30 de outubro de 2017

Sermão para o 20º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IB

[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 12: O Cânon Romano IV – Consagração da Hóstia

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Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Gostaria de continuar, caros católicos, meu propósito de comentar o sentido espiritual das cerimônias e orações da Missa no Rito Romano Tradicional. Nós chegamos hoje na parte mais importante da Missa: a consagração. A consagração é o centro da Missa. E a Missa, sendo a renovação do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, é o centro do mundo e da humanidade. Assim, a consagração é o centro de tudo, é o centro da Igreja, é o centro de nossas vidas, é o centro da humanidade.
A consagração é o momento em que, pelas palavras do sacerdote, Nosso Senhor se faz presente em corpo, sangue, alma e divindade sobre o altar, e renova seu sacrifício de modo sacramental, místico. Lembremos que o sacrifício da missa é exatamente o mesmo sacrifício que Cristo ofereceu no calvário. Não há diferença entre eles, a não ser no modo, pois na cruz o sacrifício foi cruento, isto é, sangrento, com efusão de sangue e sofrimento, e, na Missa, o sacrifício é incruento, sem efusão de sangue, sem sofrimento. Tudo o mais é idêntico. É o mesmo sacerdote que oferece o sacrifício: Nosso Senhor Jesus Cristo. É a mesma vítima que é oferecida: Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, não se trata de sacrifícios diferentes, mas do mesmo e único sacrifício da cruz, renovado nos altares pela onipotência e pela misericórdia de Deus. O que renova o sacrifício são as palavras da consagração. É pela consagração que todas as graças alcançadas por Cristo na cruz nos são aplicadas. Portanto, a consagração é, de fato, o centro de tudo. É o momento mais sublime e santo, mais solene e frutuoso. É a essência da Missa. Estamos aqui no santo dos santos. Um silêncio profundo circunda a consagração, antes e depois, para marcar bem o mistério do que ocorrerá. Tudo na Missa até aqui foi preparação para a consagração. Tudo depois será consequência da consagração.
As palavras que realizam a consagração propriamente dita, isto é, que realizam a mudança da substância do pão na substância do corpo de Cristo e a mudança da substância do vinho na substância do sangue de Cristo são respectivamente: “isto é o meu corpo” e “este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança – mistério da fé – que será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados”.
Todavia, temos outras palavras que antecedem as palavras da consagração propriamente ditas. Consideremos, então, toda essa parte da Missa.
Qui pridie quam patereteur. Na véspera de sofrer, ou na véspera de sua paixão. Assim começa essa parte da Missa, fazendo referência clara à paixão de Cristo, pois a Missa é justamente a renovação de seu sacrifício que se consumou na cruz. Ele tomou o pão em suas santas e veneráveis mãos. Nosso Senhor Jesus Cristo tomou o pão em suas mãos. O pão que nos serve de alimento para o corpo e que será a matéria desse sacramento e que se tornará o Corpo de Cristo. O texto da Missa diz que Cristo o tomou em suas santas e veneráveis mãos. O “santas e veneráveis mãos” não se encontra nos textos do Novo Testamento que nos narram a instituição da Missa feita por Cristo na Última Ceia. Essas palavras e outras que não se encontram na Sagrada Escritura são consideradas de tradição divina e apostólica, ou seja, foi o próprio Cristo e os próprios apóstolos que nos deixaram pela tradição oral. É evidente que as mãos de Cristo são santas e veneráveis. Quanto bem não fez com suas mãos, quantas boas obras de misericórdia material e espiritual, curando doenças e perdoando os pecados, abençoando os homens? Mãos veneráveis, dignas de nossa devoção, mãos verdadeiramente divinas e que foram pregadas na cruz para a nossa salvação. Mãos verdadeiramente santas e veneráveis. O padre, ao dizer as palavras “tomou o pão em suas santas e veneráveis mãos”, toma a hóstia ainda não consagrada em suas próprias mãos, imitando o gesto do Salvador.
Et elevatis oculis in caelum. E, tendo os olhos elevados ao céu, voltados para Vós, Deus, Seu Pai onipotente. Mais uma vez, nas Sagradas Escrituras, não estão contidas essas palavras. Não nos é dito que Cristo tenha elevado os olhos ao céu. Sabemos disso pela tradição divina e apostólica. E é bem natural que Cristo o tenha feito. Ele elevou os olhos para multiplicar os pães, Ele elevou os olhos na ressurreição de Lázaro, e em outras ocasiões. Não levantaria nesse momento sublime de instituir a Missa, de instituir o sacrifício perfeito da nova e eterna aliança? Cristo elevou os olhos ao Pai, dando-Lhe graças por todos os seus benefícios, pela sua misericórdia para com os homens. E também abençoando o pão, para separá-lo de todo uso profano, já que esse pão será transformado no corpo de Cristo. Ao dizer essas palavras, o padre olha para a cruz no alto, depois inclina a cabeça ao mencionar a ação de graças e faz o sinal da cruz sobre o pão ao mencionar a bênção, para preparar o pão para a consagração. Durante a Missa, o sacerdote já abençoou a hóstia não consagrada inúmeras vezes, mas repete ainda uma vez essa bênção. Também já rendeu graças inúmeras vezes ao longo da Missa, como no prefácio, por exemplo.
