29 de agosto de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

II

Examinando agora rapidamente os diversos elementos deste culto, veremos quanto ele se justifica.
O objeto próprio e direto é o Coração físico de Cristo. Este Coração é de fato digno de adoração.
Porquê? Porque fez parte da natureza humana e o Verbo se uniu a uma natureza perfeita: Perfectus homo. A mesma adoração que prestamos à Pessoa divina do Verbo abrange tudo o que Lhe está pessoalmente unido, tudo o que subsiste nela e por ela. Isto é verdade relativamente à natureza humana de Jesus na sua totalidade, e é verdade com relação a cada uma das partes de que essa natureza se compõe. O Coração de Jesus é o Coração dum Deus.
Mas este Coração, que veneramos e adoramos nesta Humanidade unida à pessoa do Verbo, serve aqui de símbolo. Símbolo de quê? Do amor. Na linguagem corrente, o coração é considerado como símbolo do amor. Quando Deus diz na Sagrada Escritura: «Meu filho, dá-me o teu coração» , compreendemos que o coração aqui significa o amor. Pode dizer-se de alguém: estimo-o, respeito-o, mas não lhe posso dar o meu coração; estas palavras indicam que é impossível a amizade, a intimidade, a união.
Na devoção ao Sagrado Coração veneramos, portanto, o amor que nos tem o Verbo Incarnado.
Em primeiro lugar, o amor criado. Jesus Cristo é ao mesmo tempo Deus e Homem, Deus perfeito, Homem perfeito: é o próprio mistério da Incarnação. Na Sua qualidade de "Filho do Homem», Jesus Cristo tem um Coração como o nosso, um Coração de carne, um Coração que palpita por nós com o amor mais terno, mais verdadeiro, mais nobre, mais fiel.
Na epístola aos Efésios, dizia-lhes S. Paulo que pedia com instância a Deus que os fizesse conhecer a
extensão, a largura, a altura e a profundidade do mistério de Jesus, tão deslumbrado estava com as riquezas incomensuráveis que este mistério encerra. Outro tanto podia dizer do amor do Coração de Jesus por nós; aliás, disse-o quando proclamou que «este amor ultrapassava toda a ciência».
E realmente, nunca esgotaremos os tesouros de ternura, amabilidade, benevolência, caridade, de que o Coração do Homem-Deus é ardente foco. Basta abrir o Evangelho: em cada página vemos refulgir a bondade, a misericórdia, a condescendência de Jesus para com os homens. Ao expor-vos alguns dos aspectos da Sua vida pública, procurei mostrar o que esse amor tem de profundamente humano, de in finitamente delicado.
Este amor de Cristo não é uma quimera; é bem real, pois se baseia na realidade da própria Incarnação. A Virgem Maria, S. João, a Madalena, Lázaro, bem o sabiam. Não era unicamente um amor de vontade, era-o também de sentimento. Quando Jesus dizia: «Tenho pena desta multidão», sentia realmente a compaixão ferir-lhe as fibras do Seu Coração de homem. Ao ver Marta e Madalena a chorar pelo irmão, chorou com elas lágrimas bem humanas, provocadas pela emoção que Lhe apertava o Coração. Por isso, os judeus, testemunhas do fato, diziam entre si: «Vede como o amava» !
Jesus Cristo não muda. Era ontem, é hoje, continua a ser lá no céu o mais amoroso e o mais amável dos corações que encontrar se podem. S. Paulo diz-nos em termos claros que devemos ter confiança em Jesus, porque é um Pontífice compassivo, conhecedor dos nossos sofrimentos, das nossas misérias e enfermidades, pois Ele próprio tomou sobre si as nossas fraquezas, exceto o pecado. É certo que Jesus Cristo já não pode sofrer - Mors illi ultra non dominabitur; mas é sempre Aquele que se compadeceu, que sofreu, que resgatou os homens por amor: Dilexit me et tradidit semetipsum pro me.
Qual a origem deste amor humano, deste amor criado de Jesus: Donde procede? Do amor incriado e
divino, do amor do Verbo eterno, ao qual está indissoluvelmente unida a natureza humana. Em Cristo, emhora haja duas naturezas perfeitas e distintas, cada uma das quais com as suas energias específicas e operações próprias, há uma só pessoa divina. Já vos disse que o amor criado de Jesus não é mais do que uma revelação do Seu amor incriado. Tudo quanto faz o amor criado fá-lo unicamente em união com o amor incriado e por causa dele; o Coração de Cristo hauria a Sua bondade humana no oceano divino.
No Calvário vemos morrer um homem como nós, que foi atormentado pela angústia, que sofreu, que foi esmagado pelos tormentos, como homem algum o será jamais; compreendemos o amor que este homem nos mostra. Mas esse amor que, pela Sua intensidade excede a nossa ciência, é a expressão concreta, tangível do amor divino. O Coração de Jesus, rasgado na cruz, revela-nos o amor humano de Cristo; mas, por detrás do véu da Humanidade de Jesus, vê-se o inefável e incompreensível amor do Verbo.
Que largas perspectivas nos abre esta devoção! Como é próprio para atrair a alma fiel! É que lhe permite venerar o que há de maior, mais elevado, mais eficaz em Jesus Cristo, Verbo Incarnado: o amor que tem ao mundo e de que é fornalha o Seu Coração.

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