus Cristo e poder testemunhar o nosso amor para com Ele nas tribulações, como Ele testemunhou o seu para conosco durante a sua paixão.
Muitas vezes os remédios que os médicos e farmacêuticos receitam e preparam, são rejeitados pelos enfermos: mas sendo-lhes oferecido por mão amiga, o amor vence a repugnância, e recebem-nos com alegria, e tem-se notado que algumas crianças sem verem a sua mãe, só pelo conhecimento que tem da sua vontade, tomam tudo o que lhe mandam, sem gosto algum, porque não saborearam o que comem, nem veem a sua mãe, comendo só para lhe fazer vontade. Oh! meu Deus, porque é que a lembrança só do vosso gesto não há de tornar amável o sentimento da aspereza, as penas deliciosas e os trabalhos desejáveis?
As abelhas misticas fabricam o mel mais delicioso nas chagas deste leão da tribo de Judá ferido e martirizado no Calvário, e os filhos da cruz glorificam-se no seu admirável problema, que o mundo não compreende; da morte, que tudo devora, saiu a carne da nossa consolação; da morte, mais forte do que tudo, sairá a doçura do mel do nosso amor.
Juntemos pois as nossas penas e trabalhos com os tormentos de Jesus Cristo, para que neles tenham o seu mérito e valor, e acreditemos que os nossos sofrimentos nunca se poderão separar, nem em qualidade, nem em quantidade, com os de Nosso Senhor e dos Santos; nada sofreremos por Ele em comparação com o que Ele sofreu por nós.
Eis o motivo que obrigava os santos a tomarem como uma grande honra as afrontas, calúnias e opróbrios que o mundo lhes dizia; é assim que se glorificavam no crucifixo e no aniquilamento de si mesmos, tendo mais contentamento, alegria, glória e felicidade no trono da cruz, do que Salomão teve no seu trono de marfim; e o seu amor era tão forte e poderoso, que o não podiam apagar as águas da tribulação e os rios da perseguição.
As virtudes que crescem entre as prosperidades são de ordinário fracas e frouxas; mas as que nascem entre as angústias são fortes e firmes; assim como o vinho mais fino e superior é o que nasce em um terreno pedregoso.
Peço a Deus que resida sempre em vosso coração para que não se abale com tantos embates, e que, fazendo-vos participante da sua cruz, vos comunique a sua santa tolerância e o divino amor que torna as tribulações tão preciosas.
Guardai um santo silêncio, porque é bom guardar as palavras para Deus e para sua glória. Deus sustentou-vos com o seu braço na aflição. Convém pois obrardes assim sempre. Meu Deus, dizia São Gregório a um bispo aflito, como pode ser que os nossos corações, que já pertencem ao céu, sejam agitados pelos acidentes terrenos? A vista do nosso querido Jesus crucificado basta para atenuar em um momento todas as nossas dores, que são flores em comparação com os seus espinhos.
E já que o nosso gozo completo esta na eternidade, que influência pode exercer sobre nós tudo o que acaba com o tempo?
Pensemos que esta vida mortal esta cheia de eventualidades, a que estamos sujeitos; que as consolações são raras e os trabalhos inumeráveis, e que portanto estamos em um estado em que nos cumpre alimentar-nos mais com absinto de que com mel; com a certeza de que Aquele, por quem, padecemos e resolvemos alimentar a paciência entre todas as oposições, nos dará na estação própria a consolação do seu Santo Espírito, transformará os cravos e espinhos das contrariedades em pedras preciosas para a eternidade e dará à nossa caridade um novo brilho. Há perto de Grenoble um fogo que se alimenta em uma fonte; da mesma maneira a caridade santa é fonte que alimenta as suas chamas e consolações nas mais tristes angústias da morte e nas águas da adversidades.
Lembremo-nos da coroa celeste, que se não dá sem vitória, e a vitória não se obtém sem combate; convém pois achar agradáveis os combates das tribulações. Ah! se pudéssemos contemplar a glória, veríamos que nenhum dos mortais que aí são imortais viveu sem aflições e perturbações contínuas; porque nos afligirão pois as pequenas dificuldades que Deus nos envia, e porque nos impacientamos com tão pouco se uma gota de humildade bastaria para nos fazer suportar com paciência o que nos acontece justamente em castigo dos nossos pecados?
Enfim, visto ser necessário sofrer as penas, os trabalhos e os casos que nos acontecerem, convém que nos imolemos em espírito ao agrado de Deus, e beijemos essa cruz com ternura, lembrando-nos da consolação geral que quase sempre temos nos males deste mundo, a saber: a esperança de que não serão duradouros e que lhe veremos o fim. Depois exclamemos cordialmente, à imitação de Santo André: "Nós te saudamos, ó cruz; nós te saudamos, ó tribulação bem aventurada, ó aflição santa, quanto és amável, pois nasceste do seio amável deste Pai de eterna misericórdia, que te destinou para nós de toda eternidade!"
De resto o único remédio da maior parte das nossas doenças corporais e espirituais, é a paciência e conformidade com a vontade divina, resignando-nos ao seu agrado, sem reserva nem exceção, na saúde, na doença, no desprezo, na honra, na consolação, na desolação, no tempo e na eternidade; aceitemos de boa vontade todos os trabalhos espirituais e corporais da sua amabilíssima mão, como se Ele estivesse presente, oferecendo-nos para sofrermos muito mais ainda, se lhe agradar. Não fazemos ideia de  como uma tal resignação na vontade divina torna os nossos sofrimentos puros e meritórios, quando os recebemos não só com doçura e paciência, mas ainda quando os amamos e estimamos, pelo agrado divino donde procedem. Assim como um ramo de agnuscastus releva o cansaço do viajante que o traz, assim a cruz, a mortificação, o jugo, é a lei do Salvador, que é verdadeiro cordeiro casto, é um verdadeiro peso que alivia, que consola e recreia os corações que amam a sua divina Majestade. Não temos trabalho naquilo que amamos, ouse há trabalho é um trabalho amado; o trabalho misturado com o amor santo é um misto de doçura e agrura, mais agradável ao gosto do que a própria doçura.
Sabeis o que fazem os pastores da Arábia quando veem relampejar, trovejar e o ar estar coberto de nuvens? Retiram-se para debaixo dos loureiros, eles e os seus rebanhos.
Quando vemos que as perseguições e contradições nos ameaçam com alguma grande desgraça convém que nos retiremos, a nós e as nossas aflições, para o pé da santa cruz, com uma plena confiança de que tudo será para proveito dos que amam a Deus.
Conservai firme o vosso coração; livrai-vos das presas; entregai muitas vezes a vossa confiança à providência de Nosso Senhor e estai certo de que passarão o céu e a terra, mas que vos não faltará Nosso Senhor com a sua proteção enquanto fordes sua filha obediente ou desejeis pelo menos sê-lo.
Duas ou três vezes por dia vede se o vosso coração esta inquieto por qualquer coisa, e, achando-o, tratai imediatamente de o sossegar.

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