Fregit deditque discipulis suis. E partiu-o e deu-o a seus discípulos dizendo: tomai todos e comei. Na Missa, a hóstia consagrada será partida apenas depois do Pai-Nosso e será dada apenas no momento da comunhão. Nosso Senhor dará seu corpo aos seus discípulos, cumprindo a sua promessa em São João 6, 52: “o pão que eu vos darei é a minha carne para a salvação do mundo.” Nosso Senhor se oferece em alimento para a alma de todos os homens, mas nem todos podem recebê-lo porque nem todos aceitam as suas palavras ou porque preferem permanecer no pecado mortal.
E chegamos realmente às palavras da consagração: “isto é, com efeito, o meu corpo”, hoc est enim corpus meum. São essas cinco palavras, ditas pelo sacerdote, que mudam inteiramente a substância do pão na substância do corpo de Cristo. Essas palavras não são ditas pelo padre em modo narrativo, mas em modo afirmativo, em modo intimativo. O padre não está aqui contando uma história ou simplesmente lembrando ou comemorando o que Cristo fez. O Padre está aqui fazendo verdadeiramente o que Cristo fez na Última Ceia. E isso se manifesta mesmo na tipografia, isto é, na disposição do texto no Missal. Depois das palavras “tomai todos e comei”, vem um ponto final. Há um parágrafo e, em letras maiúsculas, vêm as palavras da consagração. Não temos, portanto, dois pontos, que designam uma narrativa, nem a continuidade do texto. As palavras da consagração, ou seja, as palavras “isto é o meu corpo” estão separadas do resto. Parecem detalhes, mas é algo importantíssimo, para mostrar que a Missa é, de fato, a renovação do sacrifício de Cristo. Infelizmente, no rito novo, a tipografia não é tão clara assim, dando uma idéia mais de narração do que de realização de um ato. O fato de as palavras não reproduzirem exatamente o texto da Sagrada Escritura também nos deixa claro que não se trata de narração, mas da renovação da ação de Cristo. E, de fato, aqui é Cristo que age. O sacerdote age somente na pessoa de Cristo. Cristo é o sacerdote principal, é Cristo que opera a consagração. O padre é um instrumento nas mãos de Cristo. O Sacerdote empresta a sua voz a Cristo. É Cristo quem celebra a Missa em primeiro lugar.  Com essas palavras – isto é o meu corpo – e pela ação onipotente de Cristo, seu corpo passa a estar presente realmente e substancialmente sobre o altar tal como se encontra agora no céu, isto é, unido ao seu sangue, à sua alma e à sua divindade. Portanto, na hóstia consagrada está Cristo todo inteiro: corpo, sangue, alma e divindade. Do pão, permanecem somente as aparências: vemos pão, sentimos pão, o gosto e textura é de pão, mas sabemos, pelas palavras de Cristo, que é verdadeiramente o seu corpo que está ali.
Logo após a consagração o padre faz uma genuflexão, antes mesmo da elevação. Ora, isso é uma confissão de fé imediata de que ali está Cristo inteiro, realmente e substancialmente presente em corpo, sangue, alma e divindade. Depois dessa genuflexão é que o padre faz a elevação, para que os fiéis possam adorar Cristo. Depois da elevação, o padre faz nova genuflexão. No rito novo, infelizmente, a primeira genuflexão, imediatamente após a consagração, foi abolida, restando apenas a genuflexão após a elevação. Isso pode induzir alguns ao pensamento de que Cristo se tornaria presente não pelas palavras da consagração, mas pela fé do povo, ou seja, Cristo se tornaria presente quando é mostrado para o povo e quando o povo confessa que ele está presente. Isso é um erro gravíssimo professado por alguns protestantes.
A elevação logo após a consagração foi introduzida na idade média para combater algumas heresias eucarísticas. Por exemplo, a heresia de Berengário de Tours, que negava a presença real de Cristo nas espécies consagradas, ou o erro de alguns outros que afirmavam que o corpo de Cristo se tornava presente apenas depois da consagração do cálice. Não, na verdade, Cristo está já presente pelas palavras da Consagração ditas sobre o pão. Deve ser, então, adorado pelo padre com as duas genuflexões e pelo povo com a elevação da hóstia.
Consideremos, então, caros católicos, o milagre estupendo que se opera com as palavras da consagração. Consideremos a onipotência divina e também a sua bondade e misericórdia para conosco em se fazer presente a nós de maneira tão simples e tão humilde. E tudo isso para que possamos aproveitar mais do sacrifício de Cristo, para que possamos nos santificar e tê-lo conosco até a consumação dos séculos. Adoremos Cristo no altar reconhecendo seu soberano domínio sobre nós e sobre todas as coisas. Adoremos Cristo no altar pedindo perdão pelos nossos pecados. Pedindo as graças de que precisamos e agradecendo por todos os seus benefícios, mas em particular pela eucaristia, pela Missa e pelo sacerdócio.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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