Porro unum est necessarium – “Uma só coisa é necessária” (Luc. 10, 42).
Sumário. Não é preciso que neste mundo sejamos cumulados de dignidades, que tenhamos riquezas, boa saúde, gozos terrestres; é necessário tão somente que nos salvemos. Não há meio termo: se não nos salvarmos, seremos condenados; estaremos ou sempre felizes no céu, ou sempre infelizes no inferno! Por isso avisa-nos o Senhor, que amontoemos tesouros, já não neste mundo, mas no céu, onde a ferrugem e os vermes não os consomem, nem os desenterram e roubam os ladrões.
I. Não é necessário que neste mundo sejamos cumulados de dignidades, que tenhamos riquezas, boa saúde e gozos terrestres; mas necessário é que nos salvemos. Não há meio termo: se não nos salvarmos, seremos condenados. Depois desta breve vida seremos ou para sempre felizes no paraíso, ou para sempre desgraçados no inferno.
Quantos mundanos, que outrora gozaram abundância de riquezas e honras, foram elevados às mais altas dignidades, quiçá a tronos, estão agora no inferno! Ali todas as prosperidades gozadas neste mundo só lhes servem para sua maior dor e desesperação. – Eis o que nos avisa o Senhor: Nolite thesaurizare vobis thesauros in terra – Não queirais ajuntar tesouros na terra; mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem a ferrugem e os vermes, e onde os ladrões não os desenterram nem roubam (1). Todos os bens terrestres se perdem na hora da morte; mas os bens espirituais são tesouros incomparavelmente mais preciosos e duram eternamente.
Deus manifestou-nos a vontade de que todos sejam salvos, e a todos dá o auxílio para se salvarem. Quem se perder, perder-se-á por culpa própria, e isto será a sua pena mais grave no inferno. Vindicta carnis impii, ignis et vermis (2) – “A vingança da carne do ímpio será o fogo e o verme”. O fogo e o verme roedor (isto é, o remorso da consciência), serão os algozes do réprobo para vingança de seus pecados; mas o verme roedor o atormentará eternamente muito mais que o fogo. – Que dor não causa neste mundo a perda de um objeto de valor, de um diamante, de um relógio, de uma bolsa com dinheiro, mormente quando a perda se deu por descuido próprio? A lembrança da perda faz perder o apetite e o sono, posto que haja esperança de remediá-la de outra maneira. Qual não será então o tormento do réprobo ao lembrar-se que por sua culpa própria perdeu o seu Deus e o paraíso, sem esperança de poder ainda possuí-los?
II. Ergo erravimus (3) – “Logo nos extraviamos do caminho”. Eis aí o que fará os desgraçados réprobos chorarem eternamente: extraviamo-nos do caminho perdendo-nos voluntariamente, e não há mais remédio para o nosso erro. Para todas as desgraças que nos podem sobrevir neste mundo, acha-se com o tempo algum remédio, ou na mudança das circunstâncias ou ao menos na santa resignação à vontade divina. Mas chegados que formos à eternidade, nenhum remédio nos poderá valer, se para desgraça nossa tivéssemos errado o caminho do céu.
Por isso exorta-nos o apóstolo São Paulo a que nos empenhemos na obra da salvação com temor e tremor, isto é, com medo de a perdermos: Cum metu et tremore vestram salutem operamini (4). Este medo fará com que andemos com cautela no caminho do céu e fujamos das ocasiões perigosas e nos recomendemos continuamente a Deus, e deste modo sermos salvos. Roguemos ao Senhor, queira gravar bem fundo em nosso espírito este pensamento, que do último suspiro na hora da morte dependerá o sermos eternamente bem-aventurados ou eternamente desgraçados sem esperança de remédio.
Ó meu Deus, tenho muitas vezes desprezado a vossa graça; mas o Profeta assegura-me que sois misericordioso para com aquele que Vos procura: Bonus est Dominus animae quaerenti illum (5). Outrora fugia de Vós, mas agora Vos procuro; não desejo e não amo senão a Vós; por piedade, não me desprezeis, lembrai-Vos do sangue que por mim derramastes. Esse sangue e a vossa intercessão, ó Mãe de Deus, Maria, são todas as minhas esperanças. (II 277.)
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1. Matth. 6, 19.
2. Ecclus. 7, 19.
3. Sap. 5, 6.
4. Phil. 2, 12.
5. Thren. 3, 25.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 62 - 64.)
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