7. SÃO PAULO, O APÓSTOLO DAS GENTES.
III. O MISSIONÁRIO.
Realizado o milagre da conversão de Saulo, vai ele iniciar a sua missão, anunciando a Cristo e sua doutrina. Quis, porém, preparar-se na solidão e no retiro para a importante tarefa que lhe era destinada e retira-se para a Arábia, onde permanece algum tempo o novo cristão, esforçando-se por harmonizar o velho homem com aquele em que se transformara há pouco. Sua estada aí foi importante para a evolução interior e o amadurecimento da teologia paulina que ele chama o "seu Evangelho", que foi fruto da iluminação interior, da meditação unida à prece e ao profundo estudo da Bíblia. À luz do Evangelho lhe são aclarados os seus estudos do Antigo Testamento.
Regressando a Damasco, recomeçou Saulo a falar do Messias e da sua fé, e isto o fazia nas próprias sinagogas em que tinha acesso. Sobe depois a Jerusalém para encontrar-se com os apóstolos e com os fiéis que ali se reuniam. Se em Damasco se surpreendem com sua atitude e o têm como um renegado, em Jerusalém os cristãos não podem compreender sua transformação e dele desconfiam. Um helenista, recém-convertido, de nome Barnabé, o conhecia bem, fora seu colega de estudos e o apresentou aos Apóstolos, responsabilizando-se por ele. "Então Barnabé, tomando-o consigo, o levou aos Apóstolos" (Atos IX, 27).
Em seu contato com Pedro durante 15 dias, Saulo lhe conta e aos discípulos o mistério da graça que em sua alma se operou, e suas primeiras pregações em Damasco. Por sua vez, Pedro lhe narra a história dos três anos passados em companhia de Cristo, a sua mensagem e os fatos maravilhosos de sua vida. Barnabé, que fôra enviado pelos Apóstolos à Antioquia, volta á procura de Saulo na Cilicia e o leva consigo para os grandes trabalhos na cidade de Oronte, onde grande multidão foi instruída no espaço de um ano, aí recebendo os discípulos pela primeira vez o nome de cristãos.
Estava por assim dizer terminado o aprendizado de Saulo, a sua formação de apóstolo sob a orientação competente de Barnabé. Agora, ei-lo pronto, disposto ao trabalho, na conquista do mundo
para a cruz. Verdadeiro apóstolo da causa de Cristo, sua vida se confunde com a doutrina que propaga. Seus dias se enchem no esfôrço e no trabalho, irradiando o Evangelho aos Gentios, levantando novas Igrejas por tôda parte e traçando para as suas comunidades orientações e conselhos através de suas famosas epístolas, em que resume de maneira perfeita e admirável toda a doutrina e moral cristãs, hoje, como ontem, constituindo a fonte abundante da fecunda ação da Igreja de Cristo. Obras primas do pensamento cristão, elas nos transmitem com inteira fidelidade muitas palavras de Jesus; narram com toda exatidão a instituição da Eucaristia, e ainda a doutrina de Cristo sobre a indissolubilidade do casamento.
A conversão do governador romano Sérgio Paulo foi o primeiro triunfo do cristianismo nas classes elevadas da sociedade romana. A partir daí a personagem principal deixa de ser Barnabé que foi se recuando para um plano secundário. E São, Lucas, daí para frente passa a designar o Apóstolo unicamente pelo seu nome de cidadão romano: Paulo. A ação de S. Paulo se desenvolve em dois grandes períodos: primeiramente na região oriental: Ásia Menor, Grécia, e bacia do Mar Egeu, no meio de grande inquietação religiosa. Depois as circunstâncias o removem para Roma, a cidade que centraliza, os poderes. Em ambos os casos, sua ação se desenvolve longe do Templo e da Palestina, diante das nações às quais Jesus ordenara fosse levado o seu Evangelho - "gentes", no latim, donde a tradição derivou gentios.
Nada poderia deter sua missão. Os obstáculos eram removidos pela sua firmeza e constante fortaleza; nem as chicotadas, as bastonadas, o medo da morte, perigos do mar, do deserto, as ameaças, fome, sede, frio, tempestades, afrontas são capazes de o prostrar. Tudo suporta por amor de Cristo (II Cor. XII-10). Apontam-se três grandes viagens do Apóstolo, portanto três grandes missões em seu Apostolado. Chipre, Ásia Menor, os elevados planaltos da Panfília, Psídias, Licaônia, Derbe, Antioquia de Psídias, Icônio, Listra e Antioquia, constituem a primeira missão.
