10 de outubro de 2017

Legitima Interpretação da Bíblia - Lúcio Navarro.,

PREFÁCIO
do Ex.mo e Rev.mo Sr.
D. Antonio de Almeida Mobais Júnior

A unidade da Igreja vem da própria essência da verdade. A verdade é essencialmente una. A sua realidade necessariamente impõe a adesão da nossa inteligência e do nosso coração. Os princípios ontológicos da nossa razão impõem a permanência da unidade da verdade, em qualquer terreno em que ela se situe. Por isso mesmo, a verdade foge ao relativismo e à dependência. É ela independente do tempo, do espaço e dos homens. Pois, na realidade, a que se reduziria, se ela devesse submeter-se ao capricho dos homens, às modificações dos momentos históricos ou dos lugares do espaço?
É por isso que a verdade não é uma criação da inteligência do homem. Os olhos humanos podem divisar astros na amplidão dos espaços, por si sós ou com o auxílio poderoso dos telescópios; não podem, porém, criá-los nos espaços vazios. Também a mente humana traz, em si, a capacidade para apreender a verdade, mas não pode criar a verdade.
Nem Deus cria a verdade, sendo Ele a verdade eterna, infinita, absoluta. A densidade metafísica do seu ser é a realidade absoluta e, por isso mesmo, a verdade absoluta. Deus manifesta a verdade. Foi por isso que Jesus Cristo não disse: eu sou o pregador da verdade, mas afirmou: "eu sou a verdade". A própria verdade científica que é aquisição humana (não criação do homem, porém mera descoberta do homem ), exige essa unidade intangível, sem o que seria impossível a existência da ciência. A multiplicidade aparente da verdade científica existe enquanto os homens tateiam o terreno das hipóteses. Quando, porém, eles conseguem romper as camadas movediças das hipóteses e tocar a rocha eterna da verdade, a unidade se impõe com uma soberania absoluta.
Nem seria possível construir a ciência sem esse postulado essencial da unidade. Donde se depreende como a verdade religiosa, revelada por Deus, deve exigir essa profunda unidade. Já não se trata apenas desta ou daquela opinião de como se deve prestar á Deus um culto, mas da revelação do próprio Deus, ditando, diretamente ou pelos seus enviados, o modo pelo qual quer ser cultuado pelos homens.
Deste modo, ninguém pode presumir tenha o direito de escolher a doutrina religiosa, a seu capricho, para servir a Deus. Só urna religião revestida de todas as garantias sobrenaturais da revelação pode seguramente impor ao homem o verdadeiro caminho a seguir.
É coisa tão natural ao nosso espírito, à nossa inteligência, que jamais poderíamos imaginar que a verdadeira religião não implicasse a falsidade de todas as outras. Só uma religião pode ser verdadeira e só é verdadeira aquela que conserva, através dos séculos e dos espaços, a mais perfeita unidade doutrinária.
Sob esse aspecto, a Igreja Católica Romana apresenta a fisionomia da mais intangível unidade. Nós que nos acostumamos a contemplar as instituições simplesmente humanas no desenrolar dos séculos, sabemos que jamais puderam conservar essa nota dominante. Até mesmo esse sinal da precariedade das coisas dos homens deveria servir como índice evidente para distinguirmos o que é humano do que é divino.
A história aí está para testemunhar a eterna versatilidade das coisas humanas.
Os sistemas filosóficos nasceram, floresceram e passaram. As hipóteses científicas multiplicaram-se com os mais variados aspectos. A matéria, a vida, as forças cósmicas, desde Demócrito, Leucipo, Epicuro, Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles até Moleschott, Vogt, Büchner, Haeckel, Meyerson, De Régnon, Mir, Laplace, Faye, Ligondé, Moreux, Lackowiski, passaram pelas mais estranhas concepções. Gemelli expõe admiravelmente todas as hipóteses sobre a vida no seu belo livro: Os novos horizontes da biologia, e conhecido sábio moderno reuniu os mais variados aspectos da ciência atual sobre o mundo no seu brilhante estudo - Da criação à época atômica.
Mas, como poderá a verdade religiosa, revelada por Deus, submeter-se a essa versatilidade contínua, as mutações constantes das coisas humanas? Para que a sua divindade brilhasse, para que sua verdade inconcussa se impusesse à inteligência humana, era imprescindível que ela permanecesse una e imutável através dos tempos. E é este, sem dúvida, o característico primordial da doutrina da Igreja Católica.
Para quem raciocina, com serenidade, sobre a multiplicação das seitas protestantes, é impossível admitir a verdade do Protestantismo.
As suas múltiplas divisões caracterizam essencialmente o erro. No Congresso do Panamá, em 1916, havia representações de 36 seitas existentes na América Latina. Hoje, as estatísticas que possuímos dão a existência de 28 seitas diferentes na Colômbia, 45 seitas diversas no Brasil e 147 na Argentina. A colcha de retalhos de Martinho Lutero, de Calvino, de Ulrico Zuínglio, de Henrique VIII, de Melanchton, de Carlostadt, de Ecolampádio, Bucer e Munzer, continua na oficina em que as divisões do orgulho e da ambição humana vão ajuntando ainda outros retalhos.
