30 de abril de 2013

A morte despoja-nos de tudo.

Divitias, quas devoravit, evomet, et de ventre illius extrahet eas Deus - "Vomitará as riquezas que devorou, e Deus lh´as fará sair das entranhas" (Iob. 20, 15).

Sumário. Os mundanos só consideram felizes os que podem gozar os bens deste mundo, os prazeres, as riquezas e as gandezas. Mas a morte põe fim a todos estes gozos terrestres, porque então tudo se há de deixar. Vê esse grande do mundo, cortejado hoje, temido e quase adorado; amanhã, quando estiver morto, será desprezado de todos, não se fará mais caso de suas ordens; será expulso de seu palácio e atirado a uma cova para apodrecer. Entretanto que será de sua alma?... Desgraçada, se vier a cair no inferno!

I. Os mundanos só consideram felizes aqueles que gozam os bens deste mundo, os prazeres, as riquezas e as grandezas; mas a morte põe fim a todos estes gozos terrestres. Quae est vita vestra? Vapor est ad modicum parens (1) - "Que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco". Os vapores que a terra exala, erguendo-se ao ar, por efeito dos raios do sol, oferecem às vezes agradável aspecto; que tempo, porém, dura isto? Ao menor vento, tudo desaparece. Vê esse grande mundo, cortejado hoje, temido e quase adorado; amanhã, quando estiver morto, será desprezado, amaldiçoado, calcado aos pés.

Na morte é preciso deixar tudo. O irmão do grande servo de Deus, Thomaz Kempis, felicitava-se de ter construído uma casa magnífica. Houve, porém, um amigo que lhe notou um defeito. Qual é? Perguntou ele. - O defeito, respondeu o amigo, é terdes feito a porta. - O que? Replicou, a porta será um defeito? - Sim, acrescentou o amigo, porque um dia deverás sair por essa porta, morto, e assim deixar a casa e tudo o mais.

Que espetáculo ver arrancar tal grande de seu plácio, para nunca mais entrar nele, e ver outros tomarem posse de seus móveis, de seus tesouros e de todos os seus outros bens! Os criados deixam-no na tumba com um vestido que é apenas suficiente para lhe cobrir o corpo. Já não há quem o estime, nem quem o lisonjeie; já não se faz caso das ordens que deixou. - Saladino, que conquistou muitos reinos da Ásia, ordenou, ao morrer, que quando lhe levassem o corpo para a sepultura, fosse um homem diante do esquife, levando suspensa de uma lança uma mortalha e gritando: Aqui está tudo o que Saladino leva para a cova. Numa palavra, a morte priva o homem de todos os bens deste mundo: Finis venit, venit finis (2) - "O fim vem, vem o fim".

II. Senhor meu Jesus Cristo, já que me iluminastes para conhecer que tudo que o mundo estima não passa de fumo e loucura, dai-me força para me desapegar dele, antes que dele me separe a morte. Que desgraçado tenho sido! Quantas vezes, por miseráveis prazeres e outros bens da terra, Vos ofendi, a Vós que sois um Bem infinito! Ó meu Jesus, ó médico celeste, lançai os olhos sobre minha pobre alma, olhai as numerosas fendas que me fiz com os meus pecados, e tende piedade de mim. Si vis, potes me mundare (3). Sei que me quereis e podeis curar; mas para me curar quereis que me arrependa das injúrias que Vos fiz. Pois bem, arrependo-me de todo o coração; curai-me agora que me podeis curar: Sana animam meam, quia peccavi tibi (4).

Eu Vos esqueci; mas Vós, Senhor, não me esquecestes; e agora dizeis-me que quereis perdoar-me as injúrias que Vos fiz, se eu as detestar: Omnium iniquitatum eius non recordabor (5). Oh! Detesto-as e abomino-as mais que todos os males. Esquecei, pois, meu Redentor, esquecei todas as amarguras que Vos causei. No futuro quero perder tudo, mesmo a vida, antes que perder a vossa graça. De que me serviriam todos os bens da terra sem a vossa graça?

Ajudai-me, por piedade! Sabeis quanto sou fraco. O inferno não deixará de me tentar; já se prepara para se lançar em mil assaltos contra mim e me tornar de novo seu escravo. Ó meu Jesus, não me abandoneis! Daqui em diante quero ser escravo de vosso amor. Sois o meu único Senhor, Vós me criastes, Vós me resgatastes, Vós me haveis amado mais do que qualquer outro, Vós sois o único digno de ser amado, e a Vós só quero amar. - Ó minha Rainha e Mãe, Maria, ajudai-me com a vossa intercessão, e obtende para mim a santa perseverança. (II 10.)

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1. Iac. 4, 15.
2. Ez. 7, 2.
3. Matth. 8, 2.
4. Ps. 40, 5.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 75 - 77.)

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