Após o Concílio de Jerusalém, realiza a sua 2.a missão, voltando à Ásia Menor, afim de visitar as comunidades já criadas, dirigindo-se depois à Galácia e mais tarde à Macedônia. Em Éfeso inicia a terceira grande missão, continuando-a na Grécia, nas Ilhas da Ásia, pouco depois pela Síria e Palestina, regressando finalmente, a Jerusalém. Ao lado de sua inteligência, colocada ao serviço do bem, confundindo os seus adversários com argumentos exatos e fortes, admiramos o heroísmo e a perseverança do Apóstolo, jamais recuando diante dos difíceis obstáculos que a cada passo transpõe com coragem e fé. Foi fiel à sua missão, apóstolo no sentido mais completo da palavra, vida verdadeiramente santa, homem de virtudes, submetendo-se às mais duras penitências, para que o espírito nele triunfasse sobre a carne: “castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que não suceda, que tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a ser réprobo" (Cor. IX, 27).
Foi em Jerusalém, no Templo, que os formalistas judeus se atiraram contra ele, e arrastando-o para fora, o acusaram de sacrilégio, de ter introduzido no lugar santo, onde apenas os israelitas de boa raça
têm acesso, um incircunciso, Trofimo de Éfeso, que fora visto com ele na cidade. Em meio à fúria da multidão prestes a devorá-lo, tamanho é o seu ódio contra o apóstolo, pede a palavra e em hebraico, com voz firme e persuasiva, narra a sua história, a sua conversão maravilhosa, a sua cidadania romana. Conduzido a Cesareia ao Presidente Félix, este o deixou na prisão para ser agradável aos judeus. Diante de Festo, sucessor de Félix, Paulo apela para César e exige que o mandem para Roma.
Assim, na primavera de 60, do navio que o conduzia, Paulo vê surgir ao longe a baía napolitana, o Vesúvio que fumegava e chegava à Itália, onde sabia que daria o supremo testemunho. .. Embora colocado "sob vigilância militar", - "custodia militaris" - Paulo gozava de uma certa liberdade, o que lhe permitia desenvolver o seu apostolado, quer entre os romanos, quer através das muitas cartas que enviava às comunidades por ele fundadas.
Colocado em liberdade, aproveita o tempo que ele sabia ser breve, e realiza novas viagens de apostolado, sendo pouco depois conduzido novamente preso a Roma. Aí, os cristãos sofriam a terrível perseguição que lhes era movida por Nero que os acusara injusta e covardemente do incêndio de Roma. Cumprida a sua missão, aguardava a esperança da morte, que seria para ele a plenitude de sua fidelidade. "Aproxima-se o instante de minha partida. Combati o bom combate e a minha carreira está no fim. Defendi a fé. Espero apenas receber a coroa que me está reservada e que me dará o Senhor, o juiz justo" (II Tim. IV, 6-8). Os textos nada nos dizem de sua condenação e morte, se houve ou não algum processo e se as garantias de cidadão romano lhe foram dadas. Uma antiga tradição da Igreja afirma que ele foi executado na Via Óstia, sendo-lhe decepada a cabeça, conforme o privilégio que o direito de cidadania lhe concedia. A mesma tradição associa a morte de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos, à do Apóstolo das Gentes. Diz a lenda que da cabeça decepada manava leite e sangue, ao passo que a boca abençoada proferia o nome de Jesus e que a cabeça sagrada saltou três vezes por terra, fazendo brotar três nascentes de água, conhecidas pelas três fontes de S. Paulo e onde se ergue hoje o convento dos trapistas, que silenciosamente velam o lugar sagrado do martírio de S. Paulo.
A maravilhosa Basílica de S. Paulo extramuros conserva a lembrança da "deposição"' do Apóstolo. Sobre o seu túmulo então apenas estas simples palavras: "A Paulo Apóstolo e Mártir". Aí uma multidão imensa vai se prostrar em prece, peregrinos que acorrem constantemente à cidade eterna, honrando aquele que foi escolhido por Cristo para ser o seu vaso de eleição e que se denomina "'O apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, para anunciar a promessa de vida."
"Apóstolo das Nações", "São Paulo tem-se conservado acima do decorrer dos séculos e do desenrolar dos acontecimentos, trazendo-nos a sua mensagem que o tempo não consegue fazer desaparecer, e cujas lições são, de permanente atualidade", como escreve Daniel-Rops.
Seus ensinamentos continuam refulgentes na Igreja de Cristo, como resposta viva á negação do sobrenatural, às infidelidades, ao absurdo de teorias e sistemas, demonstrando que nada poderá destruir o Evangelho de Cristo, luz sobre as trevas do mundo, brilhando nos corações de todos os fiéis e neles marcando as promessas de gloriosa vida futura.
A História de S. Paulo, o convertido de Damasco, é uma das mais belas que o cristianismo nos legou, em seus primeiros tempos, e que aponta aos séculos o Apóstolo perseverante, o Mártir valoroso, cujo sangue derramado pela Revolução da Cruz se transformou em semente de um cristianismo esplendoroso que continua na terra sua ascensão de paz, justiça e caridade.
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