Não é, pois, de estranhar que o fruto dessa absurda divisão de doutrinas e igrejas seja o ceticismo amargo de milhões de almas. Na Inglaterra, a divisão e contradição protestantes criaram cerca de 44.000.000 de pessoas que dizem "não ter nenhuma religião particular" e, nos Estados Unidos, cerca de 65.000.000 de ateus práticos.
Mas, talvez, mesmo essas múltiplas seitas e divisões se transformem em um grande motivo de proselitismo. Poderíamos afirmar que é mesmo um motivo real, quando lemos na publicação protestante "World Christian Handbook" que, na Colômbia, as seitas lutam, entre si, numa espécie de competição.
Não se pode negar que está havendo uma verdadeira invasão protestante na América. Essa invasão, como diz Damboriena, grande especialista no assunto, pode caracterizar-se por diversos períodos. Primeiro: a vinda ocasional de imigrantes das seitas durante o século XIX até o Congresso do Panamá (1916); segundo: do Congresso do Panamá até o Congresso de Montevidéu em 1925, com fundações de seminários em cinco nações e editoras protestantes em outros cinco países; terceiro: do Congresso de Montevidéu até o congresso de Madras; quarto: do congresso de Madras até o presente. Pelas circunstâncias políticas, as seitas precisavam um novo campo para empregar o seu pessoal e o seu dinheiro.
Escolheram a América Latina. E as estatísticas confirmam o seu tremendo esforço para multiplicar prosélitos no Brasil. Poderíamos, porém, afirmar com o grande apóstolo Eduardo Ospina: "Não tememos o Protestantismo, porque para fazer protestantes a 150.000.000 de católicos não bastam todos os dólares do mundo, nem mesmo nas mãos de um sectarismo metódico, obstinado e provido de técnica de propaganda. Mas tememos e muito a falta de instrução em muitos católicos. Tememos a ignorância religiosa de não poucos e também a pobreza de nossa gente. . . Há urgência em atender a esses setores necessitados de auxílio espiritual; o perigo protestante é um novo aviso para trabalharmos mais afim de remediar as necessidades dos nossos irmãos".
E nos atrevemos a dizer que o ataque protestante à América Latina, como o ataque comunista à humanidade, é um perigo e um castigo providencial, que nos põem em pé e nos impulsionam mais do que nunca para a defesa da Verdade.
Este livro que temos a honra de prefaciar é uma prova evidente do que estamos afirmando. Nossos grandes e sábios polemistas, como Leonel Franca, Nascimento Castro, meu saudoso mestre, Padre João Gualberto, Carlos de Laet e outros, acompanharam os contraditores da verdade nos pontos diretamente atacados. Faltava-nos um livro especializado no assunto, nascido da observação e da experiência diárias, em que fossem tratadas metodicamente, em linguagem simples, clara e acessível, as objeções formuladas pelos protestantes contra a Igreja Católica. E com imensa alegria vemô-lo surgir em nossa Arquidiocese, escrito por um mestre da língua, como realização apostólica de um sonho que há muito alimentávamos, pois desde que assumimos o governo da Arquidiocese de Olinda e Recife, pelos jornais, pelo rádio, pelas pregações, pelas missões volantes e pelas Missões Gerais do Recife, o que temos procurado é, com sinceridade, lealdade e dedicação, esclarecer os fiéis sobre os erros do Protestantismo.
Eis, portanto, o livro que tanto desejávamos: "Legítima Interpretação da Bíblia". "Livro nascido - como diz o próprio autor - da observação direta do que é a propaganda protestante no Brasil, apresentando uma refutação minuciosa das doutrinas da Reforma, com argumentação toda baseada em textos bíblicos e em linguagem popular, acessível a todos; servindo assim de amplo esclarecimento para os protestantes, desfazendo as suas confusões e preconceitos, de instrução e adestramento para os bons católicos, que desejam todos sinceramente estar bem armados e prevenidos para rebater as objeções dos hereges, bem como de preventivo para que não se deixem iludir pelo canto de sereia do Protestantismo".
Sabemos quanta dedicação esta obra exigiu do seu ilustre autor e quantos óbices se levantaram contra esta notável realização. Acreditamos, porém, que o apoio que lhe demos, desde o primeiro instante, foi um grande estímulo e temos a certeza de que será algo de notável realizado em defesa do Dogma Católico.
Resta-nos, agora, pedir a Deus que abençoe esta grande obra e a faça frutificar em benefício das almas iludidas pelo erro do Protestantismo e fortaleça na fé as que vivem à sombra da única e verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Recife, 14 de fevereiro de l958.
Antônio, Arcebispo Metropolitano de
Olinda e Recife.

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