29 de outubro de 2018

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

O Corpo da Virgem Santíssima Livre de Concupiscência


Parte 3/4

Ao ouvir esta conclusão, exclamareis talvez desanimados: se isso foi um privilégio especial concedido por Deus a sua Mãe, não poderemos imitá-la nisso.
É verdade que não podes ser igual a Ela; mas podes assemelhar-te muito a tua Mãe, mesmo neste privilégio.
Ao receberes o batismo, o pecado original deixou a tua alma; mas no teu corpo não se extinguiu a concupiscência, efeito do pecado original.
 Há na natureza humana, entre outros, dois instintos. Na alma, o desejo de amar e de ser amado. No corpo, o desejo de prazeres sensuais, quer dizer, a concupiscência. Estes dois desejos, estes dois instintos existem no homem e na mulher; mas de maneira diferente. No homem existe certamente esse instinto elevado da alma: esse desejo de amar e ser amado. Também ele sente a solidão da vida e a necessidade de uma companheira que o compreenda e que com o seu caráter suave, bondoso e jovial lhe torne leves os trabalhos e lhe suavize os dissabores da vida. Uma companheira que vele pelos seus interesses, que cuide dele, que lhe dê alento, que o anime; numa palavra, que lhe prepare um lar comodo e atraente. Este instinto da alma é tanto mais forte, quanto mais puro é o jovem.
Que obcecadas estão as raparigas, que gosto tão estragado manifestam, quando preferem para companheiro um jovem que tenha vivido muito! Mas, se é verdade que o homem tem este instinto elevado, tem-no mais forte ainda a mulher. E ao contrário, na mulher não é tão forte o instinto baixo para os prazeres sensuais. Por isso é costume dizer-se: o homem é mais corpo, a mulher mais alma.
Haverá exceções, mas é esta a regra geral. Regra que a rapariga deve ter em conta.
Engana-se e engana-se lastimosamente a rapariga quando pensa que o jovem com quem trata tem a mesma condição que ela; engana-se lastimosamente quando crê que aquilo que a ela não lhe faz mal, não impressiona o seu companheiro.
Por isso a jovem não suspeita muitas vezes as tormentas que podem desencadear-se no seu companheiro. Por isso não repara nos efeitos desastrosos que as suas imodéstias e provocações podem produzir. Por isso também não repara no perigo que lhe podem criar certas situações difíceis. Depois vêm as lágrimas.
Ainda que não seja tão forte como no homem, também existe a concupiscência na natureza da mulher. Existe na jovem e existe na criança. Na menina normal e inocente essa tendência, esse desejo está silencioso e latente. É como uma ferinha; mas está adormecida. Deixai-a dormir, dormir o maior tempo possível; porque, se acorda, o seu furor pode ser espantoso
 Como desperta a ferinha? Às vezes por si mesma, sozinha. Uma natureza degenerada, um temperamento apaixonado recebido em herança, é causa suficiente para que a ferinha desperte muito depressa, às vezes antes do uso da razão.
Nas meninas normais a concupiscência desperta de ordinário porque a provocam estímulos exteriores: o cinema, as leituras, as conversas atrevidas.
Porque é que as jovens, as crianças de agora são incomparavelmente mais precoces que há cinquenta anos? Porque os estímulos exteriores são maiores e fazem despertar muito depressa a ferinha. As meninas lêem tanto, vêem tanto cinema, falam de tais coisas, que a ferinha não tem outro remédio senão despertar e a luta desencadeia-se muito depressa nessas infelizes. A ferinha desperta, tem fome de prazeres sensuais e pede de comer, ruge e lança-se para eles. 
Como é difícil contê-la ! Quem a pode conter?
O santo temor de Deus; é essa a única jaula de ferro que não pode romper. Ai da jovem que tenha a fera da concupiscência muito desperta e não tenha um temor de Deus muito grande, muito forte para a conter! Se se acalmasse com um pouco de alimento! Mas, é de tal natureza que quantos mais prazeres se lhe dá, mais robusta se torna e mais fome tem. Dizei a uma jovem: vai uns quantos dias ao cinema e ao baile; e com isso já ficas satisfeita e não voltes mais.
Que ilusão! sabeis por experiência, que quanto mais se lê, mais se deseja ler; quanto mais se olha, mais se deseja olhar; quanto mais se dança, mais se deseja dançar; e continuai enumerando esse quanto mais; aplicai-o a tudo, mesmo aos prazeres mais grosseiros.
É difícil conter a concupiscência, quando deseja prazeres e ainda não os provou; mas mais difícil ainda é arrancá-la deles, quando se começou a satisfazer. Arrancai a uma fera o pedaço de carne que está a comer. Quando uma jovem se meteu no meio do mundo, quem a arranca dele! Isso é o que retém tantas almas na vida de pecado; quereriam, mas não podem. Chegam uns exercícios, conhecem o seu estado lastimoso, mas não têm forças para sair dele. A ferinha cresceu muito e está muito bem alimentada.
Era isto que retinha Santo Agostinho na sua vida de pecado. Agostinho tinha tido um pai pagão e vicioso. Dele havia herdado uma natureza inclinada aos vícios. Que fome de prazeres tinha a ferinha. de Agostinho mesmo quando era pequeno!
A sua santa mãe procurou domar aquela ferinha com uma educação cristã, quis enjaulá-la com o santo temor de Deus; mas não o conseguiu. Quando Agostinho era jovem, a concupiscência rompeu todas as grades do temor de Deus, da honra da família e lançou-se sobre a presa. Quanto mais comia, mais fome tinha. Agostinho queria afastar-se da sua vida pecaminosa e dizia para si: "hoje mesmo", e estava já quase, quase a ponto de romper, o vício parecia-lhe tão degradante, a pureza tão bela! "A continência apresentava-se-me - disse ele - com rosto alegre e majestoso, abria-me os braços para me receber. Com ela havia uma grande multidão de almas de todas as classes e condições, que eram castas. E ela mesma como sorrindo-se de mim, com um sorriso gracioso convidava-me a segui-la, e parecia dizer-me: Porque não hás de poder tanto como estes e estas?

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